Por Joana Mourão Carvalho e José Miguel Pires
As ameaças de ‘bomba atómica’ que Marcelo Rebelo de Sousa lançou na cerimónia oficial do 5 de Outubro não passaram, afinal, de tiros de pólvora seca. O chefe de Estado bem ‘piscou o olho’ à Oposição, recordando que «nada é eterno em democracia», nem mesmo os Governos, e que tem poder para dissolver a Assembleia da República, mesmo aquela que dá legitimidade a um Governo de maioria absoluta. Mas a direita não deu importância à mensagem, devolvendo com críticas à atuação (ou falta dela) do Presidente da República perante o ‘desgoverno’ socialista.
Numa altura em que a direita acusa o Executivo de António Costa de se apresentar «dividido, confuso, cheio de polémicas, cheio de contradições» e de estar «à deriva» e sem liderança – conforme apontou o próprio líder do PSD, Luís Montenegro –, há quem trace paralelismos com a queda do Governo PSD/CDS-PP liderado por Pedro Santana Lopes, em 2004, também ele de maioria absoluta. Na altura, Jorge Sampaio – que deu posse a Santana na sequência da demissão de José Manuel Durão Barroso, que trocou S. Bento por Bruxelas, para assumir a presidência da Comissão Europeia – dissolveu o Parlamento uns meses depois dada a instabilidade governativa que em muito se assemelha ao atual estado do Executivo socialista.
‘Alternativa sólida para 2026’, diz Hugo Soares
Contudo, nos principais partidos da Oposição, a crença é a de que a atual legislatura vai chegar ao fim, sem uma nova crise política. Não por esperarem menos tumultos no coração legislativo, mas sim pela complacência do chefe de Estado com o Executivo liderado por António Costa.
Ao Nascer do SOL, o secretário-geral do PSD considerou não ser «expectável» um desgaste tal do Governo «com tão pouco tempo», responsabilizando António Costa por ter perdido «toda a autoridade nos seus ministros» e por «usar a maioria absoluta como poder absoluto, considerando que pode tudo fazer». Para Hugo Soares, este é um Governo «descoordenado, de casos e polémicas e que demonstra total insensibilidade social». Ainda assim, o dirigente social-democrata enfatiza: «No entanto, este é um Governo com apoio de uma maioria absoluta e por isso a expectativa é que cumpra a legislatura».
Sobre a possibilidade de Marcelo imitar Jorge Sampaio, é perentório: «A essa pergunta só o Presidente da República pode responder».
Na ótica de Hugo Soares, o discurso na cerimónia evocativa do Dia da Implantação da República serviu apenas para exigir ao Governo «uma coisa simples: que governe». Desvalorizando as ameaças de ‘bomba atómica’, os sociais-democratas preferem ‘deixar a casa arder’ e preparar uma alternativa sólida com novos protagonistas para 2026, mas até lá querem um Executivo que mude de políticas e que seja «capaz de executar um projeto político que resolva a falência dos serviços públicos, que olhe para a carestia de vida de muitos portugueses» e que abrace o grande desafio de fazer «as transformações estruturais capazes de preparar Portugal para um ciclo alargado de crescimento sustentável».
Na mesma onda, a Iniciativa Liberal (IL) também aponta muitas falhas à gestão socialista. Contudo, vê igualmente responsabilidades em Belém.
Em declarações ao Nascer do SOL, o líder parlamentar da IL classifica estes primeiros seis meses como tendo sido «desastrosos». «Um desastre na gestão dos serviços públicos, sobretudo na saúde, educação, Segurança Social e nas áreas de soberania», começa por enumerar Rodrigo Saraiva, mas também «um desastre na resposta à inflação e à perda de poder de compra dos portugueses», bem como «dentro do próprio Executivo, com casos de incompatibilidades, suspeitas de favorecimentos a familiares de governantes e ministros a serem desautorizados».
Presidente é inconsequente, afirma Rodrigo Saraiva
Tudo ‘casos e casinhos’ com o alto patrocínio de Marcelo Rebelo de Sousa, argumenta o deputado liberal, para quem «o Presidente da República tem sido um porto de abrigo para o desgoverno socialista» e «inconsequente com todos os avisos que fez».
Rodrigo Saraiva vai mais longe: «Há um provérbio que diz que quem cala consente, mas no caso do Presidente da República aplica-se outra máxima: a de que quem fala consente. O PS considera-se dono disto tudo porque sente que há um vazio em Belém».
Quase em discurso direto dirigido ao Presidente da República, a Iniciativa Liberal, pela voz do seu líder parlamentar, incita Marcelo Rebelo de Sousa a «ter uma postura muito mais vigilante e interventiva em relação a um PS que não tem qualquer pudor em transformar uma maioria absoluta em abuso absoluto», ecoando as mesmas críticas de Hugo Soares.
Por isso, o liberal defende que o chefe de Estado deve «assumir o seu papel de garantir o funcionamento regular das instituições», que ficará «prejudicado» se «houver uma persistência desta descoordenação e degradação». Ou então se, por outro lado, «continuarmos a assistir a evidências de que este Governo não aceita a divergência e o desafio democrático».
Este é um pedido que vai ao encontro dos próprios avisos de Marcelo na passada quarta-feira: «Sabemos como erros, omissões, incompetências e ineficácias da democracia a fragilizam e a matam». Aliás, o Presidente já tinha dado força às críticas da direita nessa mesma intervenção, onde fez das palavras de Carlos Moedas suas, enaltecendo o papel saudável da oposição para que a democracia funcione.
O Nascer do SOL procurou obter comentários do Chega, mas não foi possível ter resposta até à hora de fecho desta edição.
Não só da direita, no entanto, vieram as críticas ao Executivo de António Costa, já que, se os antigos parceiros de ‘geringonça’ não se pronunciam sobre uma eventual dissolução do Parlamento, ainda assim há quem não deixe de lançar as suas farpas ao Governo socialista.
Se às perguntas do Nascer do SOL o Bloco de Esquerda respondeu com silêncio, já o PCP preferiu apontar os consecutivos erros da governação, acusando os socialistas de se vergarem aos interesses do grande capital e de convergirem à direita.
Os comunistas argumentam que «a verdade é que a atual governação do PS é marcada pela sistemática recusa nas respostas aos problemas que afetam os trabalhadores, o povo e o país». Isto ao mesmo tempo que «não enfrenta os interesses dos grupos económicos, numa atitude de total subserviência».
O PCP começa por apontar o dedo à recusa do Governo em «repor poder de compra perdido pelos salários e pelas pensões e a sua valorização», em «controlar e fixar os preços bem como tributar os lucros dos grupos económicos» e «adotar soluções para contratar e fixar profissionais de saúde no SNS».
Opções estas que dizem estar «ao serviço do grande capital que convergem com as do PSD, IL e Chega» a quem os comunistas atribuem responsabilidades «pelo agravamento das condições económicas e sociais, conduzindo os trabalhadores e o povo ao empobrecimento». «As opções políticas do PS são indissociáveis da forma como decorrerá a legislatura, sendo que o essencial é responder aos problemas e assegurar o desenvolvimento do país», atiram, sem mencionar em momento algum a possibilidade de o Governo cair antes do tempo.