O juiz de instrução Carlos Alexandre arrancou, depois das 18h30 desta terça-feira, com o interrogatório formal dos 11 arguidos, no Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, que foram detidos ontem pela Polícia Judiciária (PJ), no âmbito da Operação Miríade, que está a investigar suspeitas de tráfico de diamantes e de ouro por militares portugueses em missões realizadas na República Centro Africana (RCA).
Um dos arguidos prestou declarações e parece que há mais detidos que mostraram vontade de fazer o mesmo, indicou uma fonte da defesa à agência Lusa. Recorde-se que entre os detidos está um agente da PSP do Comando Metropolitano de Lisboa, que já pertenceu às FA, e um guarda-provisório em formação da Guarda Nacional Republicana, desde junho de 2021, tendo ingressado na mesma através das FA.
Paulo Nazaré é o alegado líder da rede e é um dos 11 detidos. Prestou serviço como soldado na 2.ª Força Nacional Destacada (FND) na República Centro-Africana de outubro de 2017 a março de 2018, tendo depois abandonado a vida militar.
Contudo, segundo uma fonte ligada ao processo disse ao mesmo órgão de comunicação que há mais de seis dezenas de outras pessoas e cerca de 40 empresas – algumas que funcionariam para esconder os negócios que envolviam diamantes, ouro, droga e bitcoins – nesta rede criminosa.
Segundo apurou o i junto de forças policiais, elementos de gangues das zonas suburbanas de Lisboa têm vindo, ao longo dos últimos anos, a infiltrar-se nas Forças Armadas e a utilizar as missões portuguesas em países em guerra para fazerem tráfico de diamantes, ouro e droga.
Este caso já está a remexer com a política portuguesa, que ficou imediatamente atenta à investigação depois de serem noticiadas as detenções dos militares, esta segunda-feira. Na noite de ontem, o primeiro-ministro comentou a investigação, na entrevista concedida à RTP1, afirmando que este caso não tem "um impacto negativo" nas FA.
O PSD e o PCP já vieram contrariar aquilo que António Costa defendeu. Na reunião da comissão parlamentar de Defesa Nacional realizada hoje e na qual se debateu o relatório do envolvimento dos contingentes militares portugueses no estrangeiro relativo ao primeiro semestre de 2021, a deputada do PSD Ana Miguel dos Santos considerou que as FA são "uma ferramenta importante como instrumento de política externa, porque são a face visível do país no estrangeiro" e por isso este caso "tem um impacto internacional significativo", embora a deputada disse querer acreditar que esta foi uma situação única e circunscrita.
Para a social-democrata, o ministro da Defesa Nacional deve esclarecer que foram tomadas mais ações para além de denunciar o caso às autoridades competentes e às Nações Unidas (ONU) e explicar como é que se podem garantir que situações semelhantes não se voltem a repetir no futuro, de forma a não residir "a ideia de que nas FA existe um vazio de fiscalização".
Já à esquerda, o deputado do PCP António Filipe entendeu que "não é possível dizer com seriedade" que esta situação "não afeta a imagem das FA", ao considerar que o "mau serviço ao país e às Forças Armadas é estar a desvalorizar algo que aconteceu, porque estão em causa casos da maior gravidade".
Em defesa do primeiro-ministro, o deputado socialista Diogo Leão disse que o relatório em causa "mostra bem como Portugal, através da participação das suas Forças Armadas contribui ativa e significativamente para a paz e segurança internacionais". Para o socialista, não devem ser apenas os "casos excecionais, totalmente anormais como o que veio a público ontem [segunda-feira]" que devem ser investigados "até às últimas consequências", que vão "de todo manchar o enorme prestígio das FA nas várias missões em que participa", acabando por assimilar as opiniões da oposição tanto à esquerda como à direita.
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