Por Fernando Matos Rodrigues, Antropólogo e Investigador CICS.Nova_UM / Lahb
«Não serve de oração
Inútil torre de marfim
Ninguém te vai chorar no fim».
(In Linda Martini, 2018)
Com o chumbo do Orçamento de Estado para 2022 reaparecem as cisões, as divergências e as clarificações de fundo entre os partidos da esquerda, com destaque para o PS, enquanto partido social democrata europeu, do qual resulta evidente separação com o BE e com o PCP. Estes dois partidos com a ‘geringonça’ permitiram alguma estabilidade governativa. Contudo, não foram capazes de fortalecer as políticas públicas nos sectores da educação, da habitação, do ambiente, da saúde e do trabalho.
No essencial da praxis política pouco ou quase nada se alterou. Restauramos alguns direitos que tinham sido usurpados pela troika neoliberal, reforçamos o SNS no período da pandemia. E pouco mais. O Governo socialista fez do compromisso político a arte das cativações, adiando e protelando compromissos, fez da propaganda a sua arma favorita para domesticar os seus parceiros à esquerda. António Costa calculou, instrumentalizou, reduziu a líder do BE a uma figura patética e menor. Jerónimo de Sousa acreditou na palavra de Costa e foi vítima desse sentido de estado tão próprio da nomenclatura do Comité Central. Com o PS não se pode brincar, nem confiar. Parafraseando um dos seus históricos ministros, quem confia no PS, mais tarde ou mais cedo leva porrada na certa.
O chumbo do OE para 2022 obriga a uma refleção sobre a complexa realidade política, social e económica em que nos encontramos. Para onde vamos? E com quem vamos? Que país vamos encontrar amanhã?
As sucessivas políticas da globalização financeira promovidas por uma União Europeia neoliberal e antidemocrática desmontou os Estados (catalogando-os de Estado mínimo), reduziu as Nações a uma figura de retórica (com a ideia de um só povo, uma só cultura e um só mercado – a União Económica e Monetária da UE). Produziu Cartas Europeias estranhas ao nosso povo, que ignoram a nossa cultura e ameaçam a nossa Nação.
Os partidos do arco do poder, como são classicamente designados, foram ‘comprados’ com cargos, com lugares bem pagos, com Quadros Comunitários para infraestruturas que alimentaram clientelas, corrupção, máfias, negócios e fizeram-se novas fortunas. Com a construção de IP`s e de IC`s, de pontes e de viadutos, de obras de estadão e as PPP`s seduziram-se os povos e as elites locais e nacionais.
Estávamos perante a nova ideologia europeia. Centrada em programas europeus para a juventude, para a ciência e para a cultura. As Capitais Europeias de Cultura e seus programas de reabilitação urbana ao serviço da especulação financeira global, já apontavam para a turistificação e gentrificação das nossas cidades. Com esta ‘ganga’ neoliberal foi possível impor uma nova ordem política e económica aos Estados e às Nações. Desmontamos e fragmentamos o Estado-Nação, vendemos setores de produção e energéticos fundamentais à nossa independência, alienamos a nossa autonomia económica, cultural e política em troca da dependência, da submissão e da assistência europeia.
É imperativo nacional falar novamente na (re)construção do Estado-Nação sem medos e sem fobias, sem complexos e sem traumas históricos. Não podemos ter medo de falar em Estado. O economista José Reis numa reflexão sobre a dependência económica nacional – lembra que quando alguém contesta o paradigma das economias da finança global (’do não existe alternativa’) «logo alguém com cabeça do passado dirá que isso é isolacionismo, fechamento, autarcia. Confinamento» (2020:34).
Infelizmente, a UE tem remetido o estado português para um progressivo empobrecimento, para uma dependência económica e produtiva, que nos obriga a deslocar, a fragmentar, a destruir o tecido agrícola e industrial, a queimar barcos e a desmontar os nossos portos de pesca. A transformar os campos agrícolas em parques temáticos e campos de golf para aí instalar economias vulneráveis e dependentes. O OE22 não podia ser aprovado com os votos da esquerda, porque ele representa bem a essência das políticas neoliberais do Estado mínimo e do mercado como deus regulador.
Não faz sentido aprovar um OE que promove políticas que conduzem à destruição do Estado de Bem-Estar Social, à suborçamentação na saúde, na educação e na habitação. Políticas que têm promovido a desregulação das leis do trabalho, a liberalização das leis do arrendamento urbano, a precariedade laboral dos jovens, a especulação dos solos urbanos, o despovoamento do território e o encerramento de equipamentos e de serviços públicos.