“Antifascistas somos todos”

Não acredita que Portugal tenha obrigatoriamente de ser pobre e acha que o PCP vai acabar por morrer. Espera sentar cinco liberais na AR.

Vive em Gaia. Atravessou a ponte para vir falar com o Nascer do SOL. À margem do Douro, sentados no andar de cima do Pisca, o ideólogo e antigo presidente da Iniciativa Liberal demonstra uma genuinidade difícil de encontrar noutros políticos. É assim e «não quer mudar», razão pela qual quis deixar a presidência do partido a Cotrim de Figueiredo após as legislativas de 2019.

O lusco-fusco do céu, lá fora, não retirou qualquer iluminação à conversa. Guimarães Pinto fala das alterações climáticas com o conhecimento e preocupação de poucos, relembrando que a defesa da natureza, em Portugal, começou por ser uma bandeira conservadora. Vê no capitalismo a «única solução» para o problema.
Nunca acreditou que seria eleito nas anteriores legislativas, razão pela qual já tinha marcada uma viagem para dezembro. Acertou: o que não minimizou a enorme euforia que sentiu na eleição de Cotrim. Não dormiu durante dias – algo que nada teve a ver com o efeito de drogas de que foi acusado estar. Por acaso não estava, «mas até podia estar», porque é «um liberal».

Não levou gravata quando foi recebido por Marcelo em Belém. Hoje, prestes a entrar no Parlamento, admite que o ‘chá’ que opta por não tomar poderá ser um motivo para receber bullying das «elites de Lisboa». Algo para o qual se marimba – desde que não prejudique a sua missão: o liberalismo em Portugal. 

Que soluções tem a Iniciativa Liberal para melhorar a vida dos pobres? 
Se nós olharmos para aquilo que é a vida dos pobres em países como Portugal – mais socialistas – e em países nórdicos, da Europa Central ou de Leste, notamos que ser pobre nesses é países muito melhor do que aqui. Ser pobre na Irlanda é receber um salário mínimo de dois mil euros. Os pobres vivem melhor nos países liberais porque as políticas liberais, nomeadamente de competitividade fiscal e de aumento de produtividade, permitem que o país como um todo tenha mais capacidade não só para gerar oportunidades para todos – incluindo os mais pobres – como para aqueles que, apesar dessas oportunidades, caem nas redes da pobreza. Em Portugal, o RSI – 180 euros – não livra ninguém da pobreza. Noutros países isso é possível: é possível termos uma economia suficientemente forte para que as prestações sociais sejam suficientemente elevadas para permitir que isso não aconteça.

E a IL propõe que esses apoios sejam mais musculados?
É importante que a economia seja capaz de suportar esse tipo de apoios. É importante que haja uma rede de segurança que permita que nenhuma criança fique sem escola ou sem alimentação, que ninguém vá à falência por não ter cuidados de saúde ou que deixe de ter cuidados de saúde por não ter dinheiro. Aquilo que as políticas liberais permitem é, por um lado, ter uma capacidade de liberdade de escolha na educação e na saúde – que ajuda preferencialmente os pobres – e, por outro lado, ter uma economia suficientemente desenvolvida para que haja espaço orçamental para garantir que ninguém caia na pobreza.

Não considera que a meritocracia em que a IL acredita seja algo falaciosa? Como pode alguém vencer a sua condição de pobreza sem apoios do Estado ou da sociedade?
Depende daquilo que estamos aqui a tratar por meritocracia. É importante apagar esta ideia de que nós achamos que todas as pessoas atingem o que atingem por mérito. Isso não é verdade. Há muito mérito, mas também há sorte. Há circunstâncias, há um misto de coisas que contribui para o sucesso ou falta dele. Aquilo que um liberal tem que acreditar é que devem ser criadas condições para quem tenha esse mérito seja recompensado por ele. E que o mérito é algo essencial para o desenvolvimento do ser humano. É importantíssimo garantir que uma pessoa que tenha mérito e vontade de trabalhar consiga ter sucesso. Isso hoje não existe. Um dos impostos mais pesados que temos é o IRS. Normalmente falam dele como um imposto sobre os ricos. Mas não é necessariamente sobre os ricos: é sobre as pessoas que aspiram a ser ricas pelo seu mérito. Quem quer uma sociedade com mobilidade social não pode dizer que defende taxas muito altas de IRS ou grandes impostos sobre o trabalho. Para quem não herda, para quem não tem influência, a única forma que tem de subir na escada social é através do seu trabalho. E quando nós punimos o trabalho como punimos, não nos podemos dizer defensores da mobilidade social. Estamos, pelo contrário, a colocar-lhe obstáculos.

Ou seja, no seu entender, a carga fiscal que existe contribui para que os pobres se mantenham pobres
Posso dar o meu exemplo. Não era pobre, às vezes há essa coisa de dizerem isso. Pobres eram pessoas que viviam à minha volta. Quando fui para o Dubai tive que pedir um empréstimo para pagar a minha primeira renda lá. Fui sem grande dinheiro e voltei com umas poupanças interessantes. Mas só pude fazer esse percurso – que é um de mobilidade social, efetivamente hoje estou melhor do que estavam os meus pais – porque tive um regime fiscal que me permitiu reter boa parte do salário que recebia. Se tivesse ganhado aqui, nunca teria ganhado o mesmo em termos brutos. E mesmo se assim fosse, seria incapaz de, em termos líquidos, poupar aquilo que poupei. Pude ter mobilidade social por ter tido acesso à educação e à saúde – que continuo a defender –, mas também porque quando fui ganhar dinheiro pude conservá-lo. E isso não acontece em Portugal.

Acha que há dificuldade em passar essa mensagem aos portugueses?
Há. Há o preconceito de que só defende os pobres quem defende muitos subsídios. Nós defendemos, acima de tudo, oportunidades. Deve existir uma base abaixo da qual ninguém deve descer, mas deve ser permitida, ao mesmo tempo, que as pessoas que queiram crescer possam fazê-lo sem que o Estado seja um entrave a isso. Neste momento, o Estado é um dos grandes entraves à mobilidade social.

Considera que a sociedade portuguesa, em comparação com o resto do Ocidente, é uma que espera mais paternalismo do Estado em termos económicos?
Não. Passei grande parte da minha vida como consultor de empresas em vários países, quase todos em vias de desenvolvimento. Quem é consultor de empresas nesses países tem uma tarefa muito fácil: mostrar o que se faz na Alemanha e na Suécia. E a resposta que eu tinha sempre das empresas desses países era ‘eh pá, isso aqui não funciona, nós não somos assim. Isto aqui na Nigéria, na Tanzânia não é assim’. E funcionava. Claro que havia sempre adaptações, mas funcionava. Porque nós somos todos seres humanos: temos todos os mesmos instintos, os mesmos incentivos, somos feitos da mesma coisa. Portanto, se colocarmos os incentivos certos e as instituições certas, não é o ‘ah e tal o português não quer isto’. O mesmo português que aqui não tem as mesmas oportunidades ou que se comporta de forma de diferente, vai para Alemanha e torna-se muito produtivo. Porque o clima institucional é outro. A culpa não é dos portugueses, a culpa é das políticas que foram seguidas ao longo dos anos.

Acha que essa ideia de exportação de modelos económicos também pode ser feita com a democracia? 
Acho que pode funcionar em todo o lado. É uma questão de instituições.

Faz um paralelismo entre os dois?
É muito difícil, não sei. Acho que nunca tinha pensado nisso. Até porque houve alturas em que isso falhou em algumas culturas. As pessoas não tinham noção do período de transição que é necessário para isso acontecer. Vi isso em alguns países. Estive na Líbia no período pós-Kadhafi e antes da guerra civil havia uma enorme esperança de se tornarem num país ocidentalizado e democrático. Sentia-se muito mais na parte dos líbios que tinham estado fora do país e que estavam a regressar. Se nós olharmos para muitos países que viveram transformações imensas, essa questão do determinismo cultural cai por todo o lado. Olhemos para os países de leste: estiveram décadas sob o regime comunista e, de repente, alguns deles, tornaram-se exemplos de regimes economicamente liberais. É o mesmo país, são as mesmas pessoas é a mesma cultura. Portanto, não há nada de determinista que tenha dito ‘estes países têm que ser comunistas’. A Irlanda, até os anos 80, era um país culturalmente muito parecido com Portugal e de repente virou.

Max Weber defendia que os países católicos, devido à sua grande veia solidária, distribuíam mais a riqueza do que os países protestantes, que a acumulavam. Concorda com isto? Isto pode ser alterado?
Acho que pode haver alguns efeitos culturais. A literacia, nos países protestantes, parece ter tido algum efeito na forma como os países se desenvolverem e educaram as suas populações. Mas, mais uma vez, não é determinista. Um dos meus grandes hobbies é viajar. Quando se vai para muitos países – e falo em viver lá, não é visitar um fim de semana – em vez de se identificar as diferenças começa-se a ver o que é que é igual em todo lado.

E o que é igual em todo o lado?
São os instintos humanos. A vontade que as pessoas têm de singrar na vida, criar família. Toda a gente quer ter o respeito da sua comunidade. Toda a gente tem os mesmos desejos físicos e mentais. É igual em todo o lado. A cultura é uma parte das pessoas, mas os desejos mais íntimos, aquelas coisas mais que lideram a nossa ação, são todas iguais. E são esses incentivos que muitas vezes estão em causa quando se fala em política económica. Quando temos os incentivos e as instituições alinhadas qualquer país pode desenvolver-se economicamente. Temos o exemplo da Coreia do Norte e da Coreia do Sul. Uma com um tipo de instituições, outro com outro tipo e que se desenvolvem em sentidos completamente diferentes. Acredito que Portugal pode mudar precisamente porque não acredito nesses determinismos culturais. Não acredito que haja um determinismo qualquer que diga que Portugal tem de ser pobre.

Mas o que é que está a montante que tenha impedido que o liberalismo chegasse Portugal? Se calhar muitos anos de ditadura e autarcia?
Há um conjunto de razões que podemos interligar. Tivemos um regime fortemente iliberal que foi combatido por um conjunto de forças iliberais. A alternativa que apareceu imediatamente a seguir ao Estado Novo foi um regime iliberal, e herdamos um bocadinho dessa cultura iliberal. Vejo isso também na Europa de Leste. Algumas das forças que combateram o comunismo eram muito ligadas à extrema-direita ou à direita nacionalista, razão pela qual eles toleram demasiado bem a direita nacionalista. Nós aqui temos um bocadinho essa tolerância para com o comunismo pelo mesmo motivo. Eles merecem mérito por terem combatido o fascismo – e cada vez que falo com a Zita Seabra mais mérito dou a essa luta –, mas isso não quer dizer que a alternativa que traziam era positiva. 

Acha que a existência de um Partido Comunista ainda faz sentido, ou já é anacrónica?
Arrisco-me a dizer que grande parte dos comunistas de hoje não são verdadeiramente comunistas, são antifascistas. E ainda não perceberam que todos os outros partidos são antifascistas – tirando o Chega. Há um conjunto de pessoas que acha que para ser antifascista tem de ser comunista, o que não é verdade. Dou o exemplo fantástico de uma pessoa que admiro bastante: o Ricardo Araújo Pereira. Tenho a certeza absoluta que não é comunista, mas é um forte antifascista. 

Se calhar une-os mais aquilo a que se opõem do que aquilo que os move.
Exatamente. As pessoas vão-se apercebendo que o modelo de sociedade do PCP não é o modelo que elas querem, que é um modelo também ele totalitário, tal como o fascismo. Acho que aos poucos vão desaparecendo. É uma herança política que tenderá a morrer ao fim de algum tempo. Se calhar o João Ferreira vai conseguir ressuscitar aquilo e tornar o partido numa espécie de Bloco de Esquerda 2. Mas aquele PCP estalinista, que defende a Coreia do Norte, vai desaparecer. Até se pode manter como partido, mas vai ser outra coisa qualquer porque não faz qualquer sentido histórico.

Acha que há alguma intenção do Estado em aumentar a burocracia para o cidadão se sentir minimizado ao pé dele?
Acho que há, acima de tudo, uma questão de incentivos. Os legisladores têm incentivos a criar muitas leis. Aliás, isso vê-se muitas vezes no Parlamento. Os partidos dizem ‘apresentámos 500 leis, somos os mais produtivos desta Assembleia!’.

André Ventura…
Não é só o Ventura, fazem todos isso: apresentam a qualidade do seu trabalho pela quantidade de coisas – de lixo – que entregam. Acho que o grande recordista de spam legislativo até é o PAN, que coloca uma quantidade de coisas que não serve para nada, que é só para mostrar virtude. Depois, quando isso passa para quem aplica – que são os burocratas –, é um problema. Quando autorizam alguma coisa, eles podem ser responsabilizados se isso correr mal, mas se não autorizarem algo ninguém os responsabiliza porque aquilo nem sequer correu. Portanto, o incentivo do burocrata é ser o mais conservador possível: é só autorizar alguma coisa se todas as condições de todas as leis possíveis e imaginárias tiverem sido cumpridas.

Que solução apresenta a IL para o combate às alterações climáticas? Sabemos que o capitalismo selvagem e estas não se dão muito bem.
Isso não é necessariamente verdade. É um dos preconceitos que existe. Uma das falhas de mercado é exatamente as externalidades negativas que a produção pode causar. E isso acontece em qualquer regime. Aconteceu no capitalismo e aconteceu ainda mais no comunismo. Mas foi o capitalismo que criou o desenvolvimento económico que leva hoje as pessoas a terem espaço mental para pensarem nesses problemas. Nós vamos aos países menos desenvolvidos e não há consenso em relação a isso. Ao contrário do que se pensa, na Europa e nos EUA, a área florestal tem aumentado nos últimos 30 anos. No mundo como um todo tem diminuído porque diminui nos países mais pobres, onde essa consciência ambiental não existe. Por outro lado, as tecnologias de ponta que permitem que hoje cresçamos economicamente com menos impacto ambiental não foram desenvolvidas na Coreia do Norte ou em Cuba. Foram desenvolvidas democracias liberais que assumiram o capitalismo como a sua forma de estruturar a produção. 

Mas, por exemplo, no caso da Amazónia, condena o abuso da natureza por quem quer criar riqueza?
Obviamente. Discordo é que seja devido à aplicação de princípios liberais.

Ou seja, o conceito de capitalismo prevê a sustentabilidade?
Mas isso é o conceito de capitalismo. Nenhuma empresa tem incentivos para destruir o seu capital. As florestas são capital. Isso é abuso de recursos comuns.

Sente que, à direita, tirando a IL, há uma espécie de sonambulismo sobre este assunto? Porque é que só a Esquerda é que responde às alterações climáticas?
Isso tem sido um dos enormes erros do espaço político não socialista. Não ter tomado o ambiente como uma questão importante é um erro – moral, em primeiro lugar. Não podemos estar aqui a dizer que não podemos ter uma grande dívida pública porque isso vai colocar um enorme peso sobre as gerações futuras e ignorar a questão ambiental – que pode ser bastante mais grave. Um erro estratégico, também, porque cada vez mais as pessoas preocupam-se com esse tema e olham para o espaço não socialista e não veem muitas respostas. Noutros tempos não foi assim.

Gonçalo Ribeiro Telles…
Exatamente, começou por ser uma causa conservadora. As alternativas que têm aparecido à esquerda são absolutamente lunáticas. Os problemas ambientais dos tempos modernos só se vão resolver com soluções de mercado dentro do sistema capitalista. Só o capitalismo é que pode resolver as alterações climáticas.

Muitos liberais gostam de Pedro Passos Coelho. Pensa que a IL poderá vir a sofrer um dia que alguém com o seu perfil – ou mesmo ele – tome o PSD?
A IL tem que ter um crescimento que seja independente da forma como estão os outros partidos. Hoje poderia sofrer com isso, mas deve crescer num sentido em que tenha a sua própria identidade e que vá muito para além daquilo que são essas forças políticas. No dia em que a IL for suficientemente resistente a essas mudanças noutra força política é o dia em que será completamente madura. E isso acontece noutros países, mas não é fácil. Olhamos para Espanha e apercebemo-nos disso. O Ciudadanos cometeu o erro brutal de se apresentar como uma espécie de substituto do PP e isso durou enquanto o PP estava em crise. Quando deixou de estar, o Ciudadanos implodiu. Não nego que parte do crescimento da IL se deva ao facto de ter havido uma mudança dentro do PSD, mas isso pode ser um impulso inicial, não pode é ser a razão de ser da IL. A IL tem de ser um partido liberal, com uma identidade fortemente liberal, que vá muito para além daquilo que é uma ala liberal do PSD ou do CDS. Acho que hoje já não é isso (e quando nasceu não era isso). 

Acha que era inevitável o chumbo do Orçamento do Estado?
Não. Se o PS quisesse que o Orçamento passasse tê-lo-ia feito passar. Só há eleições porque PS quer que haja eleições. Não tenho qualquer dúvida sobre isso.

Então Costa mente quando diz o contrário?
Costa mente muitas vezes. É evidente que foi uma jogada política. Costa sempre foi bastante habilidoso e capaz de se manter no poder se quisesse. E manteve-se durante muito tempo a fazer cedências muito maiores do que aquelas que lhe exigiam fazer.

E Marcelo, queria estas eleições?
Tenho dúvidas. Marcelo gosta acima de tudo de estabilidade e não é certo que resulte estabilidades destas eleições. Não me parece uma pessoa muito ideológica: se calhar preferia ter um Governo estável entre o PCP e o BE do que um Governo instável que até governasse melhor. Tem essa obsessão pela estabilidade e, de facto, havia alguma estabilidade antes. Prefiro um bom Governo instável à estabilidade dos cemitérios. O pior que podemos ter é um mau Governo estável, porque temos uma estabilidade negativa. Prefiro ter uma instabilidade em que se possa de vez em quando ter boas políticas. Mas há aqui outra hipótese: que é Costa estar interessado em passar a pasta a Pedro Nuno Santos. Não me chocaria que, havendo uma maioria de esquerda e Costa dizendo-se incompatível com esta porque não conseguia fazer orçamentos, aparecesse um sucessor que conseguisse – que é Pedro Nuno Santos.

Acha possível um Governo do PSD com o Chega? Rio rejeita, mas já sabemos como funciona a política. 
Sim. Isso pode mudar. Acho que é bastante possível e cada vez mais possível que Rio, depois do dia 30 de janeiro, tenha de fazer uma escolha com quem governar: socialistas, racistas ou reformistas (os liberais). É possível que Rio tenha um resultado que o coloque próximo da maioria absoluta e que depois tenha que escolher alguém para complementar. Quero acreditar que se tiver essas três escolhas não vai escolher o racismo: haverá mais vontade de ir para ala reformista.

A IL terá um número suficiente para conseguir dar essa maioria ao PSD?
Acho que já esteve mais longe de ser possível. Não digo com toda a certeza que isso vá acontecer, mas acho que já foi mais improvável o PSD e a IL terem mais de 115 deputados.

E das suas palavras depreendo que a IL jamais aceitará estar num Governo com o Chega…
Sim, isso já foi respondido várias vezes. É muito claro.

Irrevogável mesmo?
Essa expressão é terrível [risos]. Mas acho que se se voltasse atrás nessa promessa eu seria o primeiro a sair do Parlamento. Não acredito de todo que o João [Cotrim de Figueiredo] faça isso.

O que pensa que será do CDS nestas eleições?
Francisco Rodrigues dos Santos tem um trabalho muito complicado. Ele acusou – e, de certa forma, bem – a anterior direção de ter diminuído o partido. Não acho que tenha sido a anterior direção a reduzir o partido à dimensão que teve nesta legislatura: acho que se o partido se tivesse candidatado de forma independente em 2015 teria tido exatamente o mesmo resultado que em 2019. O CDS destruiu-se quando esteve no Governo e assumiu certas posições – a começar pelo ‘irrevogável’. Só que a direção que sucedeu a Paulo Portas era ‘portista’ [apoiante de Paulo Portas] e não pode dizer isso. Francisco Rodrigues dos Santos está numa posição em que, como os acusa de terem reduzido o CDS, ele próprio, se tiver abaixo daquilo que o CDS teve em 2019, só tem uma solução: que é demitir-se. O CDS corre o risco de desaparecer do Parlamento – impovável, mas existe o risco – mas não acho que o CDS corra o risco de desaparecer. Mesmo saindo do Parlamento na próxima legislatura, tem hipóteses de continuar a existir para além disso e de voltar ao Parlamento numas eleições futuras. Como analista externo, acho que o pior que podia acontecer ao CDS era ter um deputado único. Era melhor não ter nenhum do que ter um único.

Porquê?
Porque, tendo apenas uma pessoa no Parlamento, tornar-seia-num partido unipessoal.

A IL é um partido unipessoal?
Não, o caminho é distinto. O CDS vem de ter um grupo parlamentar e, de repente, passar a ter só uma pessoa – que se calhar é uma pessoa que abraça esse unipessoalismo. O caso da IL é diferente: temos ali uma pessoa que não o abraça. Nós temos cartazes, mas não vemos a cara do João por todos os lados, nunca foi esse o objetivo. 

Acha que Rodrigues dos Santos teve medo de ir a eleições internas?
Não tenho dúvidas sobre isso. Teve medo de as perder, claro. 

Diz-se que dos resultados da IL em 2019 surgiu uma espécie de divergência entre si e João Cotrim de Figueiredo.
Não, de todo. Daquele resultado não saiu nada porque aquele resultado foi o objetivo de todos. Ao contrário do que as pessoas pensam, nunca houve uma grande expectativa de eleger pelo Porto. Eu tinha uma viagem marcada para dezembro. Nunca pensei que um partido, nas condições em que nós estávamos naquela altura, conseguisse eleger dois deputados. Nós lutámos muito para eleger um deputado e eventualmente eleger outro. Portanto, aquele resultado foi a nossa medida de sucesso. Não podia resultar nenhuma divergência daí, porque aquilo foi o resultado que nós queríamos. Foi notório na noite eleitoral que eu estava particularmente entusiasmado [risos]. 

Surgiram muitos boatos [que Carlos estava drogado]… Há pessoas que pedem uma resposta direta.
Obviamente que não estava de nenhuma forma drogado [risos]. Há uma explicação lógica para aquela expressão [em que os olhos olhavam insistentemente para um lado diferente do que a sua cara estava virada]. O sítio onde celebrámos não estava muito preparado para nos receber. Não pudemos ter pessoas à frente das câmaras, tivemos que ir para o lado esquerdo. E pusemos os ecrãs do lado direito. A certa altura, estava virado para as pessoas, mas a olhar para os ecrãs para ver quando é que entrávamos em direto. E depois apareceu aquele ar. Podia ter tomado as drogas que quisesse: sou liberal, não há nenhum problema com isso. Noutra noite tomaria, não naquela.

Isso divertiu-o na altura?
Divertiu-me imenso. A minha mãe é que não gostou muito porque depois viu os memes todos a circular. Muitas pessoas conheceram-me através daquilo. A primeira imagem que viram minha foi aquela. Mas isso é divertido, faz parte das coisas engraçadas. Há muitas coisas muito piores na política. Aquela noite foi de uma felicidade tão grande que tudo isso foram coisas muito pequeninas. Nos dias a seguir nem conseguia dormir. Foi um feito tremendo. Nunca tinha havido nenhum partido que tivesse elegido nas suas primeiras eleições sem ter um daqueles rostos conhecidos.
Mas então rejeita o boato de que se zangou com Cotrim depois das eleições, tendo-se isolado?
Não houve qualquer zanga. Disse ao João que ia sair dois dias depois das eleições. Que achava melhor agora termos outra cara e que era importante que fosse ele. Ele na altura rejeitou essa possibilidade, preferia que tivesse ficado eu como como presidente. A nossa única divergência nessa altura foi essa. Eu achava importante que a cara do partido estivesse no Parlamento. 

Sai para as pessoas poderem associar a cara que está no Parlamento à do presidente do partido?
Achava que isso era importante. E achava, acima de tudo, que para a fase seguinte de vida do partido – que é esta – era importante ter um perfil diferente. Aquele perfil de irreverência foi importante para a eleição, mas, estando no Parlamento, o perfil teria que ser algo diferente. E o João tem muito mais esse perfil. Comunica melhor, tem uma imagem melhor. As pessoas que votaram na IL não votaram no meu rosto, votaram ideias liberais. E agora, com um rosto a aparecer todos os dias na televisão, iam votar nesse rosto: e era importante que fosse um rosto com que as pessoas se sentissem confortáveis. Não sou um rosto político. Não sou aquilo que as pessoas esperam de um político: alguém que cuida imagem, que seja eloquente, que tenha um conjunto de cuidados, que seja diplomático. Coisas que não sou nem quero ser. 

Mas se calhar hoje valoriza-se mais essa genuinidade do que o político com o ‘chá’ todo.
Não acho. E depois há outro conjunto de características: é importante estar próximo daquilo que é a elite da comunicação social, dos outros políticos. Ter um perfil mais próximo deles que eu não tenho. Tive algumas dificuldades por causa disso. Sempre achei que esta elite, que forma opinião, nunca teve grande opinião sobre mim. Se tivesse ficado eu teria sido mais fácil de destruir a imagem do que no caso do João, que é uma pessoa que corresponde muito mais ao perfil das elites que formam opinião. Temos o exemplo de Cavaco e de Sócrates. Sócrates é o típico da elite lisboeta, que eles gostam. Teve uma governação bastante pior do que o Cavaco – algo que mesmo um socialista admitirá. Mas o Cavaco é muito mais odiado por essa elite. Não pelo povo, mas por essa elite, mesmo entre pessoas de centro-direita. Porquê? Porque é muito mais distante daquilo que eles esperam ter.

O MEC e Paulo Portas, no Independente, minimizavam muito Cavaco por ele vir de Boliqueime. Vindo o Carlos de Espinho e talvez não preenchendo esse pedigree, sente que poderá ser vítima de bullying da Comunicação Social?
Se entrar no Parlamento o futuro vai responder a essa questão. Acho que pode ir muito nessa direção. Nós temos um país muito centralista, onde grande parte das pessoas que formam opinião e que estão em torno do poder têm uma imagem dos políticos à sua própria imagem. Eu não correspondo essa imagem. O João está mais próximo disso. Quando foi escolhido para cabeça de lista de Lisboa, em 2019, também foi em parte por isso: precisávamos do contraponto àquilo que eu era. Todos os líderes partidários têm um perfil muito parecido: nós olhamos para a própria evolução de Catarina Martins, da Inês Sousa Real, e parece que convergem para o mesmo perfil: a certa altura lisboetizam-se. Eu não quero isso. Não quero abdicar de ser eu por causa da política.

Revoltá-lo-ia se entrasse no Parlamento e a Comunicação Social apertasse um bocadinho consigo por não ter o tal perfil? Ou estar-se-ia a ‘marimbar’?
Se isso acontecer – e acho que em parte vai acontecer – desliga-se um bocadinho. Não me importa desde que não prejudique aquilo que é a minha missão aqui, que é vender estas ideias. É algo que poderia ter acontecido se eu tivesse continuado como presidente do partido. Se fosse presidente do partido e me atingissem pelo meu perfil, acabariam por também atingir a divulgação das ideias.

Disse que gostou muito dos memes que circularam seus. Acha que falta leveza à política em Portugal?
Antes de 2019 faltava. Faltava comunicar de outra forma e mais para a juventude. A juventude estava muito afastada da política e faltava essa leveza. Os políticos levam-se demasiado a sério. Fui muito criticado por ir ao Palácio de Belém sem gravata na altura. Porquê? Se Marcelo recebe os influencers que vão lá de fato de treino porque é que eu hei de ter de ir de gravata? Hoje, acho que a IL teve essa influência positiva.

Falou-me da felicidade enorme que foi a noite de legislativas em 2019. Que resultado teria a IL que ter em 2022 para voltar a repetir essa felicidade?
É muito difícil haver um resultado que equivalha ao de 2019. Aquilo foi o passar de um patamar que para a maior parte dos partidos é impossível de passar. A maior parte tenta e não consegue. Hoje, ficaríamos muito alegres se a IL tivesse 5%. Mas essa alegria não seria igual à do 1,3%. Obviamente que se tivéssemos 20% se calhar festejaria tanto como aqueles 1,3%. Mas é diferente. É como pedir ao Gil Vicente para comparar a alegria sentida de passar da segunda liga para a primeira com a de ficar em oitavo e não em décimo na primeira Liga. Nada se compara àquela noite: subimos de divisão. E é muito difícil arranjar um objetivo claro agora. Vai haver um: um dia ser o partido maioritário no país. Nesse dia haverá uma festa maior do que 1,3%.

E acredita nisso?
Aconteceu em vários países europeus. Não sei se vai acontecer daqui a 15 anos, ou 20, ou 30, mas sei que vai acontecer. 

O que é um bom resultado para a IL? Quantos deputados?
O esperado diria que são 5 deputados. O que seria um enorme motivo de festejo seria ter oito, nove. O que seria um extraordinário do resultado seria sermos o terceiro partido mais votado no distrito do Porto. Acho que isso não está fora do nosso alcance. Mas se acabarmos, no dia 30, com um grupo parlamentar de quatro ou cinco pessoas, acho que se pode dizer que tivemos sucesso nos últimos dois anos.