Marco António Costa: “PS e PSD têm a obrigação de viabilizar um Governo”

Marco António Costa acredita que vai haver  uma bipolarização entre o PSD e o PS nas próximas eleições. E acredita numa vitória de Rio.

Que balanço faz do Congresso do PSD na Feira?

Foi um Congresso saudável porque, independentemente das diferenças políticas que possam existir dentro do partido entre os diferentes agentes partidários, houve a capacidade de manter uma unidade estratégica face às eleições legislativas que se avizinham. Por outro lado, também foi notável a intervenção de Miguel Pinto Luz, mostrando que neste um partido se fazem intervenções sem hipocrisia, porque ele foi capaz de afirmar essas diferenças, mantendo a lealdade essencial.

Foi um dos discursos mais críticos…

Não achei crítico. Miguel Pinto Luz fez um discurso franco, direto, sem hipocrisias, não colocando em causa aquilo que para ele era essencial e também para todos que é ter uma unidade estratégica face ao combate político que se avizinha e que não é um combate interno, mas sim um combate pelo país, por Portugal e, acima de tudo, um combate pelo nosso partido.

Paulo Rangel, que perdeu as eleições internas, teve um discurso mais ao encontro das declarações de Rui Rio…

Julgo que no essencial todos identificámos os mesmos problemas da governação de esquerda que trouxe um problema sério relativamente à política de rendimentos em Portugal, porque, ao fazer uma aposta – e por muita justiça que isso tem – na subida do salário mínimo, não se olhou para uma política de rendimentos alicerçada na produtividade e que olhe também o salário médio e para os diferentes níveis salariais de uma forma harmónica. O que provocou foi uma desarmonização dos níveis salariais em Portugal. 

Está a haver um esmagamento….

Está a provocar um esmagamento e uma distância. É preciso haver uma política de rendimentos mais consequente que continue a valorizar o crescimentos dos salários, não só o mínimo mas que também seja capaz de valorizar o crescimento do salário médio.

O erro fundamental disto é, por um lado, os parceiros sociais que representam as entidades empregadoras terem aceite que o Governo e a esquerda transferissem para o Parlamento por via legislativa algo que deve ser encontrado no âmbito da concertação social, quando devia ser encontrado no âmbito do diálogo social. Só quando este falha e quando não é possível haver um diálogo social estruturado é que os responsáveis políticos devem tomar decisões. É por isso que o Governo está presente e preside ao Conselho Económico e Social, nomeadamente à concertação social.

Esta atitude do Governo de transferir para o Parlamento decisões que deviam ser construídas em diálogo na concertação social têm como resultado esta situação de desregulação de toda a política de rendimentos em Portugal. Por outro lado, as intervenções no Congresso identificaram um problema grave que se vive, por exemplo, nos setores da Saúde e da Educação.

O que assistimos é que a maioria de esquerda que governou nos últimos anos, que defende e que fala permanentemente de políticas de valorização dos setores sociais do Estado, contribuiu para um empobrecimento ou para uma degradação desses setores sociais do Estado. É patente a situação difícil que vive o Serviço Nacional de Saúde, que começou com as cativações. E que se agravou com o problema pandémico, não tendo capacidade de resposta. As cativações tiveram um efeito devastador.

E começaram com Mário Centeno.

Não gosto, nem quero personalizar. Mas foi o Governo do Partido Socialista que, com as cativações para a Educação e para Saúde, pôs em causa quer a escola pública e a sua qualidade, quer o Serviço Nacional de Saúde, que penaliza todas as faixas etárias e particularmente as camadas sociais mais carenciadas, que precisam de um serviço público de qualidade. Hoje vivemos nos setores sociais do Estado um descontentamento dos profissionais, um descontentamento das populações e uma situação de rutura. Isto obviamente tem um responsável que é a governação de esquerda.

O PSD, e bem, identificou isso no discurso tanto do líder como de outros agentes partidários que intervieram no Congresso, ao afirmarem que é necessário introduzir algo que nos últimos anos não existiu: um espírito reformista. Esta ideia de que fazer reformas é uma coisa negativa porque mexe no status quo é errada. Fazer reformas é atingir níveis de satisfação e de qualidade mais elevados.

Geralmente, a palavra reforma tem um impacto negativo.

Admito que tenha sido criada uma conotação negativa por causa das imposições que tivemos de viver, na sequência da crise de 2011, ou seja, da falência do país em 2011. Por isso, as pessoas associam muito as reformas às medidas impostas vindas de um programa, negociado pelo Partido Socialista antes das eleições legislativas com a troika e que depois o Governo do PSD/CDS teve de levar por diante. Ficou esta ideia de que as reformas são uma coisa negativa. Não são.

Devem ser direcionadas sempre no objetivo de melhorar a qualidade e o serviço, seja ele qual for que esteja a ser prestado aos cidadãos e, ao mesmo tempo, torná-lo mais eficaz. Por exemplo, uma reforma que me parece fundamental é a reforma da Administração Pública. Não na lógica de uma panaceia em que a reforma da Administração Pública é a solução para todos os problemas.

Mas tivemos o Simplex e independentemente de ter sido feito por um Governo socialista foi algo que correu bem, foi uma iniciativa que trouxe para a Administração Pública a descomplicação de um conjunto de procedimentos que ajudou a economia, os agentes económicos e deu um impulso para haver uma maior proximidade entre os cidadãos e a administração.

Agora, com a falta de investimento nos setores públicos, com as cativações e com os problemas associados à própria pandemia, temos a noção de que há um problema de morosidade injustificável dos processos administrativos do Estado. Não podemos atribuir essa culpa aos funcionários públicos, mas temos que olhar para as coisas como deve ser. O Simplex foi feito há mais de 10 anos, são horas de fazer um Rapidex. Ou seja, é preciso introduzir sistemas de aceleração no funcionamento do Estado sob pena de voltar a ser um problema grave para a economia portuguesa. 

Até que ponto?

O Estado tem de fazer um compromisso entre a descomplicação dos sistemas processuais – mantendo a segurança jurídica – e um investimento tecnológico aprofundado. Se não fizermos isto, muito investimento estrangeiro que poderia ponderar vir para Portugal começará a ter reservas em ver o nosso país como destino. Além disso, o teletrabalho trouxe uma ideia de flexibilização do modelo das relações laborais na área da função pública. É do interesse dos próprios funcionários públicos terem hoje modelos ajustáveis à sua situação familiar, provavelmente também com ajustamentos salariais equivalentes.

Ou seja, é possível encarar uma reforma na Administração Pública olhando para esta experiência que foi imposta pela pandemia. O que quero dizer com isto? Temos que pensar a reforma da Administração Pública como uma oportunidade de flexibilizar o Estado, criar melhores condições na relação entre os funcionários públicos e a própria administração a que pertencem, criar uma oportunidade de reforma do sistema dos processos administrativos do Estado, criando condições de responsabilização de classes profissionais na certificação da adequação dos documentos que apresentam. Isso aconteceu, por exemplo, nas autarquias, em que determinados projetos de especialidade já não precisam de estar sujeitos a aprovação por todas as entidades externas e basta uma declaração de responsabilidade do próprio técnico que proponha esses projetos de especialidade.

Há uma transferência de responsabilidade e obviamente terá de ter consequências para quem prevaricar. Mas para isso é preciso mudar este paradigma de funcionamento da administração. E isto não é culpa dos funcionários públicos. É a experiência nos faz constatar isso: morosidade – precisamos de um Rapidex – e nas diferentes intervenções no Congresso focaram-se essas matérias.

Pode haver diferenças de estilo, diferenças em termos de abordagem, mas no essencial o PSD tem uma identidade comum sobre aquilo que é importante para o país: fazer crescer a economia, apostar no setor privado – nomeadamente nas pequenas e médias empresas – favorecer o investimento qualificador das áreas sociais do Estado, que são a Educação e Saúde, e ter uma política de rendimentos que permita que haja uma perspetiva para jovens e menos jovens no âmbito daquilo que são as carreiras.

A única falha que houve nos discursos foi a ausência de referências centrais à economia social. Falou-se na economia pública, na privada, mas esqueceram-se de uma economia fundamental que é a social. A economia social é a economia das pessoas, é aquela economia que agrega IPSS, misericórdias, mutualidade e é essa estrutura que existe na sociedade civil, que está pulverizada por todo o território, que responde diretamente ao bem estar de mais de um milhão de portugueses, com o apoio a idosos, a crianças, a pessoas portadoras de deficiência.

Estamos a falar de uma economia que é amiga das pessoas, que procura fomentar a sustentabilidade, que valoriza o interior e o território. Hoje, grande parte dos concelhos menos populosos do país têm como principal empregadores, principais centros de bem estar e até de dinamização económica do seu território as entidades da economia social.

Temos de recuperar esse discurso que não é da esquerda, aliás, é sabido que a esquerda desconfia da economia social, desconfia da liberdade de associação das pessoas e desconfia daquilo que não é público. A esquerda quer uma estatização da sociedade e o PSD defende uma liberdade de escolha e defende, acima de tudo, a capacidade da própria sociedade de se organizar para oferecer aos seus concidadãos respostas.

O Congresso também focou temas como a TAP e o Novo Banco.

O Novo Banco presta-se a um combate político da esquerda que, de alguma forma, o PSD tem de ser cauteloso na abordagem que faz. E quando digo cauteloso não quer dizer que não seja exigente. Não pode é embarcar num discurso muito próximo da extrema-esquerda, até porque o processo estrutural de venda do banco aconteceu no Governo socialista e de maioria de esquerda.

Quanto à TAP, é um caso gritante, porque foi nacionalizar os prejuízos e libertou os privados das responsabilidades quando houve a inversão do negócio. Mas mais do que discutir o passado é necessário perceber o que se vai fazer para o futuro.

O problema da TAP é que vai ficar mal resolvido. O Estado quis ter uma visão estatizante da TAP e o resultado é que os portugueses vão ter como consequência um peso de impostos para continuarem a pagar os problemas estruturais da TAP, que dificilmente se resolverão. E é um problema que o PSD não pode deixar de criticar.

A ideia de que o Estado é dono e tem de mandar numa companhia aérea é um erro estratégico que se vê pelos resultados que estão à vista. 

Daí Rui Rio ter falado em ruturas quando há degradação, mas sem querer uma revolução?

Rui Rio quis, acima de tudo, e bem – tenho muitas diferenças de opinião relativamente a muitos assuntos mas tenho também muitas convergências –, desmistificar esta ideia de que as reformas são coisas negativas. O que procurou foi explicar às pessoas que as reformas não têm que ser ruturas, nem têm que ser revoluções. São processos evolutivos, são processos participados e que visam atingir patamares de excelência e de qualidade face ao ponto de partida.

A ideia é criar mais eficiência, mais proximidade. Por exemplo, tenho uma visão em relação à reforma do sistema político que me leva a dizer que rapidamente temos de tomar decisões sobre o que se está a passar em relação à abstenção e com o afastamento das pessoas do sistema político.

Isso tem sido visível nas últimas nas eleições e tudo indica que poderá ser a tendência das próximas.

Parece que é evidente que as pessoas querem fazer escolhas diretas. Andamos a fugir há vários anos ao tema que vai ser inevitável que são os círculos uninominais, em que há uma responsabilização e uma relação direta entre os deputados e os seus eleitores. Isso vai ser uma tendência natural, assim como a redução do número de deputados. 

Reduzir para que número?

Acho que não devo atirar números para o ar. Deve ser feito um estudo para garantir uma representatividade adequada. Pode haver um círculo nacional, onde seja possível estar um sistema hibrido entre círculos uninominais e circulo nacional, onde se elege 30 ou 40 deputados para permitir um certo equilíbrio de algumas representações que são fundamentais. E a par dessa redução devem ser reforçadas as condições de trabalho dos deputados com maior capacitação de apoio técnico.

O Parlamento melhorou muito naquilo que são os assessores parlamentares, porque são fundamentais. Naturalmente, um deputado não pode perceber de tudo e precisa de ter pessoas que tecnicamente o possam assessorar para ter uma decisão mais ponderada e fundamentada.

Depois das guerras internas finalmente o partido encontrou paz e estabilidade. É o ‘somos todos Rui Rio’, como disse Carlos Moedas?

Carlos Moedas fez aquilo que também é importante nos congressos que é fundamentar um espírito comum de apoio. Rui Rio não é homem que goste de suscitar grandes paixões, pelo menos pela positiva, se calhar pelas polémicas até gostará, mas Carlos Moedas trouxe essa dimensão emocional ao Congresso de dizer às pessoas ‘vamos todos de uma forma empenhada trabalhar ao lado do líder do partido’, julgo que isso é uma obrigação base dos militantes nesta fase.

Não quer dizer que deixem de pensar o que pensam e que não haja diferenças, mas isso sempre foi assim no PSD. Nunca houve nenhum líder, a não ser Sá Carneiro, que tivesse consenso ou em que houvesse um pensamento único. Isso não é o nosso partido, isso são outros partidos.

O PSD forjou-se sempre na pluralidade de opiniões, como uma fator que enriqueceu ao longo da história a capacidade do partido de formular soluções para a sociedade, de ser vanguardista relativamente a algumas posições reformistas e, é por isso que o PSD se transformou no grande partido que é e que seguramente continuará a ser, enquanto for capaz de ter esta riqueza de pluralismo dentro da sua existência.

O inimigo deixou de se interno para ser António Costa?

Acho que nunca houve inimigo interno. Ao fim de muitos anos de vida política é comum constatarmos que tivemos, muitas vezes, em lados opostos com os amigos de sempre. Por exemplo, tenho uma grande admiração por um homem que é hoje uma referência nacional, que é Luís Marques Mendes, e dificilmente tivemos sempre os dois do mesmo lado; tivemos muitas vezes em lados opostos, mas temos uma amizade muito próxima e tenho um grande respeito por ele.

Hoje, é uma voz autorizada na sociedade portuguesa e é alguém que inevitavelmente o país ouve com atenção e com respeito. Mas todos nós tivemos essas divergências uns com os outros. Isto é que faz do PSD um partido rico sob o ponto de vista da sua pluralidade. Quem não tem esta visão, obviamente, está a confundir planos e está a prejudicar aquilo que é o interesse do partido. No plano político, as pessoas devem defender o que pensam de forma determinada.

Foi o seu caso? Deu apoio a Paulo Rangel e chegou a acusar Rui Rio de ser uma muleta do PS.

Uma das vantagens que existe na política é que ao dizermos certas coisas se calhar também provocamos diferenciação. Acho que esta eleição interna confrontou Rui Rio com a necessidade de rutura com uma imagem de alguma complacência com o PS. Até porque o PS por várias vezes traiu a confiança do PSD em matérias que eram essenciais.

O Partido Socialista optou sempre por ter uma atitude sectária contra o Partido Social Democrata e de afirmar isso de uma forma muito vincada. A grande questão que se colocará na próxima campanha eleitoral é conseguir arrancar até ao dia das eleições uma declaração do PS sobre se vai ou não viabilizar um Governo do PSD se este vencer as eleições e não tiver maioria absoluta.

Rui Rio já mostrou disponibilidade em apoiar o Governo do PS.

Sim, mas António Costa ainda não o disse e, se não o disser, vai levar os eleitores às urnas sem uma questão essencial da democracia esclarecida. Vamos ter um processo eleitoral não informado, ou desinformado.

Pode haver o risco de haver um outro acordo à esquerda?

Por isso essa crítica que fiz, em tempos, a Rui Rio no sentido de impulsionar o PSD a marcar distâncias e a obrigar a que o PS se assuma relativamente a estas matérias estratégicas. Por que razão o PS ao longo de todo este tempo mostrou sempre não só indiferença mas desdém pelo relacionamento institucional com o PSD? É incompreensível. Não faz parte da história. São muitos anos de história democrática que o PS apaga com este comportamento.

De uma forma natural, o PS e o PSD, independentemente de manterem sempre as suas independências e as suas posições completamente diferenciadas, convergiram naquilo que era essencial para o país. Rui Rio faz bem exigir do PS uma atitude de responsabilidade. O slogan que foi encontrado para os cartazes, ‘Um Governo responsável’, diz muito aos portugueses. Nos fogos florestais, na gestão da situação pandémica e num conjunto enorme de problemas que o país viveu, o único ponto comum que o Governo tinha era de se tentar desresponsabilizar e culpabilizar outros.

Nesta legislatura, o PSD apoiou mais o PS do que os partidos de esquerda.

Nos momentos da verdade, o PSD teve uma atitude de sentido de Estado. Mas isso não é ser muleta. Isso é ter sentido de Estado. O PSD foi importante na pandemia, por exemplo, na forma como convergiu até para confortar e orientar o Governo que estava completamente desorientado. O mesmo aconteceu nos fogos florestais.

O PSD sustentar matérias centrais de interesse nacional e políticas que sejam estáveis é positivo. Mas também é preciso marcar a diferença e apresentar alternativas. Até às eleições de dia 30 há alguma expectativa, ainda aguardamos os programas eleitorais dos dois partidos. 

O PS após o Congresso acusou o PSD de se estar a aproximar muito da extrema direita.

O PS está a ver mal as coisas. Eles é que andaram demasiado tempo próximos da extrema esquerda e agora acham que existe uma grande distância. Nós estamos ao centro, eles é que andaram na extrema esquerda. Não é o PSD que está longe do PS, o PS é que está longe do centro, porque tem feito opções políticas de extrema esquerda.

O PSD ter recusado uma coligação com o CDS poderá dar esse sinal?

Compreendo a decisão do PSD ir a votos sozinho. Acho que o que se vai decidir nas próximas eleições é uma bipolarização entre o PSD e o PS. E daí haver um certo nervosismo instalado nos outros partidos.

Essa decisão deveu-se à situação interna do CDS?

Quem teve o gosto, como eu tive, de trabalhar com o CDS com figuras como Paulo Portas, Pedro Mota Soares, Nuno Melo e outros deputados – não querendo estar a individualizar – tem dificuldade em perceber o que é hoje o CDS. Respeito o CDS, é um partido que tem um valor histórico fundamental. É preocupante a imagem de dissolução ou desagregação que o CDS transmite.

Espero estar enganado, mas temo que possa haver aqui um processo muito negativo do ponto de vista eleitoral para o CDS. Julgo que foi essa a leitura da Comissão Política Nacional do PSD, que quis fazer um afastamento deste processo de desagregação que o partido está a viver e preservar o PSD com a sua própria identidade.

E poderá haver algum acordo com Chega, que tem crescido nas sondagens?

Quanto ao Chega é uma incógnita qual será o resultado efetivo. Temos como ponto de comparação as eleições presidenciais, em que houve uma pessoalização na figura de André Ventura que teve um resultado, apesar de tudo, bastante interessante para ele e para o Chega.

Se isso se transmite agora em escolhas eleitorais de deputados é uma incógnita. Acho que o PSD tem que ser capaz de vencer as eleições e o PS tem que decidir o que quer fazer: se quer, mais uma vez, ser um fator de perturbação da estabilidade nacional ou se quer contribuir para a estabilidade nacional apoiando um Governo de PSD, evitando que aconteça ao PSD aquilo que o PS fez como opção.

O PSD pode ser obrigado a fazer um acordo mais à direita. Mas o PS fez como opção um acordo mais à esquerda. 

Há uma aproximação cada vez maior das sondagens entre o PS e o PSD. Podemos assistir a um ‘um novo caso Moedas’?

A dinâmica das eleições internas no PSD atiçou Rui Rio e atiçou o partido no seu todo para este debate interno sobre um conjunto de ideias e também a convergência em matérias estratégicas para o país. O PSD mostrou-se mais à sociedade. Estava um bocadinho adormecido, tranquilo, no seu canto. Mostrou uma diferença fundamental face ao PS, que é ser um partido inconformado e que tem vontade de implementar políticas diferentes.

Agora, as pessoas estão na expectativa de ver o que Rui Rio vai apresentar como programa e o que vai acontecer na campanha. Se me pergunta o que espero do ponto de vista pessoal, espero que o PSD vença as eleições com maioria. Se me pergunta o que é expectável, acho que hoje um cidadão admite como perfeitamente natural que Rui Rio venha a ser primeiro-ministro. Acho que está tudo em aberto.

Se não ganhar já anunciou que sai da liderança do partido.

Preferia não falar nesses cenários, são cenários a discutir noutra altura se vierem a acontecer. 

Como disse Luís Montenegro, gostava que Rio fosse tão eficaz a derrotar Costa como foi nas diretas?

Todos temos maneiras diferentes de formular a mesma ideia. É importante que Rui Rio coloque as suas energias para ter uma vitória eleitoral com um programa que sirva o país. É isto que queremos, que sirva o país na linha das opções políticas comuns ao PSD, daquilo que é o seu ideário político.

Cada vez mais se fala na necessidade de um Bloco Central…

No fundo, trata-se de um programa nacional de convergência parlamentar. Não necessariamente um envolvimento na ação executiva diária, mas uma convergência parlamentar para viabilizar orçamentos, para fazer reformas fundamentais no Estado. Quando se faz reformas e é preciso maiorias alargadas, não se pode ter só uma visão.

Faz parte da democracia essa capacidade construtiva conjunta. Acho que esta será uma pedra de toque nas próximas eleições, que é uma bipolarização e a necessidade de o PS esclarecer o que é que fará no dia a seguir às eleições. Se não o fizer, o PS está a esconder um elemento fundamental para um processo eleitoral transparente para os cidadãos perceberem que escolhas é que estão a fazer e com que consequências.

O PS tem o dever de dizer aos portugueses o que fará no dia a seguir. Não pode continuar a esconder o jogo, porque isso é desleal democraticamente. 

Para haver uma escolha mais racional?

Mais leal para os eleitores. Para escolherem de acordo com uma transparência de posições políticas relativamente ao que acontecerá a seguir. Se assim não for, estamos a fazer uma escolha que não é leal. Os eleitores vão para um processo que não estão devidamente informados pelos principais agentes partidários que estão na disputa.

O que será muito determinante é o programa eleitoral dos dois partidos, a forma como vão traduzir estes programas eleitorais, as expectativas relativamente a cada um dos setores da nossa sociedade e particularmente a visão reformista que o PSD possa apresentar.

Os portugueses têm noção de que, nos últimos anos, têm vindo a perder qualidade de vida em relação aos serviços públicos, nomeadamente nos setores sociais, na Educação, na Saúde. Precisam de sentir que há uma inversão de caminho e sabem que isso só é possível com uma reforma aplicada a esses setores, que valorize os profissionais, que invista na modernização do setor do ponto de vista tecnológico para termos processos mais rápidos, menos morosos para ajudar a economia e para continuar a cativar investidores estrangeiros, porque precisamos deles. 

No PRR está prevista a digitalização, que um dos pilares base do programa.

Espero que seja um sucesso, mas temo que a morosidade e a forma complexa como está adaptado o plano à realidade portuguesa nos possa trazer dissabores. 

Se não estamos a deitar milhões à rua?

Será uma perda de oportunidade dramática para o país. Vejo o Governo pouco preocupado com a execução deste programa.

Que se agravou com dissolução do Parlamento?

É óbvio que não ajudou. Mas quem falhou foi a esquerda. Quem escolheu – após as eleições de 2015, em que os portugueses deram uma vitória à coligação PSD/CDS – não viabilizar o resultado eleitoral e encontrar uma alternativa de esquerda foi o PS e os partidos de esquerda que agora se desentenderam e lançaram o país num processo eleitoral que não era desejável nas vésperas de termos de aplicar planos estruturais para a nossa economia, como o PRR e os quadros comunitários.

Andamos em eleições quando devíamos andar concentrados em fazer isto. Quem é que fomentou isto? A maioria de esquerda que não foi capaz de aprovar o Orçamento. O PS e a esquerda é que têm de assumir a responsabilidade eleitoral disto.

E esse acordo entre PS e PSD seria para quatro anos ou corre o risco de ser só para dois?

Acho que aí já é mais difícil responder. Acho que existe uma obrigação mínima de viabilizar pelo menos por dois anos para fazer as tais reformas necessárias. 

Deste Congresso saíram também os novos vice-presidentes do PSD. É o caso de Ana Paula Martins, Bastonária da Ordem os farmacêuticos. Como vê estas nomeações? 

Conheço bem Ana Paula Martins, não numa perspetiva partidária. É uma pessoa com uma profunda intervenção cívica e profissional que tem tido sempre um papel bastante respeitado e admirado no setor da saúde. Acho que foi uma conquista e Rui Rio está de parabéns pela escolha que fez.

Mas…

Não há mas, mas é uma prova de fogo. Uma coisa é o ambiente em que se movimenta, outra coisa é a gestão dos processos políticos. Mas julgo que a experiência pública que tem, a capacidade que já revelou e a respeitabilidade que adquiriu entre os seus pares serão decisivos para que seja um contributo fundamental para o partido.

Por outro lado, assistiu-se à saída de Morais Sarmento… 

Morais Sarmento é uma figura incontornável do partido. Esteja onde estiver, o seu pensamento estratégico, a sua visão será sempre indispensável. Não quer dizer que estejamos sempre de acordo, muitas vezes estamos em desacordo. Mas reconheço que é alguém que tem uma forma de perspetivar a política bastante ponderada e com uma visão bastante clara.

Já foi vice-presidente do partido e uma das pessoas com maior peso no PSD, na altura de Pedro Passos Coelho. É opção sua estar agora mais afastado?

Fiz uma opção, em 2017. Na qualidade de porta voz do partido, membro do Governo e pessoa próxima de Passos Coelho quando este assumiu que não se recandidataria e se afastaria, entendi que deveria fazer o mesmo caminho e acompanhei-o nessa decisão. Acho que dar espaço aos outros é importante. Continuo atento e a observar o fenómeno político, sou um apaixonado pela vida política.

Neste momento, estou muito comprometido com a minha vida profissional: a advocacia. Quando se diz disse que os políticos não têm profissão, afinal alguns têm. Neste momento, é este o espaço de realização pessoal que encontrei. Mas estou bastante atento ao fenómeno político e muito preocupado com a situação e o futuro do nosso país. Tenho filhos pequenos, o meu filho mais novo tem sete anos e espero que ele possa ter um país…

E os últimos dois anos com pandemia, nem percebe bem o que se está a passar…

E isso leva-nos a um ponto importante. É que a pandemia agravou as diferenças sociais. Há muitas crianças que não tiveram acesso à Educação que deviam ter porque não tiveram os computadores que foram prometidos e que ainda continuam a faltar nas escolas, porque não tiveram uma resposta do Estado numa altura em que a esquerda dominava a governação e que era exigível para que não ficassem para trás. A Educação é o instrumento fundamental de elevação social, de rotura com os ciclos de pobreza.

É lamentável que a esquerda tenha levado este estado de esgotamento dos setores sociais do estado. A Educação, nestes últimos dois anos, preocupa-me. Os milhares de computadores que foram prometidos demoraram mais de um ano a chegar e em muitos sítios ainda não chegaram.

E as crianças vão estar novamente sem aulas? Não quero dizer com isto que não houve uma tentativa de resolver o problema. Não estou a castigar politicamente nem a censurar o Governo de forma injusta. Mas a verdade é que o Governo, sendo um Governo de esquerda e passando a vida a dizer que aposta nos setores sociais, a verdade é que falhou. 

Em relação a Pedro Passos Coelho. Dentro do PSD ainda há muitos que gostariam de ver o seu regresso. Sente o mesmo?

Neste momento estar a discutir isso quando estamos a caminho de umas eleições com um líder eleito pela terceira vez era uma maldade. Rui Rio está na liderança do partido, vai a eleições, espero que as possamos vencer com o melhor resultado possível e que tenha sucesso para governar e para inverter todas estas situações que falámos como sendo negativas para o país. Se me pergunta o que penso de Pedro Passos Coelho penso que o país teve nele um estadista.

Essa é uma classificação muito difícil de um político atingir. Não se pode desperdiçar políticos destes. O que irá fazer ou não, depende da sua vontade e devemos respeitar os amigos nas opções que fazem. 

Por ter sido o rosto da aplicação do programa da troika, a sua imagem não poderá estar penalizada junto dos portugueses?

Às vezes torna-se um bocado patético ver a forma como alguma esquerda usa a imagem dos governos, desvirtua os acontecimentos e mistifica os acontecimentos para fazer uma frente de esquerda contra os malvados. As pessoas sabem que o país estava falido, foi preciso recuperá-lo, foi preciso trazer o país novamente para estado de conforto. Em maio de 2014 saímos do programa da troika, passámos a conquistar o nosso próprio espaço de liberdade e muito do que foi distribuído durante estes anos de governação da esquerda só foi possível pelo trabalho feito de recuperação do país. E Passos Coelho foi o rosto desse trabalho. Será sempre objeto das maiores investidas por parte da esquerda, mas acho que os portugueses sabem diferenciar a politiquice da verdade.

E voltámos novamente a aumentar a despesa e a dívida pública.

O próprio governador do Banco de Portugal veio fazer um alerta. Tive muitas diferenças de opiniões sobre aquilo que foi enquanto ministro das finanças, mas como governador tem tido uma atitude muito sensata e tem sido uma pessoa com grande moderação a intervir. Isso cria incómodo no Governo.

Mário Centeno deve ser ouvido com atenção relativamente ao que se passa com a dívida pública e aos riscos, nunca deve ser entendido como um ralhete. Ele tem esta obrigação de chamar à atenção, de alertar, de fazer avisos que, de alguma forma, permitam uma reflexão da sociedade, dos agentes económicos e dos agentes políticos sobre as opções que têm que fazer para futuro.