Por Daniela Soares Ferreira, Joana Mourão Carvalho e Sónia Peres Pinto
Nada será como antes. Entre exigências de certificados de vacinação e testes de covid – aos fins de semana – as férias dos portugueses enfrentam este ano novos desafios. Apesar de já haver pandemia no ano passado, este verão as exigências são outras e as dúvidas são muitas, mais junto do setor do que das famílias portuguesas.
Ao Nascer do SOL, a secretária-geral da AHRESP garante que tudo é tranquilo se os portugueses optarem por ir para as esplanadas. As dores de cabeça começam no interior dos estabelecimentos. «Nas esplanadas não há necessidade de apresentar resultado de teste nem certificados», lembra Ana Jacinto, mas o cenário muda de figura às sextas-feiras, a partir das 19h.
Ainda assim, admite que tudo depende do bom senso por parte dos consumidores, apesar de ainda não ter uma resposta do Governo. Ou seja, um cliente pode entrar no estabelecimento às 18h e terá de sair uma hora depois às sextas-feiras e aos fins de semana a partir das 19h se não tiver o tal certificado ou teste? Uma resposta que, de acordo com a responsável, ainda não foi respondida por parte do Executivo. «Tudo isto dificulta muito a vida a estes setores. É evidente que tudo o que permita a estes setores de atividade trabalharem é bom, mas as medidas também têm de ser exequíveis, têm de ser percebidas, têm de ser claras para termos tempo para as implementar. E não foi isso que aconteceu», diz ao nosso jornal.
Para evitar ainda mais ‘conflitos’, a AHRESP tem vindo a apelar que sejam implementados auto testes por iniciativa das autarquias, seguindo alguns dos exemplos que já estão a ser feitos. «Já há autarquias a disponibilizar os auto testes, que estão a ajudar os empresários nessa tarefa e temos vindo a apelar a que mais autarquias o façam. O problema é a pouca clareza que depois não explicam também aos consumidores e clientes».
No entender da responsável, tudo isto carecia quer de uma campanha dirigida à população em geral, quer aos empresários, a explicar exatamente o que é que deviam fazer. «Não somos agentes de saúde», diz ao Nascer do SOL.
Também Associação Nacional de Restaurantes, a Pro.var, diz que as dúvidas são muitas e continuam a chegar todos os dias. Falta de vagas na farmácia para realização de testes, dúvidas nos procedimentos em relação aos testes, onde colocar os testes usados e como fazer no caso de algum cliente estar infetado são algumas das dúvidas que o presidente da Pro.var diz que chegam por parte de empresários e clientes. É que, diz Daniel Serra, a maioria dos empresários dizem-se «assustados e impreparados».
No caso de um cliente infetado, fecha-se o restaurante ou expulsa-se o cliente? São dúvidas que ainda persistem na restauração. E a medida, além de ser criticada, não veio com tempo de preparação, o que já fez estragos. As novas regras de controlo e testagem à entrada de restaurantes localizados em zonas de risco elevado e muito elevados causaram perdas de clientes próximas dos 90%, garante a associação «Alertamos para o brutal impacto que esta medida teve, uma situação que cria enormes injustiças e são muito discriminatórias, pois perante esta dificuldade, a maioria dos clientes transferem-se para restaurantes com esplanada ou para zonas livres destas restrições», diz Daniel Serra.
Assim, «por todo o impacto gerado, pelas dúvidas da eficácia dos auto testes, pelas dúvidas legais e de saúde pública associadas, pelos enormes constrangimentos e consequentemente, elevadas perdas infligidas aos restaurantes», a Pro.var pede ao Governo que, no próximo Conselho de Ministros, elimine de forma «imediata» os auto testes dos restaurantes, falando também na importancia da ajuda das autarquias.
O setor da hoteleira não fica alheio a estas críticas. Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) admite que estas medida terão como efeitos imediatos uma «maior segurança e confiança» mas pede bom senso no que diz respeito à publicação das alterações. «Anunciado numa quinta, publicado numa sexta e entrada em vigor num sábado. O tempo para a entrada em vigor foi muito curto para preparar a logística, a operação, as equipas e o cliente para o que se pode vir a passar. Esta crítica ao timing é mais pertinente porque era evitável. Prolongava-se o estado de calamidade como estava e mais uma semana daria para haver maior disponibilidade de stock quer nas farmácias e hotéis [de testes por exemplo] e preparar a logística», refere a entidade.
O que dizem os responsáveis do setor
João Aleixo, proprietário do Sabores do Campo, um restaurante em São Brás de Alportel, garante estar a adotar todas as medidas indicadas pela Direção Geral da Saúde (DGS) e que apesar de não estarem a realizar testes rápidos à entrada, estão a exigir a documentação necessária, nomeadamente o certificado digital e o teste com resultado negativo à covid-19, a todos os seus clientes.
No entanto, em declarações ao Nascer do SOL, tem notado que as pessoas, para não terem de apresentar esses comprovativos, optam por não ficar no interior do restaurante: «99% das pessoas que telefonam para aqui para fazer uma reserva, a primeira coisa que perguntam é se há lugares disponíveis nas esplanadas»,refere.
O responsável diz ainda que «há também muitas pessoas que não querem vir aos restaurantes nestas condições, mesmo que já tenham as duas vacinas, porque querem ter a liberdade de escolher o que querem fazer».
Apesar destes constrangimentos, João Aleixo considera que as novas medidas «não vêm acrescentar muito» às quebras na faturação, porque «as esplanadas continuam cheias». Mas aponta que o setor, especialmente na zona do Algarve, tem vindo a ser muito afetado pelas restrições colocadas à entrada de turistas estrangeiros em Portugal.
«Os restaurantes de amigos meus, principalmente na zona de Vilamoura, Albufeira, Vale do Lobo, Quinta do Lago, estão a sofrer mais quebras. Há até um restaurante em Vale do Lobo, o Alambique, em que a capacidade tem estado a 40%. Esse restaurante nunca está a 40% nesta altura, aliás estaria a 100% e teria rejeitado 40% de clientes», explica.
A propósito da ação de fiscalização levada a cabo no fim de semana passado pela ASAE e pela GNR na marina de Vilamoura, no âmbito da operação Convívio Seguro IV, o responsável do Sabores do Campo conta, a partir de relatos que foi ouvindo de outros empresários daquela zona, que «as autoridades entraram às 22h30 em todos os restaurantes e foram todos multados, uns porque ainda estavam a aceitar pessoas, outros porque tinham permitido a entrada de pessoas sem a apresentação do teste ou do certificado digital».E acrescenta: «Parecia mesmo uma caça à multa. Em Olhão, até corpo de intervenção meteu».
Já em São Brás de Alportel, João Aleixo garante que «não tem havido fiscalizações, além do normal», porque «é um meio mais pequeno» e, quando as há, as autoridades «fazem um trabalho de mais informação e não partem logo para a multa».
Mas nem todos gostam destas regras. Na Costa da Caparica, há um restaurante vegan que se recusa a exigir o certificado digital ou teste negativo à covid-19. Chama-se Xéxéxé e abriu portas há três anos e meio.
No passado domingo, dia 11 de julho, Rúben Silva e Cristiana Feio, responsáveis por este espaço, publicaram um comunicado na sua página de Instagram, no qual se posicionaram «contra a discriminação» e anunciaram que não iam «compactuar» com as novas medidas no acesso a estabelecimentos de restauração que, defendem, «estão a ser impostas, ilegalmente».
Isto significa que, quem quiser, pode frequentar o espaço interior deste estabelecimento sem apresentar qualquer um dos comprovativos exigidos por lei. E nem sequer é obrigado a usar máscara, se não o quiser fazer.
«Aquilo que estamos a defender é acima de tudo a liberdade das pessoas e aquilo que está na Constituição da República», alega Cristiana Feio, em declarações ao Nascer do SOL. «Respeitamos a decisão das pessoas, mas esta é a nossa porque achamos que estamos a ser injustiçados».
A verdade é que depois de terem publicado o comunicado nas redes sociais, já foram alvo de uma denúncia, que resultou numa ação de fiscalização por parte da GNR e respetiva multa esta quinta-feira. Segundo Cristiana Feio, é provável que daqui em diante recebam muitas mais.
A proprietária do Xéxéxé considera que as medidas anunciadas pelo Governo no dia 8 são «absurdas» e «ridículas», questionando por que é que estas são aplicáveis apenas aos fim de semana e não a todos os dias.
«Num fim de semana as coisas correm bem, no outro fim de semana é uma miséria, porque as pessoas têm medo e, por isso, não vêm. Nem posso ter funcionários aqui no restaurante, porque num fim de semana consigo pagar-lhes e no outro já não consigo», revela.
De acordo com Cristiana Feio, antes da pandemia, o Xéxéxé recebia cerca de 50 a 60 pessoas por dia, agora o número de clientes diários fixa-se nos 20, situação que atribui à «falta de apoios e de informação» por parte do Governo. «Acho que os nossos políticos não querem saber de nós. Não estão preocupados connosco, com os negócios pequenos que pagam os impostos e que têm tudo em dia», critica.
No seu dia-a-dia, Cristiana Feio diz não usar máscara, mesmo em estabelecimentos de outras pessoas, como a mercearia onde faz habitualmente as suas compras, por duvidar da proteção que esta oferece. Além disso, garante que não quer tomar a vacina da covid-19. «Não vou tomar uma vacina que é experimental até 2023, eu não quero ser cobaia».
Restrições afetam férias?
Com ou sem restrições há muitos portugueses que estão a ser confrontados com estas novas medidas. Um desses casos é Fábia Vale e o namorado, Rafael Lima, que se viram ‘obrigados’ a adaptar as férias devido à situação pandémica. Vivem em Esposende e este ano decidiram passear pelo país mas a escolha recaiu por locais não tão afetados pela pandemia. Estiveram em Grândola, foram à praia da Galé de Melides, visitaram Porto Covo e Vila Nova de Mil Fintes.
Mas não encontraram grandes dificuldades. «Não encontrei dificuldades, acho que foram mais receios, com estas novas medidas e com o bombardeamento de informação muitas vezes sentíamo-nos ‘perdidos’, não sabíamos se era necessário teste, qual o horário das coisas, isso gerava alguma dificuldade», confessa Fábia ao Nascer do SOL.
E mesmo no alojamento onde ficaram hospedados, não houve problema nenhum. A jovem explica o procedimento: «Fizemos o teste à covid-19 antes de irmos, não queríamos arriscar fazer uma viagem de quatro horas e algum de nós estar positivo, então fizemos o teste antes e levamos a respetiva declaração. Apresentámos mal chegámos ao alojamento», diz-nos, acrescentando que escolheram «uma zona calma, então não era necessário teste nas idas ao restaurante».
Questionada sobre se deixou de fazer alguma coisa que queria por causa das medidas, Fábia confessa que fizeram menos refeições fora «por toda a logística que implicava, saber se precisávamos de teste, saber quais as restrições do local», optando assim por fazer as refeições no local onde estavam hospedados. «Também foi uma forma de nos protegermos e tentar não andar por vários locais».
Em relação aos espaços frequentados, é perentória: «Todos os espaços em que estivemos foram extremamente cautelosos. No alojamento foi incrível, as zonas partilhadas estavam sempre a ser desinfetadas e andávamos sempre de máscara, incluindo outros hóspedes. No restaurante em que fomos uma noite igualmente cuidadosos».
Também Ana Lúcia Ferreira admite que as novas restrições pouco ou nada afetaram as suas férias, apesar de reconhecer que este ano foi ‘obrigada’ a mudar de hábitos.
A comercial optou por arrendar uma casa perto de Tavira, mas como as casas são isoladas – onde cada um tem um espaço de churrasco e de refeição – «pouco ou nada se cruza» com os restantes turistas. E tanto ela como o marido só têm uma dose de vacina e para evitarem desagradáveis surpresas optam por fazer as refeições fora dos espaços tradicionais. «Durante o dia levamos almoço para a praia, à noite geralmente jantamos em casa e optámos por ir jantar fora apenas duas vezes», diz ao Nascer do SOL.
E guarda boas experiências. «Ficámos sempre na esplanada, mas o distanciamento era respeitado». O mesmo não aconteceu no acesso à praia. «Os portugueses respeitam o uso de máscaras, mas os estrangeiros nem sempre», confessa ao nosso jornal. O mesmo cenário era exigido no acesso às praias, uma vez que, Ana Lúcia Ferreira optou por praias, cujo acesso tinha de ser feito através de barco ou de comboio.
Mas face a anos anteriores confessa: «Noto muito menos turistas. Há muitos restaurantes que ainda estão fechados e os que estão abertos estão a meio-gás, o que nos deixa mais tranquilos e seguros».