O estado da arte e a arte do Estado

Assim, bem visto o que se passou esta semana nas eleições em Angola – com a vitória do MPLA mas com uma aproximação em flecha da UNITA, que teve já uma implantação esmagadora em Luanda –, é mesmo caso para trocar o Latim jurídico pelo Italiano de Giordano Bruno e reconhecer que aquilo que se…

Dizia-se nos bastidores há já muito tempo, praticamente desde o início do primeiro mandato de João Lourenço como Presidente de Angola, em 2017, que o MPLA e o seu líder teriam dois mandatos no poder – sendo que a reeleição, em 2022, ditaria já uma aproximação da UNITA – e que o movimento do Galo Negro tomará a Cidade Alta nas eleições que hão de seguir-se – em 2027 (sendo que, entretanto, hão de finalmente realizar-se eleições autárquicas).

Argumentava-se, aliás, que esse teria sido o compromisso assumido pelo próprio João Lourenço e pelo MPLA, com assentimento da UNITA, como condição sine qua non para a aprovação pelo FMI do Programa de Financiamento Ampliado (EFF) para Angola, em dezembro de 2018.

Ou seja, em linguagem corrente, já estaria tudo ‘combinado com os americanos’ e o mais seria uma questão de tempo, estando este devidamente balizado.

Assim, bem visto o que se passou esta semana nas eleições em Angola – com a vitória do MPLA mas com uma aproximação em flecha da UNITA, que teve já uma implantação esmagadora em Luanda –, é mesmo caso para trocar o Latim jurídico pelo Italiano de Giordano Bruno e reconhecer que aquilo que se dizia, afinal, se non è vero, è ben trovato.

Não vale pena, por isso, perder muito tempo com as denúncias de ‘chapeladas’ nas assembleias e nas mesas de voto, com resultados desvirtuados ou inquinados, com as atas ou o mais que houver. Nem andar a enganar o povo.

Angola está ainda num processo de transição para a democracia. Já esteve mais longe mas há de lá chegar.

Tentar estabelecer qualquer comparação ou paralelo  – como disparatadamente fez um ex-ministro do PSD enviado como observador português às eleições angolanas – com os regimes democráticos europeus ou ocidentais é pura fantasia.

Basta constatar que os dois principais partidos políticos são o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) – isto é, duas organizações criadas para a luta armada contra o imperialismo de Portugal na segunda metade do século passado. E Angola é independente há quase 47 anos e vive em paz há 20 – depois de meio século de guerra colonial (1961-1975) e civil (1975-2002), sendo que esta última opôs precisamente as tropas do Estado tomado pelo MPLA e as forças rebeldes controladas pela UNITA.

E todos os outros partidos estão no limbo da inexistência, uma vez que a lei angolana determina a extinção pelo Tribunal Constitucional das forças políticas sem expressão eleitoral – com menos de 0,5% dos votos num ato eleitoral nacional.

Face a Angola, Portugal continua a fazer como a avestruz e a enterrar a cabeça na areia.

Por exemplo, há praticamente um ano, no funeral com honras de Estado do ex-Presidente Jorge Sampaio, João Lourenço fez-se representar pelo seu vice-presidente Bornito de Sousa, que o Protocolo do Estado português sentou à direita do Rei de Espanha, Filipe VI, na cerimónia de última homenagem ao antigo chefe de Estado português, nos claustros dos Jerónimos.

Um ano volvido, no funeral do ex-Presidente de Angola José Eduardo dos Santos, Portugal far-se-á representar ao mais alto nível, mesmo com todas as polémicas que envolvem estas cerimónias fúnebres – que por isso não contam com a presença de todos os filhos do defunto, a quem também, e principalmente, João Lourenço se referiu como «marimbondos» (termo originário do quimbundo para designar ‘vespas assassinas’).

Ora, não só o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de marcar presença em Luanda, como se faz acompanhar do ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, assim demonstrando bem qual a posição oficial de Portugal, das instituições portuguesas e dos líderes políticos portugueses perante Angola do passado recente e do presente.

Enquanto isto, nas cerimónias da celebração do bicentenário da Independência do Brasil, na presença do coração de D. Pedro que a Força Aérea brasileira veio buscar ao Porto, o sempre tão contestado Presidente Jair Bolsonaro terminava a sua intervenção oficial com um «Viva Portugal! Viva o Brasil!».

E, em Lisboa, no MAAT (museu da Fundação EDP) uma tarja da autoria de um artista brasileiro fecha a exposição Expedições com a frase «NÃO FOI DESCOBRIMENTO FOI MATANÇA».

E é este o estado da nossa arte e a arte do nosso Estado. Em bom português, de cócoras. E não há Ipiranga deste lado do Atlântico.