Está afastado da vida política ativa, mas esteve na Festa do Pontal…
Não tenho nenhum cargo político ativo, nem quero vir a ter. Estive na política durante 30 anos. Mas isso não significa que esteja desatento ou alheado. Quero naturalmente estar informado e a par do que se vai passando. Não hesito em dar a minha opinião e o meu contributo de uma forma muito pontual naquilo que me parece pertinente e adequado.
E estive na Festa do Pontal porque entendo que o PSD tem de ser a alternativa a este Governo e é simpático que as pessoas que têm uma história de vida relacionada com o PSD não se afastem e dêem sinal de força e unidade. Há uma liderança que está eleita há poucas semanas e que me merece confiança.
Foi por essa razão que estive lá, para mostrar que todos aqueles que têm este pensamento, este tipo de atitude perante a vida e a sociedade, devem fazer valer o seu pensamento para que haja uma alternativa sólida e credível para que esta situação do Governo, que não me agrada, possa dar lugar a uma alternativa diferente, mais consistente, com uma visão estratégica capaz de mudar o ritmo da economia, do investimento, do funcionamento da Administração Pública, da Justiça, etc. Ou seja, naqueles casos em que é mais gritante a desgovernação e a desorganização das estruturas de funcionamento do Estado.
Como correu este regresso do ‘Pontal’?
Respira-se um clima de boas expectativas. O PSD viveu muitas quezílias, confrontações e divergências na praça pública. Neste momento, respira-se um clima de unidade, de uma certa força envolta desta liderança, que merece a confiança de generalidade dos militantes. Algo que nem sempre aconteceu no passado, mas houve lideranças com Sá Carneiro, Cavaco Silva, Passos Coelho e agora com Montenegro que têm uma certa transversalidade no universo de opiniões e daqueles que são símbolos mais ativos do PSD.
Essa transversalidade de adesões é um bom sinal de que se pode construir uma alternativa sólida e credível. O PSD só pode arrancar com um sinal de esperança e de vitória numas próximas eleições para governar o país se os seus quadros, os seus ativos políticos estiverem unidos numa mesma estratégia e forem capazes de numa forma séria e honesta de mostrar à sociedade a sua capacidade de liderança.
Este regresso ao Pontal é simbólico do regresso de um PSD que esteve adormecido durante a liderança de Rui Rio?
O PSD nos últimos anos atravessou uma fase de algum desnorte, de uma oposição sem um rumo certo, com algumas contradições de posicionamento. Isso levou a uma desmobilização de muita gente e a um resultado eleitoral muito abaixo daquilo que seria desejável. Esse passado tem que ser esquecido para dar lugar a uma esperança, a uma orientação com expectativas fortes, com sinais positivos e com convicção.
É esta uma estratégia da direção do partido de aproximação às bases?
Para ganhar o eleitorado é preciso que haja em primeiro lugar uma boa mobilização das bases sociais-democratas. O PSD tem umas dezenas de milhares de militantes e se esses, que para todos os efeitos são a locomotiva do processo de mudança, não estiverem motivados obviamente que as coisas assim não se conseguem. É fundamental para ganhar umas eleições ter os militantes unidos, expectantes, com convicção e com garra. Se partirmos para uma qualquer disputa sem que aqueles que nos são mais próximos acreditem, ninguém ganha.
Ficou surpreendido com a presença de Pedro Passos Coelho na Festa do Pontal?
Não fazia ideia que ele ia. Estive sentado na mesa ao lado e gostei de o ver. Está com boa disposição. Foi bom ele juntar-se a esta onda para mostrar exatamente que está na mesma vontade. Não se resguardou, não fez nenhum tabu, não se afastou. Esteve ali a dar a cara e a mostrar que está ao lado da nova liderança e esse é um bom sinal. É um sinal de força e de unidade.
Porfírio Silva, secretário nacional do PS, disse que Luís Montenegro será a sombra de Passos Coelho…
O Partido Socialista obviamente está preocupado, porque percebe que o PSD está unido e tem uma estratégia de oposição diferente daquela que foi praticada no passado. Portanto, o PS arranjará fait divers para fazer comentários depreciativos. O PS devia preocupar-se com a governação, com a estratégica do rumo das coisas porque governa avulso, com decisões desgarradas.
A Administração Pública está num caos total, não funciona, não responde às empresas nem aos cidadãos e nunca houve tanto funcionário público como agora. Há uma completa ineficácia e ineficiência do funcionamento dos serviços públicos. Não há qualidade na resposta, não se cumprem prazos, nem os horários são cumpridos. Há uma situação de improdutividade generalizada na Administração Pública que é evidente e tem-se degradado nos últimos anos.
Não há responsabilidade e o Governo não puxa pelo brio, pela qualidade, não premeia os melhores e a Administração Pública está cada vez mais medíocre. Depois na Justiça há outro caos. É cada vez mais burocrática, lenta, tem preceitos contraditórios.
Os juízes de tempos em tempos pedem mais regalias e o Governo dá. Em vez de fazer uma reforma na Justiça, aumenta aos ordenados dos magistrados. Depois a Justiça não é controlada por ninguém. Defendemos a separação de poderes, como é óbvio, mas deve haver algum controlo para que a eficácia, a coordenação e a responsabilidade funcionem e para que haja o princípio de controlo democrático. As magistraturas vivem sistemas corporativos, fechados, não se modernizam e a Justiça caiu num caos total. Ninguém confia na Justiça.
Esta ‘aparição surpresa’ de Passos Coelho pode ser uma preparação do caminho para uma candidatura a Belém?
Passos Coelho tem 58 anos e tem pela frente 20 a 30 anos de vida pública ativa, portanto, pode ser aquilo que quiser. Ele provou que é um estadista, que é uma pessoa responsável, honesta e tem uma visão para o país. É destas pessoas que precisamos. Nos próximos 20 a 30 anos, o país há-de produzir muitos primeiros-ministros, muitos Presidentes da República, muitos líderes e, portanto, ele está no ativo do ponto de vista da reserva.
Não está neste momento em exercício de nenhum cargo, mas é um ativo da política e pode a qualquer momento, numa qualquer oportunidade, ser chamado e penso que não dirá que não. É um patriota, uma pessoa com visão, tem vontade de que a mudança se faça e não tem nenhuma precipitação nem pressa de ser isto ou aquilo, amanhã ou depois. Mas tem uma história de vida que lhe permite estar disponível para altos cargos que um dia se venham a posicionar no horizonte.
No Pontal, Montenegro antecipou-se ao Governo e anunciou uma proposta de programa de emergência social que seria para colocar em prática em setembro, se houver luz verde do Parlamento. Foi suficientemente ambicioso nas medidas?
É uma proposta razoável tendo em conta a situação económica do país e o aumento das receitas, pois no fundo a inflação vai reforçar os cofres do Estado. Montenegro propôs soluções práticas em favor dos mais desfavorecidos, dos que têm mais dificuldades, usando a folga que a economia e a inflação em particular estão a dar aos cofres do Estado. Acho que são propostas razoáveis, de bom senso e oxalá o Partido Socialista tenha a humildade e a modéstia de reconhecer que são boas propostas e de dar a mão àquilo que é o apoio aos desfavorecidos. Não sei se será esse o caminho do PS. Duvido que seja. Por ventura, haverá aquela fanfarronice de fazer coisas diferentes, mas que as propostas são sensatas julgo que são.
Penso que os socialistas até já se pronunciaram e acusaram as propostas de serem uma ‘cópia’ das do Governo…
Tanto melhor se são coincidentes. Logo que elas sejam apresentadas no Parlamento o PS vota a favor destas propostas e congratula-se com aquilo que é o seu bom sentido.
Neste mês e meio de liderança, Luís Montenegro tem procurado romper com o estilo de Rui Rio e reacender a chama de um novo PSD. Tem tido sucesso?
Acho que sim, a mensagem tem pensado. De facto, era isso de que precisávamos. O PSD tem que ser uma alternativa, não pode ser uma coisa cinzenta, nem carne nem peixe, não pode navegar com laivos de oposição num dia e laivos de coabitação com o Governo no outro, como aconteceu no passado.
Tem de haver uma alternativa consistente, é isso que a sociedade, as empresas e a economia querem. Essa alternativa tem que ser duradoura, sólida e tem de ter uma visão estratégica. Não podemos governar por um caso ou outro, pelo dia de amanhã, pelas capas dos jornais. Temos que ter uma visão a prazo. Governar um país é uma maratona, não pode ser um sprint ocasional em função de casos diversos e soltos.
Neste momento, o PSD tem uma visão estratégica, tem um conjunto sólido de pessoas que têm pensamento organizado e tem que haver propostas ousadas e credíveis. Penso que existe uma orientação que saiu do último congresso e acho que é esse o caminho. Os protagonistas e as principais vozes do PSD estão do mesmo lado.
Luís Montenegro é o líder do PSD que reúne melhores condições para uma viragem de ciclo em 2026?
Neste momento, isso é evidente. Haverá outro congresso do PSD antes das eleições legislativas, se elas forem na altura prevista, e acho que ninguém de bom senso dentro do PSD irá criar dificuldades ou divergências que sejam inadequadas. Pode haver diferenças de pensamento num caso ou outro em concreto, que é salutar da liberdade de pensamento e da inteligência de cada um. Mas naquilo que é estratégico e fundamental temos de estar no mesmo rumo.
Esse rumo está traçado e a coesão do partido é evidente. Luís Montenegro tem que ser o líder a apresentar às próximas eleições de uma forma consistente, clara e com ideia de as vencer. Não podemos ir às próximas eleições marcar presença de calendário. Temos que ir para vencer, porque o país está farto deste rame-rame em que temos vivido nestes últimos anos, com uma economia que não cresce, um Governo despesista, uma administração pública e uma Justiça que não funcionam e com casos na legislação do trabalho e outros como a subsídiodependência.
Alimentamos pessoas que manifestamente não querem trabalhar, alimentamos pessoas com rendimento social de inserção de uma forma perfeitamente descontrolada, que em alguns casos não trabalham nem querem trabalhar e pagamos impostos para isso tudo. Tem que haver credibilidade, uma atitude de responsabilidade. Para a economia crescer todos temos que fazer alguma coisa.
As europeias serão uma prova de fogo para ditar se Luís Montenegro chega a 2026 como líder do PSD?
Será um bom teste. No passado já tivemos essas circunstâncias de eleições europeias no intervalo das legislaturas. Desta vez assim vai acontecer também. Espero que seja de facto uma altura de afirmação porque o PSD para ganhar as legislativas tem de criar uma rampa de lançamento, um conjunto de bons resultados para uma trajetória ascendente e dar a volta à situação. Hoje a conjuntura política é diferente daquilo que foi no passado.
O PSD tem um espaço que de algum modo foi absorvido nas suas franjas por outros partidos, nomeadamente a Iniciativa Liberal e o Chega. Por isso é preciso falar com esse eleitorado e ir buscar eleitores que têm a maioria de votos. O CDS-PP tem expectativas difíceis. No passado foi um aliado fundamental. Neste momento só por si não chega, portanto é preciso que o PSD vá captar eleitores a outros partidos de uma franja que se alargou. Para ganhar eleições ter 30 a 35% não chega, temos que ir mais além e é isso que é preciso fazer.
É esperada uma renovação nas listas para as europeias?
Estou convencido que alguns dos atuais irão sair, por casos que não são os mais honrosos e é bom que isso se diga. Ter pessoas nos cargos de representação em Bruxelas que estão a braços com a Justiça e com dúvidas de exercício de funções anteriores não é bom nem é credível. Temos de ter um banho de ética a sério e não pode ser apenas retórico. Tem de ser coerente. Para as pessoas acreditarem e votarem têm que sentir que há pessoas sérias e honestas, não podem haver dúvidas de ética em relação a ninguém.
A maioria absoluta socialista ainda tem poucos meses e neste período já assistimos a vários episódios desde a crise nas urgências à desautorização do ministro Pedro Nuno Santos e agora, mais recentemente, o caso de Sérgio Figueiredo para consultor nas Finanças. Não seria de esperar que ao fim de sete anos a governação socialista tivesse amadurecido?
O Governo está cansado e está gasto. É praticamente o mesmo há sete anos, tirando uma ou outra alteração. É um Governo desgastado, com pessoas que não têm o mínimo de competência para o exercício das funções, como é o caso da ministra da Agricultura que é um descalabro cada vez que abre a boca. É uma pessoa que não galvaniza o setor da agricultura, arranja conflitos com as próprias entidades representativas do setor, diz coisas sem nexo.
Do ponto de vista técnico não tem o mínimo de formação e do ponto de vista político não tem o mínimo de força. Enrola aquilo que é preciso decidir, adia aquilo que podia ser tomado como decisão. É uma pessoa manifestamente incapaz. Depois, temos o caso da ministra da Saúde que está gasta, cansada e neste momento sem credibilidade para dar a volta à situação. Na Justiça temos uma ministra há pouco tempo mas que é a continuação da anterior.
Ou seja, arranjam pessoas da magistratura do Ministério Público ou da magistratura judicial, que são pessoas do aparelho, da corporação, que são os últimos a ter vontade de mudar o quer que seja. O Governo é constituído por pessoas manifestamente incapazes de fazer reformas. Isso é um evidência. Tem um conjunto de pessoas que não estão capazes de galvanizar, de transmitir confiança. O próprio Fernando Medina é um derrotado das eleições autárquicas. E fez-se de um derrotado um ministro das Finanças. Mas depois arranja estes casos esquisitos de favores a amigos que lhe retiram qualquer credibilidade.
Neste momento, apanha uma onda boa pois a inflação está a gerar receita fiscal e os cofres estão a encher. Mas não é por decisões dele. É por circunstâncias alheias e não são as melhores. A imagem que ele tem é de um derrotado eleitoral, numa eleição pessoal em Lisboa. Quando o PS estava em alta ele estava em contraciclo. Isso é prova de que não aprendeu a lição e não está obviamente capaz de exercer com consistência as funções de ministro das Finanças, porque este caso [Sérgio Figueiredo] já o deixa marcado. Por muitas voltas que dê, este caso não lhe sai de cima.
O Pedro Nuno Santos é outro caso. É alguém que tem ambições, quer ir longe e dá passos maiores que a perna. Arranjou aquela história do aeroporto, criando uma confusão total ao ponto de ser desautorizado pelo primeiro-ministro, que, aparentemente, não o demitiu, porque noutras circunstâncias tê-lo-ia demitido.
Ou seja, o Governo em vez de transmitir confiança, visão estratégica e ambição de futuro, arranja estes casos. Nas áreas que são fundamentais para fazer reformas não faz reforma nenhuma, porque as pessoas que lá estão são o exemplo do conservadorismo, do corporativismo ou da incompetência. O Governo não dá sinais de ter estratégia, um discurso de confiança, galvanizando a sociedade. Enrola-se e gasta dinheiro.
É um Governo despesista que tem uma onda de assessores e colaboradores. Veja-se o tamanho dos gabinetes e o próprio tamanho do Governo. Não sei como é que se consegue coordenar um Governo com tanto ministro e secretário de Estado que se atropelam uns aos outros. Confesso que há uns anos ainda sabia quem eram os ministros e os secretários de Estado, pois eram pessoas de referência e os Governos eram pequenos. Agora são tantos que passam anos em que não conheço quem são os secretários de Estado, pois são figuras perfeitamente desconhecidas.
Há serviços da Administração que são o caos. O Instituto de Emprego e Formação é uma vergonha. Arranjarem um subsídio de desemprego para a própria presidente é uma vergonha. E depois não funciona, arranja subsídios para pessoas que não querem trabalhar. Temos que recorrer a cidadãos estrangeiros para mão de obra. Ainda há dias foi uma missão daqui do Algarve para Marrocos à procura de mão de obra. Estamos todos os dias à procura de asiáticos para trabalhar na construção, na hotelaria, na agricultura.
E, entretanto, temos milhares de desempregados portugueses a ganhar subsídios de desemprego. Se quisermos mão de obra temos que ir a Marrocos, a Cabo Verde ou aos países asiáticos porque o IEFP é um antro de ineficácia. Alimenta com subsídios pessoas que manifestamente não querem trabalhar.
Considera que a dimensão da Administração faz com que António Costa não tenha mão dentro de casa?
A Administração Pública é cada vez mais numerosa. Aliás, bateu-se o recorde de funcionários públicos há uns meses, o que é algo incrível quando o país não cresce em população pelas razões demográficas que são conhecidas. Os serviços eletrónicos têm aumentado, todo o funcionário público tem um computador e tem aplicações para tudo e mais alguma coisa. De maneira que não se percebe que exista um número recorde de funcionários públicos quando há o tratamento online de muitas situações e quando a população portuguesa nem sequer está em crescimento.
Dá ideia que se alimentam favores, arranjam-se lugares na Administração para pessoas que não fazem nada. Na função privada trabalhamos 40 horas ou mais, na função pública trabalham menos de 35 horas, porque as 35 horas são no papel e depois na realidade são muito menos. Depois, os salários na função pública, de um modo geral, até são superiores ao que se paga no privado. E há um conjunto de regalias de faltas, férias, licenças e uma série de tretas que alimentam a ineficácia da Administração Pública.
O número de centenas de organismos e de comissões para tudo e mais alguma coisa, de serviço duplicado, é totalmente ineficaz. O Governo por definição constitucional é o garante do bom funcionamento da Administração Pública. É o órgão superior da Administração, mas, se o Governo não tem pessoas liderantes, bons gestores, eficazes, capazes de chamar à responsabilidade, a Administração Pública, por arrasto, é ineficaz e prima pela mediocridade. É o que acontece nos dias de hoje. Alguém que queira tratar de um assunto qualquer numa repartição pública passa horas em filas e não obtém respostas.
A Administração emperra o desenvolvimento, impede o investimento, queremos lançar projetos e ver aprovados investimentos e não conseguimos. Seja na administração central seja na local, porque nas câmaras municipais o enredo é semelhante. Hoje em dia para aprovar um projeto para uma pequena construção leva-se dois a três anos a subir e a descer escadas numa câmara municipal.
Este caos que existe na governação é danoso para o regular funcionamento das instituições democráticas?
Claro. Quando um Governo não funciona bem por consequência isso reflete-se automaticamente de modo descendente em todas as instituições. Se um ministro ou um secretário de Estado não é eficaz, não é responsável e não é exigente, os diretores-gerais também não o são. Se os diretores-gerais não sentem força de cima, os diretores de serviço e os chefes de divisões também não funcionam e entra-se no laxismo em cascata. Se não há ninguém de cima com exigências, com cumprimento de prazos, com antevisão de objetivos, por aí abaixo tudo descai.
Enquanto isso acontece, o país arde novamente. Não se aprendeu a lição de 2017?
Infelizmente, há uma desarticulação de várias entidades. Fazem-se relatórios atrás de relatórios e continuamos na mesma. Com suspeitas de que o SIRESP não funciona bem, com desarticulações entre aquilo que é a autoridade de proteção civil e os corpos de bombeiros, com a irresponsabilidade nas limpezas e nos tratamentos preventivos que têm de ser feitos. Depois, quando há uma situação de altas temperaturas, pouca humidade e muito vento, acontecem fogos aqui e acolá criminosos, um descontrolo total. A Justiça aparentemente é mole com os incendiários, porque eles são detetados, identificados e são levados a tribunal. Mas há uma atitude de moleza para com esses criminosos.
Não são punidos como deviam, para que isso se torne exemplar. A cadeia de funcionamento da prevenção e de combate aos fogos também mostra sinais de ineficácia. Tivemos Pedrógão, os incêndios de 2017, fizeram-se relatórios com bons conselhos, com medidas a corrigir. E, agora, temos a Serra da Estrela com um ministro a dizer mais uma vez que houve falhas. As falhas já foram tantas vezes apontadas e detetadas era tempo de as ter corrigido para que no plano operacional já se saiba o suficiente para não se cometer os mesmos erros.
A moldura penal para os incendiários devia ser aumentada?
Pelo menos, devia ser aplicada com mais consistência a moldura penal existente. Poderá não ser necessária mais moldura penal, mas deverá ser necessária maior equidade na aplicação das penas aos que são identificados. Aparentemente, há muitas tolerâncias. Há situações em que não há uma punição. Eu vejo o trabalho da GNR, que é um trabalho louvável, mas depois a própria GNR faz a entrega dos suspeitos e fica, por vezes, confiante no trabalho que é feito a seguir.
Que outras soluções podiam ser encontradas para prevenir calamidades como as que temos vindo a assistir na Serra da Estrela?
Uma aposta em mais prevenção, mais responsabilidade das organizações que têm a ver com a limpeza da floresta e da berma das estradas, a criação de linhas de corta-fogo. Tem que haver muito mais cuidado na prevenção, no tratamento da floresta em geral, para que depois, quando chega a altura do fogo, também as falhas operacionais que foram detetadas no passado sejam corrigidas. Existe uma evidente situação de mal-estar entre as autoridades públicas como a Proteção Civil e os corpos de bombeiros.
Devia haver uma correção estrutural da forma como tudo isto é dirigido. No passado havia comandantes de zona na área dos bombeiros e eram eles que lideravam o processo. Neste momento são os funcionários públicos de Carnaxide que superintendem e determinam como é que se devem organizar os bombeiros. Eu conheço casos aqui no Algarve de uma vergonha absoluta na maneira como os dirigentes da ANPC orientaram o combate a fogos. Situações de perfeita incompetência de quem se coloca num gabinete dentro de um camião a olhar para cenários por computador. Não acompanham o terreno, não fazem a vigia dos perímetros dos fogos, não têm pessoas bem posicionadas.
Há casos de áreas ardidas com carros de bombeiros próximos parados sem despejar um litro de água. Há, por vezes, nestes comandantes de Carnaxide a coordenação de fogos a partir de gabinetes de ar condicionados e ecrãs de computador. Isso não chega. É preciso que haja comandantes operacionais no terreno, com conhecimento efetivo e que a coordenação seja feita no mato e não de forma burocrática como às vezes acontece.
Qual a razão para essas situações acontecerem?
O Estado criou um mecanismo dos comandantes regionais e distritais que são muitas vezes entidades que não têm experiência de comando de bombeiros, nunca foram comandantes de bombeiros, não conhecem a realidade. Têm muita formação teórica e eletrónica, mas não têm conhecimento da realidade. Devia haver um papel preponderante dos bombeiros no combate aos fogos e não dos funcionários públicos de Carnaxide.
E na prevenção que outras medidas podiam ser pensadas?
Medidas que efectivassem melhor aquilo que é a gestão da floresta no seu sentido geral. As zonas de intervenção florestal, as áreas de paisagem integrada, o associativismo e a gestão do património tem que ser mais partilhado pelos privados. É preciso fazer avançar o processo do cadastro, criar mecanismos de gestão conjunta. Temos muito terreno abandonado e é o terreno abandonado que arde mais, pois não é ordenado, não é limpo.
Depois é necessário incentivar e fomentar os projetos que levem à limpeza. O abandono dos terrenos pode ser combatido com a criação de culturas mais adequadas e não monoculturas extensivas como têm sido feitas. A verdade é que a floresta não tem liderança política, salta entre a Agricultura e o Ambiente. E não tem uma liderança efetiva de articulação entre aquilo que é a floresta e a agricultura, o que é fundamental.
Atualmente, muitos agricultores são proprietários florestais, portanto, temos que ter uma tutela que sinta os nossos problemas, um Ministério da Agricultura que congregue a agricultura e a floresta de uma forma efetiva e com responsabilidade, com alguém que tenha visão à frente do ministério. O Partido Socialista no passado teve bons ministros da Agricultura, como António Serrano ou Capoulas Santos. Neste caso não têm, temos uma pessoa que não tem nada a ver com o setor.