Cristóvão Norte: “O maior orgulho da minha vida foi ser deputado”

Mantém-se fiel à Assembleia da República até ao último dia, tendo aproveitado para fazer um balanço. Diz que se orgulha muito da lei do Mar, bem como da dos maus-tratos a animais. Aos 45 anos, regressa à sua terra natal, Faro, onde é presidente da Assembleia Municipal.

Por Sónia Peres Pinto e Vítor Rainho

Ao fim de onze anos prepara-se para deixar de ser deputado, cargo que muito o orgulhou. Recebeu-nos na AR, onde estavam muito poucos parlamentares e falou de tudo. Da vida, do seu amor por cães, embora ache estranho a humanização dos animais que alguns querem impor, e do futuro. Sobre uma possível candidatura à liderança do PSD deixou a dúvida no ar. «Não está nas minhas cogitações candidatar-me a líder, mas nunca se sabe». Defendeu, já no final da entrevista, que o PSD deve sugerir os nomes de Durão Barroso e Pedro Passos Coelho para o Conselho de Estado.

Foi eleito presidente da Assembleia Municipal de Faro, da comissão política distrital do Algarve com 90% dos votos, mas não entrou nas listas do PSD. O que lhe ocorre dizer?

A minha circunstância pessoal não é o mais relevante na avaliação que fiz a respeito da forma como as listas no PSD foram construídas. Esse é um dossiê encerrado, não faz sentido fazer a autópsia desse processo, outros sim para que o PSD se possa reposicionar, ter um novo papel na sociedade portuguesa, refletir sobre as causas conjunturais e estruturais que conduzem à estagnação eleitoral do PSD e à hegemonia do PS. Mas direi o que já tinha dito: o PSD não ganha quando exclui, quando se diminui, quando se refere à tese de que deve ser rigorosamente ao centro, à direita, onde quer que seja no espetro político, quando esse ponto geométrico não tem conteúdo útil e não é capaz de suscitar confiança e esperança nos portugueses. Já antes da constituição das listas se distinguia alguma vontade da direção política nacional do PSD em não ser tão plural como a história do partido sempre convidou. O PSD é formado por diversas correntes: sociais-democratas, conservadores, liberais e até pessoas de formação mais pragmática, em que o caráter ideológico é menos expressivo, mas sempre foi capaz de oferecer uma alternativa no campo político não socialista porque era uma família ampla, plural, não distinguia os seus afiliados e esse corte com essa tradição do PSD foi, entre outras circunstâncias – algumas delas de natureza estrutural que o PSD deve refletir –, a causa da recomposição do espaço político à direita. E que resultou muito da circunstância de o PSD não ter feito uma oposição liderante, afirmativa, uma oposição de desgaste do Governo sim, mas também uma oposição de propositora, nem de ter capacidade depois de bradar que o PS governava amarrado à esquerda – e de não ter existido na história política portuguesa fora os primeiros anos, um Governo tão à esquerda e tão capturado pela esquerda como aquele que tem sido liderado por António Costa – nem assim o PSD foi capaz de apresentar um programa suficientemente distintivo.

Em termos pessoais diz que não quer fazer uma autópsia mas sentiu que não fez um bom trabalho nesta legislatura para não ter sido convidado?

Não quero ser juiz em causa própria, o trabalho que fiz na Assembleia da República durante 10 anos foi sempre um trabalho de proximidade. Mas não verifiquei que na construção das listas a competência prevalecesse sobre a fidelidade ao líder do partido.

Foi uma espécie de castigo?

Chamem como entenderem. Foi uma orientação que foi firmada e reconhecida por todos. Mas além dessa circunstância pessoal que é o que está no âmbar dessa orientação teria sido preferível que os deputados que foram excluídos o tivessem sido pela sua incompetência, em vez de terem sido excluídos por não serem fiéis ao líder e por terem tomado uma posição numa disputa interna, legitima.

Por ter dado apoio a Paulo Rangel…

Não conheço outra razão, mas se foi essa razão como parece ter sido, então foi errada quando foi tomada. É errada hoje e será errada no futuro, independentemente de quem são os destinatários dela mesma. Neste caso fui eu e outros, noutros casos foram outras pessoas. 

Vou dizer duas frases que disse recentemente, ainda antes das eleições de 30 de janeiro: ‘O PSD perdeu uma oportunidade de unir e vencer’ e o ‘Estado despreza os melhores’. Acha que o seu partido também despreza os melhores?

O que disse à época mantenho hoje. 

Acha que o PSD corre o risco de deixar de ser a segunda força política portuguesa?

A questão é mais delicada. O nosso sistema está construído com dois partidos que têm maior expressão: à esquerda o PS, à direita o PSD. O que se corre o risco, independentemente do que venha a ser o futuro do PSD, é se o PSD perder a hegemonia do espaço do campo político não socialista está a garantir a perpetuação do PS no poder. Até por força do método de Hondt se houver um partido hegemónico à esquerda e se houver uma pulverização eleitoral à direita isso significará inevitavelmente que nenhum Governo pode ser construído, pode deixar de ser liderado pelo PS ou em alternativa não sendo liderado pelo PS, ser condicionado sempre pelo PS. E essa é a tragédia do regime porque o PS não é e cada vez é menos, um partido inconformado. É um partido imobilista, exprime o situacionismo da sociedade portuguesa. Não tem capacidade de se reinventar. 

Isso são palavras, mas atitudes que se notem essa posição do PS?

Por exemplo, quando rejeitamos reformar o Serviço Nacional de Saúde, quando se tomam decisões de eliminar parcerias público-privadas, que tiveram uma avaliação positiva do Tribunal de Contas, que têm alta satisfação por parte dos utentes, que geraram eficiência e eficácia.

Como é o caso de Loures.

De Loures, de Braga. Isso é conhecido e é público. São factos. O Tribunal de Contas sublinhou que, quer do ponto de vista da qualidade dos cuidados médicos, quer do ponto de vista da eficiência poupava dinheiro ao Estado, por um lado, e prestavam um bom serviço aos cidadãos, por outro. Um hospital público de gestão privada. O recuo que estamos a fazer por razões estritamente ideológicas, seja no caso da Saúde, seja no caso da Educação, em que a lógica não é de ambição, mas de facilitismo, como vimos ao longo dos últimos anos com o desmoronar da lógica dos exames, por exemplo. Tudo isto traduz uma estagnação cultural, política, económica e social da sociedade portuguesa, para a qual caminha a passos largos para a cauda da Europa, sem isso que seja capaz de produzir um sobressalto dos cidadãos para procurar respostas para vencer esta estagnação. O país está cada vez mais envelhecido, o PS domina franjas significativas do eleitorado, o envelhecimento da sociedade também conduz a isso e essa é a magna questão para termos a capacidade de reformar o país. E reformar não é mais nem menos do que a vontade de mudar o país, cada vez menos parece ostentar essa vontade e aquilo que o PSD tem de refletir é como se cria, perante estas transformações sociológicas de monta, uma nova coligação política e social que não sirva apenas para ganhar as eleições, mas ofereça também as condições para um dia, vencendo as eleições ser capaz de encontrar uma solução de transformação da sociedade portuguesa. 

As coligações naturais do PSD são com o CDS e este praticamente desapareceu ou, pelo menos, deixou de ter representação parlamentar. Seria com o Chega ou Iniciativa Liberal?

Primeiro acho que o PSD tem de fazer o seu caminho e recuperar o seu espaço. Se o PSD for uma força liderante creio que muitas dessas questões serão afastadas. Mas se quer saber se entendo que o PSD é conciliável com o Chega? Respondo de forma categórica: do ponto de vista dos princípios, o PSD neste momento é irreconciliável com o Chega. 

Mas aplica-se nos Açores…

Isso foi um dos erros que foram feitos porque criou essa ideia de ambiguidade. E foi uma ideia perniciosa na afirmação eleitoral do PSD, mas acho que há problemas mais profundos do que esse. O PSD não tratou de ser o líder da oposição. Houve muitos cidadãos que foram votar Iniciativa Liberal e Chega porque não encontraram no PSD nem uma oposição forte e mais vocal – ainda que responsável e construtiva e foram votar no Chega – e outros uma oposição mais estruturada, liderando nas matérias, como aconteceu, por exemplo, com o Iniciativa Liberal. A conjugação destes factos conduziu a que o PSD, depois de seis anos de governação do PS, não tenha conseguido ser a alternativa.

Voltando um pouco atrás. Por que acha que mais de dois milhões de portugueses se revêm no PS tendo em conta o que disse?

Portugal não é um país rico. Quando se trata de franjas de população que são muito vulneráveis, que estão em larga medida numa idade mais avançada, o voto aí é por natureza mais fixo e quando isso se verifica nestes termos, e o PS tem tido uma política de distribuição do dinheiro público para canalizar para esses objetivos, acho que isso coloca dificuldades ao PSD. Agora o problema do PSD foi mais amplo do que esse. É verdade que nessas populações mais idosas, o PS teve uma vantagem significativa, mas o PSD que, por norma, liderava com grande destaque naqueles setores mais dinâmicos da sociedade portuguesa – nos mais jovens, com ambição, que querem romper com este estado de estagnação do país e encontrar um futuro para os seus projetos de vida – verificamos que essa expressão arrebatadora que o PSD costumava ter nessas franjas eleitorais, desta vez, mingou. 

Falou na Saúde e Educação. No caso da Saúde, o problema do SNS não está apenas nas parcerias público-privadas. E em relação ao ensino o facilitismo. Não acha que há outros modelos como o finlandês que contrariam, um pouco, a nossa tradição dos exames?

Em relação à Saúde o que disse há pouco que aquilo que não se distingue no PS é a vontade de reformar e isso significa que tudo o que simboliza mudança tem à partida reserva de princípio por parte do PS. Temos um SNS que, não obstante de prestar serviços meritórios, veda o acesso às pessoas. Quando uma pessoa que não tem meios se inscreve numa consulta e é convocada dois ou três anos depois para situações urgentes que reclamam tratamento imediato ou próximo disso, quando para cirurgias marcadas que demoram seis meses ou um ano, isso deve obrigar a que o Estado faça essa reflexão sobre de que forma é possível melhorar as questões de acesso e garantir aos cidadãos que o mandamento constitucional do acesso à saúde seja observado. O que ouvimos é que o SNS é um pilar, mas o que é que fazemos para o melhorar? O que fazemos para impedir que quatro milhões de portugueses tenham recorrido a seguros? Recorrem a seguros porque o SNS não lhes dá resposta, porque em muitos casos não há responsabilização, não há mérito e há cada vez mais uma hemorragia. Uma hemorragia por três razões principais: em relação aos mais jovens, que são reclamados a ir para outros países e isso é um problema transversal que o país atravessa. O nosso desafio em termos de recursos humanos hoje é da falta de perspetivas, enquanto há 30 anos a disputa era por capital hoje a disputa é por cérebros. Estas perdas que o país está a sofrer com a formação que produz, com bom nível mas depois vê os melhores a emigrarem são demolidoras para a perspetiva de afirmação do país. E isso é um problema tremendo e, por exemplo, de termos salários baixos na função pública, de não haver perspetivas de carreira ou não haver condições de trabalho que ofereçam essas perspetivas de evolução é péssimo. E o que verifico é que o Governo não é capaz sequer de fazer um diagnóstico sobre essas insuficiências. Se olharmos para o que PS apresenta para o SNS não me recordo. O que o Partido Socialista sabe é que não cumpriu aquilo que dizia a respeito dos médicos de família, acabou com as PPP, não consegue encontrar uma solução para fixar médicos, não apenas no serviço público, mas para fixá-los em função de regiões que tradicionalmente têm menos oferta de médicos e, por via disso, piora-se o acesso à saúde. Ou seja, não se encontra, uma vez mais, qualquer ímpeto de natureza reformista que vise promover alterações que motivem ganhos de causa e de satisfação dos utentes e melhoria dos cuidados de saúde.

Em relação à Educação. Se os nossos cérebros estão a ser contratados para o exterior então afinal a nossa formação não será assim tão má.

Não digo que a nossa Educação seja assim tão má. Creio que a nossa Educação devia ser mais exigente e, por vezes, dá sinais que são muito indesejáveis. Agora se pergunta se progredimos substancialmente? De facto progredimos. Hoje temos as pessoas a estudar até ao 12.º ano, criámos um conjunto de universidades, designadamente nos anos 80 e 90, que abriram perspetivas de vida e melhoraram brutalmente o índice de formação dos nossos jovens. Mas, por exemplo, no decurso da pandemia as escolas públicas ainda não tinham os computadores em funcionamento e, na altura, disse-se que os privados não podiam dar aulas porque representava uma diferença de oportunidades. Acho que, muitas vezes, o país em vez de se querer nivelar por cima nivela-se por baixo. E isso também é uma questão de atitude. E essa questão de atitude é muito mais difícil transformar numa sociedade progressivamente mais envelhecida porque é mais adversa à transformação e é mais conformista por natureza. E esse conjunto de coisas, numa sociedade com a pirâmide demográfica que Portugal está a criar, conduzem a uma mera gestão de declínio é com essa mera gestão de declínio que o país tem de romper. 

Tinha pedido que Rui Rio marcasse um congresso extraordinário antes das diretas. Como vê esta embrulhada de Rui Rio a adiar a saída? 

Não queria que Rui Rio marcasse, queria que o Conselho Nacional marcasse. A minha proposta no Conselho Nacional foi derrotada e foi por duas razões: muitos entendem que não aconteceu nada de grave, nem está a acontecer nada de grave no PSD e estes coligaram-se com aqueles que acham que está a acontecer alguma coisa de grave no partido, mas acham que uma mera mudança do líder resolve tudo. Como já tive oportunidade de dizer entendo que o problema do PSD não se resolve exclusivamente com a mera mudança de líder. O problema é mais profundo e isso exige que o PSD seja capaz de refletir. O PSD hoje não está a atrair os melhores da sociedade portuguesa e ao não atrair caminha, se nada vier a ser feito, para ser um partido mais feio e mais desinteressante. O papel do PSD na sociedade portuguesa é de tal forma importante que devemos fazer todos os esforços para reerguer essa grande instituição. 

Acha que uma pessoa que olhe para o que se está a passar no PSD vai algum dia votar no partido? Rui Rio quer condicionar o futuro do PSD?

Espero que não, acho é que o impasse é indesejável para o PSD. Se Rui Rio quer sair como afirmou e se deseja convocar as eleições já o poderia ter feito e não o fez. Com a sua postura alimenta equívocos em relação à matéria que são completamente desnecessários e condicionam estes tempos mais próximos do PSD. Não tenho nada a opor em relação ao calendário que Rui Rio apresentou, acho perfeitamente que a transição pode estar concluída em junho. Isto não é minimamente prejudicial, mas também acho que esse tempo devia ser aproveitado de forma inteligente e útil. Tudo fica mais claro se Rui Rio anunciar um calendário. 

Admitiu que o próximo líder irá ter um longo e penoso inverno e que irá enfrentar um conjunto de obstáculos. 

Acho que o menor dos problemas neste momento no PSD são as disputas internas. Acho que este é o momento para aqueles que sintam vontade e entendam que tenham capacidade para serem líderes do PSD o façam. Está-se a abrir um ciclo novo, o partido precisa de novos protagonistas e, isso do meu ponto de vista deveria conduzir a que quem entender que tem essas condições apresentasse as suas soluções para o partido para os próximos dois anos.

Admite candidatar-se?

Nunca se sabe, mas não está nas minhas cogitações.

Mas nunca se sabe nos tempos mais próximos?

Ser um líder de um partido, como o PSD, não é para qualquer pessoa. Quando digo isto acho que isso exige ponderação, uma decisão, um reconhecimento de qualidades políticas e de liderança de cada um que, até este momento, entendi ter. 

E o que poderá levar a entender que tem?

Quando se diz que nunca se sabe é porque nunca sabemos o que a vida nos oferecerá, mas não está nas minhas cogitações e creio que provavelmente estará em outros.

Destes anos todos enquanto deputado o que acha que deu ao país e à sua região do Algarve?

Creio que prestigiei a democracia.

Como?

É uma atitude. Prestigiei a democracia com a minha atividade, com o meu esforço, com o meu empenho, com o meu sentido de serviço público.

Onde e em quê?

Em muitas coisas. Por exemplo, com a coisa que acho que é a mais importante que se fez na Assembleia da República ao longo dos últimos anos e que não tem expressão pública rigorosamente nenhuma que é a lei do Mar, de 2015. Foi construída ainda no tempo do Governo do PSD e tive o privilegio de conduzir as negociações no Parlamento, que terminou com uma aprovação do PSD e do PS que acho que é a maior janela de oportunidade do país. 

O que essa medida mudou a vida das pessoas?

Abre-nos a possibilidade de aproveitarmos o mar português que é a maioria do nosso território por formas que antes estavam totalmente vetadas. Tudo o que está relacionado com a economia do mar e tudo o que irá processar na economia do mar, desde a exploração do subsolo marítimo às questões mais comuns da pesca, da aquacultura e de novos usos do mar, como a construção naval está ancorado nessa nova lei que é uma das leis mais modernas a nível europeu. Foi pioneira a nível europeu, não havia nenhuma lei de bases de gestão do ordenamento do espaço marítimo a nível europeu e mereceu uma justíssima referência do Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, no discurso do 25 de Abril. É verdade que não é uma matéria como aumentar o salário mínimo ou aumentar as pensões.

Em relação ao Algarve. Disse que se o PS ganhasse, o hospital Central do Algarve estava colocado em causa. O que tem feito nestes anos?

Fiz mais entre propostas de lei, projetos-lei, projetos de resolução, intervenções e interpelações aos ministros e aos secretários de Estado sobre o hospital e sobre a saúde no Algarve mais de 200. Se me pergunta se está lá o hospital? Não. Mas propus o hospital. E é isso que me posso responsabilizar. Não tive maioria para fazer vencimento dessa causa. 

No dia em que soube que não ia ser deputado à Assembleia da República não ficou triste?

Não. Fiquei triste porque foi o maior orgulho da minha vida ser deputado da Assembleia da República, mas não fiquei triste pelas causas que conduziram a que deixasse de ser deputado da Assembleia da República. Faria exatamente o que fiz se soubesse que o resultado seria este. Mas às vezes temos de manter as nossas convicções, ainda que elas nos conduzam a momentos de tristeza. Elas são mais importantes do que estar alegre sem convicção.

Se voltasse atrás e sabendo o desfecho que houve voltaria a dar apoio a Paulo Rangel em detrimento de Rui Rio?

Tudo o que fiz faria exatamente igual. Ainda que soubesse que isso significaria a minha a não continuidade na AR. 

Rui Rio foi dos que esteve mais tempo na oposição. Ainda esta semana disse que esteve quatro anos e que tinha sido um recorde…

O tempo que passamos nos cargos deve ser conduzido para atingir os objetivos a que nos propomos. Infelizmente, o PSD nesta eleição não atingiu os objetivos a que se propôs. Temos seis anos de vigência do PS, estamos mais longe do poder e numa situação política pior do que aquela em que estávamos.

Houve a ilusão que poderíamos assistir ao que aconteceu nas autárquicas, como em Lisboa, com a vitória de Carlos Moedas?

Houve. Eu próprio tive essa ilusão. Olhávamos para as sondagens e víamos que afinal se calhar quem estava enganado era eu. 

Carlos Moedas foi eleito e supostamente os eleitores do PSD achavam que seria uma lufada de ar fresco. Quando o viu nomear 76 assessores e que vão custar à Câmara de Lisboa 4,7 milhões de euros, o que pensou?

Espero que Carlos Moedas seja uma lufada de ar fresco. O que se tem verificado ao longo dos anos em Lisboa e que teve início no consulado de António Costa, cujo objetivo era fazer da Câmara de Lisboa um instrumento para se guindar à liderança do PS e dominar o aparelho do Partido Socialista contou depois com a cumplicidade de todos os outros partidos. O que espero do presidente da Câmara Municipal de Lisboa é que tome as medidas para pôr cobre a isto. Sou presidente da Assembleia Municipal de Faro e não tenho nenhum assessor. O meu presidente de câmara tem direito a três assessores e tem os três. 

Mas tem direito a ter um assessor?

Se quiser pôr uma assessoria lá ponho. Vejo é que há assessores que nem pelouro têm e há grupos de assembleias municipais, independentemente do partido, que têm sete e dez assessores. Pergunto como é que isso é possível? 

Não teve a vontade de ligar a Carlos Moedas e perguntar como conseguiu nomear 76 assessores?

O que sei é que é uma situação que já existia na câmara de Lisboa e na Assembleia Municipal. O que espero, desejo e é nisso com que me identificarei, é que essa situação seja revista.

Disse antes das eleições que esperava que o Chega não tivesse uma expressão significativa. Não acha que são estas notícias, como a dos assessores, que levam as pessoas a votar nesse partido?

Também acho que deve haver assessores do Chega. São de todos os grupos da Assembleia Municipal. O escrúpulo com o dinheiro público é das coisas mais importantes para credibilizar os políticos. Quando há, e haverá sempre – isso é inevitável – formas que possam ser interpretadas ou constituir abusos, isso obviamente causa incompreensão, revolta e mina a confiança dos políticos. O que desejo, seja na Câmara de Lisboa, seja onde for, é que situações dessa natureza sejam revistas e seja posto cobro. 

Mas porque acha que o Chega teve este resultado?

A primeira coisa é porque o PSD não liderou a oposição durante dois anos. Essa foi uma das razões principais. Se o PSD tivesse sido um partido liderante na oposição e não confundisse responsabilidade com ausência, em muitas circunstâncias, provavelmente forças como o Chega não teriam a expressão eleitoral que tiveram. 

E acha que vai ser um epifenómeno e que vão desaparecer ao fim de quatro anos?

Não sei, os partidos mudam. Não decreto a morte, nem a sobrevivência de nenhum deles. 

Daí ter dito no congresso que ‘enquanto António Costa diz-se de esquerda, Rui Rio diz tudo menos de direita’?

A única coisa em que o PSD foi radical foi na afirmação em como é que se situava no espetro político. O PSD assinalou ‘somos radicalmente ao centro’, sem que esse centro significasse alguma ideia de reforma e de transformação do país. Quando alguém se reclama radicalmente ao centro causa alguma estupefação que se interrogue pelas razões, pelas quais não houve uma consolidação eleitoral no espaço que é reconhecido como sendo de centro de direita. Isso é uma discussão infértil para o PSD, o que o PSD precisa de discutir são soluções para a vida das empresas. Quando o PSD não foi capaz de discutir e de propor essas soluções para a vida das pessoas, o que temos é uma hegemonia do PS, o que é péssimo.

Nos debates discutiu-se a reforma do IRC e do IRS. A ideia de reduzir primeiro o IRC, como defendeu Rui Rio foi um tiro no pé?

Os programas não se constroem só para serem discutidos em duas semanas de campanha. Vão-se formando. As ideias dos eleitores, a sua afinidade, a sua complexidade, o seu sentido vai-se construindo durante o período em que se é oposição, ou em que se é Governo e depois consolida-se nas propostas. Se não se fizer o trabalho prévio dessa oposição afirmativa, construtiva para se compreender as grandes linhas que devem orientar uma força política é difícil esgotar-se numa qualquer fórmula, como foi o caso do PSD, em que se diz simplesmente quem não quer ter António Costa vote em nós. Creio que isso é paupérrimo do ponto de vista político. 

Quando fala da necessidade de reformas não acha que os portugueses estão escaldados com as reformas impostas pela troika durante o Governo do PSD/CDS?

Talvez estejam. Mas aí foi um erro que o PSD cometeu. Tenho a maior consideração por Pedro Passos Coelho, mas não me esqueço do dia em que tivemos a primeira reunião do grupo parlamentar. Pediu a todos os deputados que olhássemos com esperança para o futuro e que não imputássemos a responsabilidade ou que não insistíssemos na responsabilidade do PS naquelas circunstâncias. Na altura, talvez de forma romântica, deixei-me cativar por esse discurso, mas tenho de admitir que a política é mais pragmática que isso e se constrói com narrativas e desaforadamente o PS conseguiu, ainda que perdendo as eleições, construir uma narrativa de que o Governo do PSD, liderado por Pedro Passos Coelho, fez aquilo que fez, quase imbuído do espírito revanchista em relação aos portugueses.

Porquê?

Temos de empobrecer os portugueses, os portugueses viveram acima das suas possibilidades, emigrem, coisa que Pedro Passos Coelho nunca disse. 

Mas ficou associado a isso…

Exato, porque as narrativas constroem-se assim. António Costa disse exatamente uma frase em 2018 igual à de Passos Coelho, mas ninguém disse que Costa mandou emigrar e as pessoas continuam a emigrar. O que digo é que as narrativas são muito importantes na política e o PSD tem que ganhar não apenas os eleitores, mas as suas mentes e os seus espíritos. Tem que se travar o debate com as ideias e acho que o PSD tem-se tornado demasiado passivo nesse combate das ideias. Deixa as coisas andar, não reage e isso faz com que muitas das ideias sejam construídas, debatidas e refletidas no espaço político à esquerda e não no espaço que o PSD as deveria colocar. 

Apoiaria o regresso dele a líder do PSD?

Acho que isso é uma questão que neste momento não se coloca.

Mas se isso se colocasse?

Teria muita dificuldade em encontrar circunstâncias em que não o apoiasse. 

Está então disponível para apoiar Luís Montenegro?

Não vejo o que é uma coisa está relacionada com a outra.

Era uma das pessoas de confiança de Pedro Passos Coelho…

Mas nem sei quem são os candidatos. Falam-se em muitas pessoas. Fala-se em Jorge Moreira da Silva que também era uma pessoa de grande confiança de Pedro Passos Coelho.

Quando diz que o Governo de Passos Coelho passou essa ideia revanchista…

Disse que o PS conseguiu passar essa mensagem e que ainda que tivéssemos ganho as eleições de 2015, o plano das ideias de que poderia haver uma alternativa radicalmente diferente daquilo que se fez entre 2011 e 2015, essa ideia vingou. 

Muitas das medidas impostas pela troika foram revertidas…

É como querer calçar os sapatos de 2015 em 2011, a diferença é um tipo que vai ao banco e tem uma dívida e um tipo vai ao banco e não tem dívida, se não tiver dívida pode fazer determinadas coisas. Não podemos comparar circunstâncias radicalmente diferentes, aliás para a circunstância de 2015 pudesse tido sido feita deveu-se com o trabalho que se fez entre 2011 e 2015 e depois com aspetos absolutamente conjunturais, desde a descida das taxas de juro aos dividendos do Banco de Portugal, mais ao aumento do preço dos combustíveis, que implicou uma receita em quatro anos de 2,5 mil milhões de euros a mais. E o PS do ponto de vista das finanças públicas disse que ia fazer uma coisa e depois fez outra completamente diferente, basta ver como foi sacrificado o investimento público. Temos o investimento público mais baixo da Europa e porquê? Porque todos os anos se anuncia que vai investir, mas nada é realizado e isso é insustentável. Neste momento já não conseguimos repor o capital. Ou seja, o investimento público que estamos a fazer não dá para suprir a amortização dos equipamentos que já temos. Isto é, não dá para assegurar a sua manutenção quanto mais para fazer investimentos novos.

Entretanto temos a bazuca…

Agora o Governo olha para a bazuca como se fosse o ómega de todo o investimento público.

Nomeadamente para a digitalização da função pública…

Acho que a digitalização da função pública é muito importante. E temos de encontrar um modelo, em que o mérito penetre na função pública, coisa que atualmente não se verifica. E esse é um dos problemas de base, e deve ser um elemento absolutamente distintivo entre o PS e o PSD. O mérito tem que penetrar na função pública para termos pessoas mais qualificadas, com perspetivas de carreira, com ambição. E a par disso não haver um investimento em equipamentos, se os equipamentos não forem bons e se não houver condições de trabalho, as pessoas não podem prestar o serviço que desejam. 

Tem de haver uma fiscalização rigorosa na aplicação da bazuca?

Isso é evidente. O debate do PRR foi completamente insípido. Foram escolher uma pessoa, por muito respeitável que seja, que o primeiro-ministro ouviu falar na televisão – como ele próprio reconheceu – e sozinha redigiu um programa, submeteu o programa, em que a grande maioria dos ministros nem o recebiam, segundo consta e de repente o programa vinculou para isto tudo. Isso não é maneira de fazer as coisas. O país planeia mal e não tem interesse nos resultados, nem os resultados são depois fiscalizados. É assim a nossa relação com o dinheiro público, a nossa relação com a fiscalização do dinheiro público e a nossa relação com os resultados que são produzidos. Em termos económicos estamos a falar que entre 2024 a 2025 já vamos estar a crescer muito abaixo da Europa, mesmo com estes estímulos todos, como é o caso da bazuca. Há problemas estruturais que a economia portuguesa tem que enfrentar, caso contrário, irremediavelmente ficará cada vez mais atrasada e isso significa que não somos capazes depois de libertar os meios para responder às necessidades de natureza social.

Qual é na sua opinião o melhor líder para o PSD tendo em conta os nomes que têm vindo a público?

Não me interessa falar sobre isso, por uma razão muito simples: a partir do momento em que se fala nisso só se fala nisso e não se fala de mais nada. Se falarmos só de nomes e se não fizermos o trabalho que coletivamente o partido tem que fazer então mais vale dar já uma medalha a quem vier a ser o próximo líder, colocar-lhe uma insígnia de bons ofícios à causa no momento em que for eleito porque provavelmente daqui a dois anos estão a excomungá-lo. 

Uma das medidas que mais se orgulha que fez no Parlamento foi a lei que penaliza os maus tratos a animais. A história de ter perdido o seu cão ficou célebre. Primeiro por que escolheu o nome para o cão Cassius Marcellus Clay E se comprou ou encontrou na rua?

Só adoto cães. Tenho uma admiração enorme pelo Cassius Marcellus Clay, mais tarde, Muhammad Ali, porque nunca vi um orador tão confiante como ele. 

Antes da doença…

Antes de ter Parkinson. E depois tenho uma admiração profunda por ter abdicado dos melhores anos da sua carreira para não combater a guerra no Vietname e foi-lhe retirado o título de campeão. 

Em relação ao cão que adotou o que é que sofreu naqueles quatro dias em esteve no Porto e ele fugiu do veterinário? E andou a colar cartazes…

Andei a colar cartazes, pus anúncios na rádio, nos jornais. 

E por que não voltou para o Algarve?

Até esgotar todas as possibilidades não era capaz de me ir embora. Nem que isso significasse perder o meu emprego. Se senti o que senti de desespero por o cão ter desaparecido não consigo imaginar o que sentirá uma mãe ou um pai por perder ou desaparecer um filho. 

Quando vira uma esquina encontra o cão. O que sentiu? E encontrou-o porque tinha indicações de pessoas que o cão estaria para ali?

Estava a receber centenas de telefonemas por dia. E houve associações que colaram anúncios e até hoje não conheço essas pessoas. E quando encontrei o cão parecia uma coisa de filme. Ainda por cima nem parecia o mesmo depois de quatro dias. Estava com fome, parecia que tinha sofrido maus tratos. Foi um grande momento de alegria.

E um mês depois disso continuava a receber telefonemas de pessoas que queriam receber a recompensa…

A recompensa era de dois mil euros. Fui aos bairros todos do Porto, saltava para cima das mesas à noite e, ainda por cima, foi numa altura de crise. Foi em setembro de 2009 e havia muita gente que não tem feição pelos animais e o que pensei foi quanto é que estes tipos precisam para se levantarem da cama e estarem atentos quando andam na rua? Andei por todos os bairros, incluindo os mais problemáticos, saltava para cima das mesas nos cafés e dizia que quem encontrasse aquele cão tinha uma recompensa de dois mil euros. Até um mês depois ainda recebia telefonemas a dizerem para levar os dois mil euros porque tinham o cão e eu dizia é curioso, o cão deve ter o dom da ubiquidade porque também está ao meu lado. 

Mas depois não teve coragem de acompanhar o cão na eutanásia…

Foi a minha mulher.

Por que não teve coragem?

Não sei, mas estou arrependido de não o ter feito. 

Foi responsável, juntamente com Pedro Delgado Alves, pela lei dos animais. Depois como viu o papel do PAN de comparar os cães às pessoas?

Há iniciativas que a sociedade portuguesa reclamava. Uma era a criminalização dos maus tratos e outra a distinção – da qual também fui um dos autores – no código civil entre animais e coisas. Acho que isso é evidente, tem reflexos jurídicos importantes e significa um passo na proteção do bem-estar animal. Coisas diferentes são algumas das propostas que o PAN apresenta, muitas delas não encontram resposta da sociedade portuguesa, são perspetivas mais radicais e, por vezes, fundadas numa humanização indesejável dos animais. O que criamos com a alteração do código civil e também com os maus tratos é identificar que há pessoas, há animais e há coisas e cada um é tratado da sua maneira. Não faz sentido que uma pessoa por ser detentora de um animal o pudesse mandar do 10.º andar ou dar-lhe um tiro na cabeça. Isso não faz sentido nenhum. Um animal não é um frigorifico ou um telemóvel ou outra coisa qualquer. Até porque, estas questões têm um significado além dos próprios animais. Aliás, está demonstrado em abundantes estudos científicos que, muitos daqueles que têm tendência para a criminalidade violenta e em série, em regra em crianças ou em adolescentes, os primeiros indícios de que as suas personalidades pudessem resultar nesse tipo de criminalidade prendiam-se com a sua forma desumana, fria e implacável com que lidavam com os animais.

Não voltou a adotar nenhum cão?

Voltei claro. É o Robin Hood Paisa porque estava a ver a série de Pablo Escobar e foi denominado Robin Hood Paisa pela jornalista que depois acabou por ter um caso amoroso com ele. Não é que tenha alguma admiração com Pablo Escobar. 

Só tem esse?

Tenho mais uma cadelinha que é Chiquinha que foi agora amputada.

Acha que o facto de Marcelo Rebelo de Sousa ser um homem do PSD prejudica o PSD?

Ser do PSD não prejudica seguramente o PSD porque sabem que o Presidente da República é do PSD e sabem que o Presidente da República é uma figura respeitada, com grande capacidade política e, pela qual, os portugueses testemunham grande confiança. O que talvez não tenha sido tão benéfico para o PSD tenha sido algumas das posições que o Presidente da República, por vezes, tomou e conduziram a que se instalasse a perceção de que poderia haver uma preferência no auxílio da governação ao PS e a António Costa. Isso é o que creio que é indesejável para o PSD.

Quem foi para si o melhor líder do PSD?

Não testemunhei a liderança icónica de Sá Carneiro, ainda o cumprimentei duas semanas antes de morrer, num comício em Faro. É curioso, tinha quatro anos na altura e estava numa sala com o meu pai e com outro deputado do Algarve e eu era um miúdo muito impertinente e desatei a dar socos na porta. Quem é que me abriu a porta? Sá Carneiro e puxou-me pela mão porque sabia quem era o meu pai. Só me lembro disso porque morreu. Tive centenas de vezes em comícios e não me lembro de quem é que lá estava. 

Mas…

Não podendo fazer a avaliação dessa liderança icónica para mim há duas figuras que estão acima dos demais que é Cavaco Silva e Pedro Passos Coelho.