Por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto
A relação entre o Presidente da República e o primeiro-ministro foi de um prolongado namoro durante o primeiro mandato de Marcelo Rebelo de Sousa em Belém, mas parece ter-se transformado num casa e descasa intermitente neste segundo mandato e particularmente desde que o PS chegou à maioria absoluta. E Marcelo Rebelo puxou as orelhas à ministra da Coesão Territorial, garantindo que estará «muito atento» e não a perdoará caso descubra que a taxa de execução dos fundos europeus não é aquela que acha que deve ser.
Ana Abrunhosa disse apenas: «Partilhamos totalmente da preocupação e da pressão do senhor Presidente da República [PR]. O senhor Presidente, por diversas vezes, transmite [a sua opinião] em privado e em público. Desta vez, teve maior visibilidade». E lembrou: «Estamos num momento em que temos recursos financeiros à nossa disposição, muitos recursos financeiros, mas todos também sabemos, e não é só no nosso país que o setor da construção é um setor onde os preços aumentam todas as semanas, muitas das vezes os concursos ficam desertos, portanto, a execução dos projetos demora mais do que aquilo que desejamos».
No entanto, a crítica de Marcelo foi dias mais tarde foi subscrita por Mário Centeno, ao afirmar que «a percentagem de investimento financiada por fundos europeus continua a ser dramaticamente baixa. Menos de 20% do investimento público total é financiado por fundos europeus, o que quer dizer que mais de 80% é financiado com os impostos pagos pelos portugueses».
De acordo com o governador do Banco de Portugal, « a taxa de execução do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]tem estado muito abaixo do previsto, prejudicada, também, pela inflação do custo dos projetos. Para 2023, espera-se que a prossecução das reformas no âmbito do PRR venha acelerar a utilização efetiva e eficaz dos fundos e a potenciar o investimento».
Alertas que levaram o primeiro-ministro a manifestar-se tranquilo em relação ao ritmo de execução do PRR, garantindo que quem tem responsabilidades executivas deve cumprir o plano sem ansiedades e sem preocupação de alimentar noticiários, já depois de se ter referido aos «momentos de criatividade» do chefe de Estado, que «ninguém leva a mal». Logo a seguir foi a vez do ministro das Finanças afiançar que o « Governo está coletivamente empenhado em ter uma boa execução dos fundos comunitários». Fernando Medina afirmou ainda que estava convicto de que o Plano de Recuperação e Resiliência será cumprido no calendário previsto, até 2026.
De acordo com os últimos dados divulgados, dos 16,6 mil milhões foram apenas pagos 6%, o equivalente a pouco mais de mil euros (ver infografia).
E esta fraca execução do PRR tem sido alvo de fortes críticas por várias entidades empresariais ao Nascer do SOL. Luís Miguel Ribeiro já considerou que, «desde o início, a AEP demonstrou elevada preocupação pela baixa alocação do PRR às empresas». «A alocação direta é de apenas cerca de um terço», acrescentou, lembrando ainda que «os dados parecem demonstrar, de forma objetiva, que as vozes críticas têm razão de ser».
No entanto, para o presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), o problema do programa está, sobretudo, relacionado com a sua implementação e execução e não com os prazos de pagamento. Mas deixou críticas aos preços base dos concursos, alegando que têm de ser ajustados.
Efacec, o calcanhar de Aquiles
A Efacec é uma das maiores beneficiárias do PRR nas agendas mobilizadoras. No entanto, como Bruxelas travou o processo de venda e a empresa ainda é do Estado, os projetos a que está associada não poderão ser aprovados, para que não possam ser consideradas ajudas do Estado.
Segundo os dados do Governo, a empresa lidera dois consórcios com um total de 130 entidades, nomeadamente as Agendas ‘Aliança para a Transição Energética’ e ‘H2DRIVEN Green Agenda’.
Com o total de investimento destas duas agendas a ultrapassar os 650 milhões de euros, a Efacec é responsável por 85 milhões de euros, o que traduz 1,1 % do total de investimento das 51 agendas pré-selecionadas.
O Governo detalha ainda que, em concreto, o grupo DST – que desistiu de comprar a Efacec – lidera dois consórcios, as Agendas ‘NGS – New Generation Storage’ e ‘R2UTechnologies – modular systems’.
Ainda esta semana, o ministro da economia, António Costa Silva, falou sobre o futuro da empresa, garantindo que tudo fará para que o Estado seja ressarcido do valor investido, mas sem garantias. «Vamos fazer tudo para isso acontecer [garantia de reembolso do Estado]», disse o ministro no Parlamento numa audição sobre o Orçamento do Estado para 2023.
Numa altura em que a Efacec volta ao início do processo de venda, o governante informou também que «alguns dos interessados são nacionais e outros são internacionais», garantindo que o Governo pensa «que são fiáveis». E disse que das companhias nacionais e internacionais com quem o Governo está a falar «algumas têm uma convergência estratégica com o modelo de negócio da Efacec e as suas valências». «Se isso for conseguido, esta situação menos boa da companhia pode ser ultrapassada». No entanto, disse: «Mas não posso dar nenhuma garantia».
E deu números. Até ao momento, o Governo português já contribuiu com 165 milhões para manter a Efacec em funcionamento. Desse valor, 50 milhões dizem respeito ao processo de venda e 115 milhões de euros são garantias em empréstimos à banca.
Ainda assim, não garante uma solução rápida no que diz respeito ao futuro da empresa, lembrando que «a Efacec é uma grande preocupação» e que tem «valências técnicas e não podemos esquecer que tem dois mil trabalhadores».
A promessa de tentar encontrar uma solução para a empresa foi dada e deixada ainda a garantia que o Governo esteve «até à última da hora a fazer todas as diligências possíveis para a venda funcionar mas infelizmente a articulação com a Comissão Europeia impediu que isso fosse feito nesta altura». É que, avisou, «o problema é complexo».
Recorde-se que foi a 28 de outubro que o Governo anunciou que a venda da Efacec ao grupo DST não foi concluída por não se terem verificado «todas as condições necessárias» à concretização do acordo de alienação.
Sobre o PRR, o governante deixou o compromisso: «O nosso empenho na execução dos fundos é total, há uma grande coesão no Governo, é uma das grandes tarefas que nos cabe. Portugal estava habituado a executar cerca de 2.500 a 3.000 milhões de euros por ano, nós vamos ter mais do dobro agora e, portanto, exige de todos nós empenho».