O primeiro-ministro deu o peito às balas para defender publicamente o Presidente da República, e o PS, pela voz de Carlos César, colocou-se ao lado de António Costa, manifestando «solidariedade face ao conjunto de apreciações negativas» feitas sobre as polémicas declarações de Marcelo Rebelo Sousa a propósito do número de queixas que chegaram à Comissão Independente que investiga os abusos sexuais na Igreja. Mas esta proteção não colheu o consenso de todos os socialistas, especialmente na ala mais à esquerda do partido.
Logo na terça-feira, após o chefe de Estado ter dito que 400 denúncias não lhe parecia um número «particularmente elevado», a deputada socialista Isabel Moreira resumiu numa só palavra a afirmação de Marcelo Rebelo de Sousa: «Inaceitável». A mesma palavra seria utilizada por Costa, mas desta vez para atacar quem tinha feito uma «interpretação inaceitável» das declarações do Presidente, a quem, na sua ótica, era devido um pedido de desculpas.
Essa posição foi contrariada não só por Isabel Moreira, mas também pelo o vice-presidente do grupo parlamentar do PS Pedro Delgado Alves. «Não acho que as pessoas que criticaram o Presidente da República lhe devam um pedido de desculpas», respondeu Delgado Alves em declarações ao Observador. Ao Nascer do SOL, o deputado socialista rejeitou que houvesse uma ‘discordância’ dentro do partido, mas admitiu a possibilidade de haver «opiniões diferentes sobre um tema que é individual». «Não é um tema político em que o partido tenha uma posição. Cada um interpreta as declarações do Presidente da República de uma determinada maneira».
No momento já considerado por muitos como o mais negro do mandato de Marcelo Rebelo de Sousa, Costa saiu em sua defesa, algo que aos olhos de Alberto Gonçalves, «à primeira vista, podia parecer gratidão pelas inúmeras vezes em que o Presidente saiu em defesa do primeiro-ministro e do Governo». Contudo, o chefe do Executivo não dá ponto sem nó e, segundo o sociólogo, esta foi, da parte do habilidoso líder socialista, «mais uma maneira de meter Marcelo Rebelo de Sousa no bolso». «É mais uma forma de Costa dizer ao Presidente ‘estás-me a dever uma’. Por uma vez, Marcelo fica devedor de António Costa», atira em declarações ao Nascer do SOL.
Criticado por todos
Na TSF, também Pedro Santana Lopes considerou que a cadência de declarações do Presidente Marcelo tem dado «asneira». «Fala muito, demais (…) a propósito de tudo (…) e prejudica o funcionamento das instituições, do sistema político e da democracia», lamentou o autarca da Figueira da Foz.
Por seu lado, Alberto Gonçalves diz que a mais alta figura do Estado «fala demais sobre o que não devia falar e às vezes está calado quando devia falar».
«O Presidente da República devia ter um papel de influência pelo menos e essa influência no caso de Marcelo Rebelo de Sousa é absolutamente nula, porque quando acha que as matérias podem ser polémicas ou podem desagradar à maioria da população não toca nelas. Mas em certos assuntos sobre os quais não devia falar, já fala. Depois há o folclore, das selfies, a que já estamos habituados», descreve.
Apesar de admitir que em questões ligadas à Igreja a faceta católica de Marcelo possa estar a interferir nos seus juízos, acredita que o problema do Presidente não é ser católico: «Não podemos culpar o catolicismo pela sua presidência absolutamente desastrada». «O problema do professor Marcelo não é uma questão apenas ligada à idade ou a algum declínio da sua saúde. Desde que é Presidente, não vejo que o seu comportamento se tenha particularmente agravado, acho que é grave desde o início. O seu comportamento é irresponsável e desvaloriza a função presidencial desde a primeira hora», sublinha.
Depois de ter pedido desculpa às vítimas que «porventura» se sentiram ofendidas com as suas palavras, o Presidente fez questão de deixar o aviso aos seus críticos de que não se vai fechar em Belém – como titulou o Expresso.
«Dada a sua fobia da impopularidade, parece que está a tentar de tudo para se manter à tona enquanto Presidente. Sente esta necessidade de dizer que não vai desaparecer, que ainda está vivo». Esta é a leitura de Alberto Gonçalves, que calcula que, «se Marcelo perder o seu lado folclórico, das selfies e dos afetos, a sua presidência até ao fim desaparece».
Apanhado debaixo de fogo, o Presidente foi alvo de críticas que se estenderam a todos os quadrantes políticos. Ao Nascer do SOL, o presidente do Chega também acompanha a opinião de Santana Lopes, considerando que a atuação de Marcelo «tem-se pautado por constantes intervenções sobre os mais variados temas, o que acaba por banalizar a palavra do Presidente e retirar força aquela que devia ser uma voz de autoridade e, ao mesmo tempo, de firmeza e de estabilidade». «Esta necessidade constante de intervir a todo o momento sobre tudo, acaba por se virar contra o próprio, como se viu no recente caso das declarações sobre os abusos na Igreja», acrescenta.
Colocando-se ao lado do chefe de Estado como assumidamente católico, André Ventura rejeita que a fé esteja a toldar as posições do Presidente. «Aliás, as palavras de Marcelo Rebelo de Sousa acabaram mesmo por prejudicar a Igreja, que julgo ser a primeira interessada em investigar e esclarecer todos os casos de abusos sexuais».
Já Carlos Guimarães Pinto (IL) alinha mais pela perspetiva de Alberto Gonçalves, reforçando que o problema não é tanto o quanto fala, mas o conteúdo daquilo que muitas vezes diz «Não me parece que se possa dizer que fala demais. Mas por vezes diz coisas altamente criticáveis como foi o caso». Ao contrário de Ventura, o liberal não tem dúvidas de que o catolicismo do Presidente tem afetado «consciente ou inconscientemente» a sua atuação. «E, sabendo desse viés, talvez fizesse sentido ter algum cuidado», aconselha.