“Estas duas candidaturas não têm força para mobilizar o PSD”

Ribau Esteves chegou a ponderar avançar com uma candidatura à liderança do PSD por entender que o partido precisa ‘de uma profunda mudança e reforma’. Desistiu por achar que seria preciso mais tempo e mais trabalho.

Ainda não decidiu se apoiará Jorge Moreira da Silva e garante que tudo está dependente de uma conversa que deverá realizar-se na próxima semana. Em relação a Luís Montenegro, não perdoa nas críticas. E lamenta que o partido ande «há muito tempo em lutas internas, algumas delas violentas, principalmente aquelas que aconteceram num passado mais recente», o que, na sua opinião, acabou por se refletir nos resultados das últimas eleições. Ribau Esteves é apoiante da descentralização e dá cartão vermelho a Rui Moreira em relação à sua posição na ANMP: «Há pessoas, como o meu estimado colega que é presidente da Câmara do Porto, que nunca ligaram à Associação Nacional de Municípios Portugueses e que têm este ar zangado, mas não é com a associação, é com o Governo».

Como vê a situação do PSD? Estava à espera de ver o partido neste estado?

É com muita pena e com muita preocupação que vejo o estado em que o Partido Social-Democrata está. Como é público, ponderei uma candidatura por entender que o PSD precisa de uma profunda mudança, de uma profunda reforma. Precisa de ter uma estratégia nova em relação à sua organização interna, às suas mensagens políticas, a forma como comunica, como se organiza, como se estrutura, enquanto organização espalhada pelo território. E nessa ponderação que fiz para poder assumir uma candidatura em nome desta mudança profunda, fui recolhendo imensos apoios, tinha muita gente disponível e interessada nesse caminho, mas não encontrei o número de pessoas suficiente para fazer o combate que temos de fazer no terreno.

O que concluí é que é preciso mais tempo e mais trabalho para que possamos construir esse projeto de profunda mudança para o PSD, dado que saímos das últimas eleições legislativas numa situação política muito complexa, com uma maioria do PS à nossa esquerda e com dois partidos que se transformaram na terceira e na quarta força partidárias nacionais com um forte crescimento e uma forte dinâmica: Iniciativa Liberal e Chega.

O PSD tem de arranjar uma solução profundamente diferente das que estão hoje postas em cima da mesa, profundamente diferente daquilo que foi fazendo no passado – nomeadamente no passado recente – que tem muitas coisas boas, mas não é aí, na minha opinião, que está a solução para os desafios do quadro político que temos hoje e que vamos viver nos próximos quatro anos e meio. Neste momento, o partido está colocado perante as duas propostas que tem em cima da mesa e é por aí, escolhendo o melhor dos dois ou o menos mau dos dois, que o partido terá que escolher a sua nova liderança.

Se houvesse mais tempo para preparar esta sucessão no partido, teria avançado?

Claramente, sim. Embora existam dois fatores adicionais. O PSD está, por um lado, assente na sua estrutura de concelhias e de distritais, está muito enquistado a pessoas que fazem a gestão da máquina, do chamado aparelho, de uma forma muito profissional, sem ter uma lógica de serviço público, que é aquela lógica que deve existir na vida de um partido político. Por outro lado, o PSD também está cansado de disputas internas. O partido anda há muito tempo em lutas internas, algumas delas violentas, principalmente aquelas que aconteceram num passado mais recente.

Estamos agora numa nova disputa interna, mas com níveis de mobilização e de motivação dos militantes do PSD muito baixos, o que demonstra bem que o partido precisa de ganhar tempo, de uma mudança clara, profunda e, por muito mérito que possam ter as duas candidaturas que estão em cima da mesa, nenhuma delas tem essa capacidade de mudança. É preciso ter experiência de gestão e de conhecimento do terreno, do território e dos portugueses e nenhum dos currículos de cada um dos companheiros que está a candidatar-se me parece ser suficientemente credível aos olhos dos militantes e que seja mobilizadora para a tal mudança que é absolutamente inevitável para que o PSD consiga liderar a oposição e crescer, para se vir a afirmar como um partido alternativo ao PS na governação do país.

Temos um Governo de maioria absoluta e, por tradição, o PSD é o partido líder da oposição. Enquanto não organizar a casa, os próximos tempos são complicados?

Claro que sim. É por isso que me preocupa muito ver candidatos à liderança a falarem que o seu objetivo é serem primeiros-ministros. O objetivo do PSD, nestes próximos anos, é mudar, reformar-se, capacitar-se, cuidar de si, tratar das suas gravíssimas doenças -– algumas delas já não são novas – e esse cuidar, como gosto de dizer, é como quando estamos doentes. Antes de termos a ambição de ajudarmos os outros, temos que nos curar a nós próprios para depois podermos ser úteis aos outros, porque doentes não conseguimos. E essa é a realidade do PSD e, portanto, esse cuidar é um serviço de relevantíssimo interesse público nacional porque o país precisa de um PSD forte, não vale a pena estes atos de ilusão de que temos de falar para o país, que temos que ser candidatos a primeiros-ministros, porque o que é preciso e é prioritário é cuidar, capacitar, reformar o PSD.

Quando diz que o partido precisa de cuidar de si por estar mais frágil essa fragilidade é da responsabilidade de Rui Rio?

Evidente que é um acumulado, embora o presidente Rui Rio não tenha conseguido cumprir os seus objetivos. Ele próprio tinha um objetivo de reformar o partido, mas nem sequer teve tempo para tentar fazer essa reforma. Conseguiu em algumas áreas, por exemplo, na gestão financeira, mas a verdade é que não conseguiu. Não teve tempo, teve muitas lutas eleitorais. Eleições regionais, autárquicas, legislativas… teve sempre uma pressão externa muito forte e uma guerra interna, assaltos à sua liderança, disputas internas. É por isso que, neste quadro que vivemos agora, há também essa vantagem: o PSD tem tempo para fazer esse trabalho. Só há eleições em 2024 e 2025 e o PSD tem tempo para fazer este trabalho e deve dar essa prioridade. É evidente que há um dano maior na liderança do presidente Rui Rio que foi o resultado das eleições legislativas, em que o PSD tem um resultado muito mau, não conseguiu crescer e deu as condições políticas para o PS ter uma maioria absoluta, seguramente muito à custa do voto útil que o PS conseguiu.

António Costa durante a campanha apelou a essa necessidade de voto útil…

E conseguiu o efeito da vitimização. Foi buscar votos ao BE e ao PCP. O BE e o PCP estão reduzidos a partidos de 4%. No centro acredito que tenha ido buscar alguma coisa, mas à sua direita não, porque o crescimento do Iniciativa Liberal e do Chega foi muito forte e o PSD não conseguiu ter uma mensagem que capitalizasse o descontentamento que existia em relação à governação do PS. Sempre disse que ganhava quem fosse eficiente na conquista do voto útil. O PSD não foi, o PS foi e o que aconteceu não foi a surpresa da vitória do PS, porque isso era expectável, a grande surpresa da vitória do PS foi a maioria absoluta.

A ideia que Rio passou durante a campanha dizendo que apoiava o Governo no caso de ser o segundo partido mais votado terá criado um mal estar interno?

Não. O que criou internamente o mal estar foi quando já sabíamos que íamos ter eleições antecipadas, quando já sabíamos que o Orçamento de 2022 ia chumbar e que o Presidente da República ia convocar eleições antecipadas, o PSD, em vez de se pôr na rua a trabalhar junto dos portugueses, a apresentar um projeto político, a mobilizar a sociedade para um projeto alternativo, pôs-se numa luta interna numas diretas absurdas, antes do seu tempo, e isso deu uma ajuda no sentido negativo ao PSD. Essa questão, para mim, é uma questão absolutamente central.

O PSD fez bem naquilo que foi dizer ao país, naquilo que são reformas, um envolvimento em que o PS e o PSD têm que estar porque, se não estiverem, não há reformas em áreas tão importantes como a Justiça, a Saúde, a Segurança, a Reforma Constitucional. O PSD estava disponível para isso e acho que Rui Rio fez bem. Entendo que não foi aí que esteve a derrota do partido. Foi aí que esteve uma nota de responsabilidade, que é um ato positivo de um partido que se candidata para ganhar mas que sabe que, se perder, tem um papel num país que precisa, urgentemente, de profundas reformas em várias áreas da estrutura do Estado.

Só vão votar 42 mil militantes. É um universo muito pequeno para o que costumam ser as eleições internas do partido…

É aquilo que disse há pouco. O PSD não tem, nestas duas candidaturas, força e motivação para se mobilizar. O partido está, no seu aparelho, tomado por muita gente que joga apenas o exercício das cadeiras e dos lugares e o partido está cansado de disputas e lutas internas que o têm fragilizado de forma acumulada. É uma infelicidade vermos números tão pequenos, vermos o partido com tão pouca mobilização, mas é uma consequência da situação. É por isso que eu próprio, na tal procura de gente para vir trabalhar para um grupo à séria, para lutarmos por uma mudança profunda, também não consegui encontrar um número suficiente, por essa mesma desmotivação.

Caso contrário, teria avançado para a liderança…

As decisões temos que as tomar em cada momento. É assim a vida. Quando tive de fechar o processo e tomar uma decisão, a minha leitura das centenas e centenas de conversas que tive com tanta gente nos quatro cantos do país, foi esta: ‘Lamento, mas há futuro pela frente e não tenho dúvidas: o PSD vai precisar de um projeto de profunda reforma, de profunda mudança, para ser um partido popular, um partido que conheça o território, de gente que tem currículo no trabalho pelas pessoas, pelos cidadãos, para podermos liderar a oposição e vir a ter um projeto político alternativo’. Até lá, ganhará obviamente quem os militantes entenderem por bem. Da minha parte, como militante disciplinado e enquanto for militante, sempre ajudarei o meu partido nas funções que tenho para desempenhar mas, claramente, o caminho que vemos ser proposto pelas duas candidaturas não é o caminho de profunda mudança de que o PSD precisa.

É mais crítico em relação a Montenegro e já disse que representa o que o PSD tem de pior…

Exatamente, é aquilo que toda a gente sabe. Não dou novidades a ninguém, é aquilo que as pessoas sabem e veem. Daí ter assumido que não apoiarei o companheiro Luís Montenegro e que estou a ponderar – estou até dependente de mais uma conversa entre nós – votar no companheiro Jorge Moreira da Silva. Mas nenhum dos projetos tem aquela opção de mudança profunda e radical que defendo para poder, eu próprio, mobilizar-me com grande empenho.

E depois dessa conversa poderá apoiar a candidatura de Moreira da Silva?

Vão ser conversas ainda por cima entre duas pessoas que são amigas há muitos anos, mas essas conversas ficam sempre entre nós. A parte que lhe posso dar como nota pública tem muito a ver com a substância da ambição do Jorge Moreira da Silva, no que tem dito sobre a mudança do partido que me parece muito ligeira, muito soft. Sinceramente, tenho procurado estar atento ao que diz o companheiro Luís Montenegro e o que diz Jorge Moreira da Silva – como é meu gosto e também como é a minha obrigação como militante –, mas no que diz respeito a Jorge Moreira da Silva é tudo muito superficial, muito genérico e nessa conversa vou perceber a extensão da sua perspetiva e é aí que o meu apoio reside, porque de resto é boa gente, um homem sério, inteligente. Claro que lhe falta a garra que objetivamente não tem, mas tem outras qualidades. É a extensão da dimensão do seu programa que me interessa perceber bem para fechar a minha decisão.

E quando terão lugar essas conversações? 

Já deviam ter sido. Será nos próximos dias, seguramente. Acredito que será no início da próxima semana.

Mira Amaral criticou, em entrevista ao Nascerdo SOL, que não percebe como um candidato do PSD [Moreira da Silva] diz que primeiro tem de se preocupar com o Chega em vez de se preocupar em fazer oposição ao PS e que no caso da Câmara de Setúbal não vai politizar um assunto sério…

Uma das minhas discordâncias com Jorge Moreira da Silva, e já nem falo de Luís Montenegro, é a opção em relação ao Chega, segundo a qual ‘não falo com o Chega, nem falo do Chega’. Tenho dito isso várias vezes: o Chega é um partido da democracia portuguesa, é um partido democrático, é um partido da extrema-direita tão mau ou tão bom como a extrema-esquerda e ponho no mesmo patamar de nota negativa a extrema-direita e a extrema-esquerda.

É bom lembrar que saímos de uma ditadura de extrema-direita, foi tentada uma ditadura de extrema-esquerda e todos sabem que o que nos salvou de uma ditadura de esquerda comunista foi a revolução completa do 25 de Abril com o 25 de Novembro. Isto está na história, apesar de alguns quererem omitir. O PSD deve falar com todos os partidos da democracia portuguesa e quanto mais dermos importância ao Chega, como se fosse um índole quase divino, que não falamos com o Chega e depois passamos a vida a falar do partido ainda é pior.

Tratamos o Chega como mais um partido do espetro político português, com quem temos relações porque temos relações com todos os partidos e com quem disputamos eleitorado. Conheço muita gente militante e simpatizante do PSD que votou no Chega. E quando lhes falei, a tantos que mandaram SMS, emails, fizeram declarações na rua, de que o PSD vai ser um partido com forte dinâmica dizem que voltam ao PSD.

Portanto, a garra que hoje o Chega tem e a força de dizer algumas verdades duras que só eles dizem é uma coisa que muitos portugueses gostam e, por isso, tem a importância eleitoral que tem. Tenho um autarca do Chega na Assembleia Municipal, como tenho um do PCP, dois do BE e dois do PAN e falo para o autarca do Chega como falo para os outros. Era o que mais faltava na Assembleia Municipal dizer que há uma parte da democracia que não é democrática. Tenho de dizer que discordo do Chega, como faço com o PCP e o BE, mas tenho que falar sobre uma realidade que existe e é importante como opção política para milhares de portugueses.

E isso reflete-se nos votos…

E hoje é a terceira força política do país. 

Face aos votos desviados para o PS, para o tal voto único, mas também para o IL e para o Chega…

Claramente. Faixas etárias mais jovens, muita gente com alguma formação das camadas dos 30 e dos 40 anos, muita gente social-democrata cativou-se pelo discurso e pela atitude política do Iniciativa Liberal. Vivemos todos num mundo em que falamos com as pessoas da nossa roda de amigos e de conhecidos e conhecemos pessoas com essa tipologia.

O PSD só tem de olhar para si e verificar que envelheceu, que perdeu a capacidade de atrair gente nova, de ter um discurso moderno, cativante, com uma imagem nova e uma forma de estar no território profundamente ativista para voltar ao tal crescimento e fazer com que o Chega e o IL regridam em termos da sua dimensão política e eleitoral. E isso é uma disputa, por mais que tenhamos que conquistar ao centro ao PS – com certeza que sim –, mas, se não o fizermos no espaço político, ocupado à nossa direita, vamos continuar a ter muita dificuldade em voltar a crescer.

Francisco Pinto Balsemão, Manuela Ferreira Leite apoiam Moreira da Silva. Alberto João Jardim e Conceiição Monteiro apoiam Luís Montenegro. Esta divisão dos famosos barões do PSD acaba por distrair os militantes e trazer dúvidas sobre o melhor?

Com certeza que sim. Embora, em diretas, não se dê importância ao que se chamam os barões. Nas diretas todos valemos um. Lembro-me da primeira vez que fui candidato à presidência da Câmara de Ílhavo e todos os barões da sociedade ilhavense eram da comissão de honra do meu adversário. Apresentei a minha comissão de honra a que, na altura, chamei o povo ilhavense e ganhámos as eleições por maioria absoluta. Com todo o respeito pelas pessoas que têm uma história, um currículo, um contributo especial para o PSD, não é isso que interessa.

O que interessa é serem postos em cima da mesa projetos mobilizadores, corajosos e que os militantes se mobilizem, independentemente de serem jovens militantes. E, como sabemos, o PSD está a perder os jovens de uma forma inacreditável. Obviamente que, em termos do exercício de comunicação de cada uma das candidaturas, os barões procuram rentabilizar a imagem pura e o peso político específico que cada uma dessas personalidades tem. Da minha parte, não me mobilizo por esse tipo de testemunhos.

Mas há temas fraturantes como a guerra e questões económico-sociais que dominam o debate o espaço público e acabam por pôr para segundo plano as eleições internas…

Não vale a pena apresentar desculpas. É evidente e sabemos bem que a própria pandemia que ainda cá está de forma tão forte já foi substituída em termos de peso de comunicação pela guerra. Sabemos que uma guerra, embora longe, entra-nos todos os dias pela televisão e as suas consequências entram na nossa vida do dia-a-dia.

A importância é marcante para a vida das pessoas, mas não vale a pena dar desculpas. Já ouvi muita gente dizer que as eleições do PSD não estão a ter muita notoriedade por causa da guerra. Falso. As eleições do PSD não estão a mobilizar porque não há projetos mobilizadores. Depois, em termos de comunicação, a sua presença é menos forte também por causa da concorrência – deixe-me usar esta palavra errada – de fenómenos tão fortes como a guerra. Claro que sim.

Mas há uma questão prévia: as candidaturas em cima da mesa não são mobilizadoras, o partido está cansado de guerra, está desmobilizado e ficou triste com o resultado que tivemos a 30 de janeiro. Esses são os motivos principais, não vale a pena agora fazer de conta que o partido tem candidaturas muito mobilizadoras, que os militantes estão muito excitados e muito atentos à disputa interna. 

Ao não mobilizar os militantes abre espaço para partidos como o Iniciativa Liberal e o Chega ganharem mais protagonismo e mais espaço de manobra…

Claro. E não é com discursos de andar a dizer mal de Sócrates, a defender o Passos Coelho e de andar a falar do tempo em que se era ministro disto ou líder parlamentar que vamos ganhar. Não são discursos sobre o passado que convencem. Por mais que tenhamos muitas coisas boas no passado, não são esses discursos que nos vão pôr a reganhar militantes que perdemos, votantes que perdemos, jovens que estamos a perder para o Iniciativa Liberal e para o Chega. Não é por aí.

É a tal atitude de sermos radicalmente diferentes na substância, na forma, na organização do partido, na utilização das forças que o partido tem no território, os seus autarcas, os membros dos Governos Regionais dos Açores e da Madeira. À séria, para podermos reganhar esse espaço político e voltarmos a crescer. Essa é a questão central.

Se o partido não o fizer e continuar com discursos que não interessam hoje às pessoas, que não são conquistadores de crescimento no futuro vamos ter muita dificuldade de ganhar a luta do crescimento que, nesta fase, está claramente a ser ganha pelo próprio PS e, à nossa direita, pelo Iniciativa Liberal e pelo Chega, e vamos ver com que capacidade é que o novo líder do CDS vem para poder recolocar minimamente o CDS nessa disputa do espetro político.

Nuno Melo já disse que nas próximas eleições queria ir sozinho. Isso poderá ser prejudicial para o PSD?

Obviamente que é necessário para o CDS. Não tenho a menor dúvida e, na ótica da análise política, aquilo que o presidente Nuno Melo disse é óbvio. Francisco Rodrigues dos Santos quis ir coligado com o PSD e fez lamentos públicos porque sabia que o CDS estava muito frágil e, se fosse coligado com o PSD, disfarçava essa fragilidade.

Neste caminho de ressurgimento ou tentativa de ressurgimento do CDS, Nuno Melo não tem outro caminho que não seja uma afirmação solitária. E aí o PSD tem mais um foco de concorrência e tem que dedicar atenção política a essa dimensão, por mais que tenhamos um CDS que hoje é muito pouco relevante. No entanto, tem um líder novo, uma força e energia novas e uma ambição de crescer. Temos de respeitar essa tentativa do CDS de ressurgir.

Outra guerra aberta diz respeito à Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP). Rui Moreira ameaçou romper com a associação por causa do processo em curso…

Não vejo guerra nenhuma. A Associação Nacional dos Municípios é composta por 308 municípios. Há uma grande unidade dos municípios portugueses em relação à sua associação. O último congresso foi testemunho disso, aliás, sou testemunha privilegiada porque o congresso do ANMP de dezembro passado foi em Aveiro, em que houve uma grande unidade à volta da nova presidente. E uma nova presidente também representa uma nova energia, uma nova forma de comunicar a liderança da Associação Nacional de Municípios Portugueses.

Temos uma grande esperança na forma de liderar de Luísa Salgueiro, os que estão há mais anos na ANMP, como eu, estamos empenhadíssimos em ajudá-la nessa importante missão e a verdade é que a associação está forte, tem um caderno de encargos pesado, porque o anterior Governo deixou um passivo em alguns dossiês muito fortes: centralização, finanças locais e várias áreas de reforma do funcionamento da relação do Estado central, da administração central, com o poder local, dívidas – as dívidas do fundo social municipal, das despesas do combate à covid –, ou seja, o Governo anterior deixou um grande passivo para o atual.

Tivemos esta quarta-feira a nossa primeira reunião formal com o atual Governo e com a ministra Ana Abrunhosa, que ficou com a coesão territorial e com a descentralização, e vamos trabalhar o caderno de encargos que está prontíssimo, discutido, depois de termos dado a volta ao país com todos os autarcas. A ANMP está mais forte do que nunca, preparadíssima para lutar junto do atual Governo para pôr em ordem, aquilo que não está em ordem.

Há pessoas, como o meu estimado colega que é presidente da Câmara do Porto, que nunca ligaram à Associação Nacional de Municípios Portugueses e que têm este ar zangado, mas não é com a associação, é com o Governo. Aquilo que falta e o que está errado na descentralização não é culpa da associação que tem lutado imenso para que as coisas estejam bem é culpa do Governo. Se há áreas que ainda não andaram nada na descentralização, como estradas nacionais, habitação, áreas portuárias, justiça, e se há desequilíbrios financeiros em algumas áreas, como a educação, e se há um desvario total em áreas tão importantes como a saúde, etc., é culpa do Governo. Não é culpa da ANMP.

Primeiro, porque a ANMP não governa; segundo, porque a associação tem lutado e há provas mais do que evidentes desse empenho, seja pela presidente Luísa Salgueiro, mas especialmente no mandato anterior sob a liderança de Manuel Machado, para que as coisas venham para o bom caminho. Agora, esta circunstância do colega achar que a área A ou B estão mal, aceito, mas não tem que pôr o ónus na ANMP, tem é que pôr energia para fortalecer a ANMP e pôr as críticas e os ónus em cima do Governo, para que o atual Executivo, que ainda por cima já não depende do PCP e do BE, possa fazer bem aquilo que o anterior não conseguiu.

Já disse que Rui Moreira não sabe o que é a ANMP, nunca participou numa reunião, não vai aos congressos e não participou nos conselhos gerais…

Nunca foi. E das críticas que faz ao processo e, parte delas tem razão, dizem respeito ao Governo. Às vezes, Rui Moreira fala como se a ANMP fosse o Governo. A par disso, todos nós autarcas temos de dar uma ajuda, energia, dar atenção política à nossa associação, coisa que Rui Moreira nunca fez, até pelo contrário.

E com vê as críticas de Rui Moreira em relação à ANPM, que é dominada pelo PS?

Ou é ignorância ou é má-fé. Sou vice-presidente da ANMP há alguns anos e nunca vi a associação subjugada a Governo nenhum, mesmo quando fomos presididos por Fernando Ruas, com quem também trabalhei como vice-presidente e o Governo era do PSD. Sempre trabalhámos sem subjugação política, como os colegas do PS o fazem.

Depois, há questões de comunicação, como tenho dito. Luísa Salgueiro comunica de forma diferente de Manuel Machado e, neste momento, temos de falar para um Governo de um só partido que recebe do anterior Governo um passivo relevante e, por isso, temos que falar ‘bem mais grosso’ – desculpe a expressão – do que para um Governo que tinha uma dependência de dois partidos que sempre foram contra a descentralização. Há aqui um quadro político muito mais favorável e não tenho dúvidas de que vamos conseguir resolver vários problemas que foram possíveis com o anterior.

A crítica de subjugação é uma de duas: ignorância, porque as pessoas não têm a noção do que é a vida, do espaço de liberdade e de autonomia que praticamos na ANMP, ou má fé, de apenas criar uma crítica para denegrir a imagem da associação e que obviamente não vão conseguir.

Quando diz que há dois partidos que estão contra a descentralização está a falar do PCP e do BE?

Exatamente. O PCP com alguma razão, porque entendia que o processo devia ter sido feito de uma outra forma, com mais profundidade, com mais tempo, etc. Mas sempre foi crítico e sempre votou contra tudo. O BE nem sequer sabe o que é uma câmara municipal, só governou uma vez uma câmara durante um mandato – depois nas eleições seguintes perdeu – e, na altura, ganhou porque a presidente era do PCP e virou para o BE, depois fez um conjunto de disparates e acabou-se a câmara. O Bloco é um partido absolutamente centralista. A verdade é esta: o PS tinha dois partidos que sustentavam os seus Governos anteriores contra a descentralização. 

A descentralização é prioritária?

É absolutamente prioritária. Primeiro, porque é muito importante para as pessoas. Está provado por aqueles que já executam a descentralização que há um ganho muito relevante na qualidade do serviço, na eficiência da gestão, no tempo que se gasta a tomar decisões, no conhecimento dos problemas para resolver.

Quem executa, como eu na Câmara de Aveiro, que temos a cultura há seis anos dessa forma e a educação está no segundo ano letivo, percebe que os ganhos são evidentes. E depois há os problemas de sustentabilidade, nomeadamente financeira, para resolver. Por exemplo, na cultura não, porque funciona 100% bem, mas na educação há necessidade de fazer aquilo que a lei prevê e que são os chamados ajustamentos financeiros.

Estamos a receber menos dinheiro do que aquilo que custa a execução das competências e isso tem de ser corrigido com os mecanismos que a própria lei define. Mas isto só é possível dizer e trabalhar executando, mas os ganhos de qualidade do serviço público, o ganho da resposta às populações com qualidade e com menor uso de tempo, isso, são de uma evidência meridiana e que só vê quem executa. Claro que quem não está a executar a descentralização, com certeza que não pode constatar este tipo de ganhos.

Mas a ministra da Coesão disse que sem haver um processo de descentralização não se pode falar da regionalização…

Trata-se de um novo argumento dos anti-regionalistas, em que só uma descentralização perfeita pode permitir uma regionalização. Discordo totalmente disso.

Ponto um, temos de prosseguir a execução com qualidade da descentralização; ponto dois, é preciso dar seguimento ao processo de regionalização, é preciso contratar – e defendo sempre um consórcio dos estados para fazer uma súmula dos estudos ou um estudo novo – para fazer um trabalho de comunicação sobre as vantagens e as desvantagens do processo para termos um grande debate nacional e para definir coisas muito importantes, como as responsabilidades que ficam nas regiões político-administrativas do continente, o que sai da administração central e que outras reformas se podem agregar à regionalização.

E defendo, por exemplo, a redução forte do número de deputados na Assembleia da República, para 180, e que direções gerais sejam extintas. Este trabalho não tem nada a ver com a descentralização, o processo de descentralização tem de prosseguir, resolver os seus problemas e ser lançado. É preciso preparar bem a revisão constitucional que desobrigue o país de fazer um referendo ou, mantendo-se a obrigação constitucional, preparar o país para de forma bem ponderada ir a referendo decidir se sim ou não em relação à regionalização.

É um contributo político interessante o processo de descentralização estar bem? A minha resposta é sim. É absolutamente necessário esse perfeccionismo da descentralização para se começar a trabalhar a regionalização? A minha opinião é não.

O Governo tem acenado com um referendo para a regionalização em 2024…

Sim. 

Há uns anos foi feito um e chumbou…

Votei, nessa altura, contra e sou a favor. Não votei contra a regionalização, votei contra aquele desenho de regiões, que não tinha sentido nenhum, na minha ótica. O PSD, na altura liderado por Marcelo Rebelo de Sousa, centrou-se muito no mapa e entendo que para haver um referendo no pressuposto que se mantém daqui a dois anos é absolutamente fundamental lançar o tal relato nacional sério, profundo e bem comunicado, para que, independentemente de perturbações políticas por causa de outras matérias, uma qualquer eleição, uma qualquer crise, os portugueses poderem de uma forma conhecedora e consciente decidir se é bom melhorar a gestão do Estado e das regiões do país ou não. E, para isso, deverá haver um referendo em 2024 e dois anos não é muito tempo para fazer esse trabalho. 

Houve uma tentativa de mudar ministérios no tempo do Governo de Santana Lopes…

Houve uma mudança de algumas Secretarias de Estado. Discordo disso, porque não serve para nada. Uma Secretaria de Estado tem uma meia dúzia ou uma dúzia de pessoas. O que defendo é um outro processo, que é a deslocalização de institutos políticos.

É pôr o ISNF em Castelo Branco, a Agência Portuguesa do Ambiente em Bragança. São processos desta natureza, mas António Costa nem sequer conseguiu pôr o Infarmed no Porto, nem o Tribunal Constitucional em Coimbra, veja o que é sem fazer o trabalho com qualidade e com profundidade praticar um destes atos que acabei de exemplificar.

Está tudo muito concentrado em Lisboa…

Não é muito. É cada vez mais e isso é mau para o país. Não puxa pelo país, não mobiliza os cidadãos para a democracia e para o trabalho pelo seu país. O centralismo, além de custar muito mais dinheiro e de não rentabilizar os recursos que o país tem, desmobiliza muito os cidadãos para a vida da sua democracia e para o contributo ao crescimento do seu país.