Fôlego orçamental permite medidas

Défice em 2022 foi melhor do que o esperado pelo Governo, que não poupou tempo em apresentar medidas para combater a inflação. Um dos mais mediáticos foi o cabaz de compras.

por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto

O comportamento da economia portuguesa tem vindo a superar tudo e todos, incluindo o Governo. E o resultado está à vista: o défice das administrações públicas, em contabilidade nacional, caiu para 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2022, abaixo da meta oficial do Governo, depois de ter ficado nos 2,9% em 2021, divulgou o Instituto Nacional de Estatística (INE). E este resultado levou o Governo a avançar com medidas de apoio para combater a inflação na ordem dos 600 milhões de euros. E, por isso mesmo, o ministro das Finanças afirmou: «As contas certas permitem-nos tomar as boas medidas» e, de acordo com Fernando Medina, estes dados permitiram ao Executivo «poder agir e decidir». 

O governante já veio afirmar que o Governo distribuiu toda a receita fiscal que arrecadou a mais no ano passado. Em causa estão mais de oito mil milhões de euros que o Estado recebeu a mais em receita fiscal no ano passado. E, em entrevista à RTP, acredita que esta isenção «vai parar» ao bolso dos portugueses. 

E em relação à mudança de ideias, já que Fernando Medina, até aqui afasta a ideia de baixar a carga fiscal esclareceu que antes existia um «risco real» de, mesmo sem IVA, os produtos não baixassem de preço e, por isso mesmo, estava contra a medida que agora avançou.

O caso mais emblemático diz respeito ao cabaz alimentar, em que foram apresentados 44 produtos que vão ter IVA a 0%, um programa que vai custar 400 milhões de euros (ver lista ao lado). Estes resultaram de uma lista enviada pelo Ministério da Saúde, que de acordo com roda dos alimentos permitem uma alimentação saudável, variando em função da idade de cada um e de outra lista enviada pela grande distribuição com os bens mais consumidos. «No cruzamento das duas listas, foi desenhado este cabaz», disse António da Costa na apresentação da assinatura do acordo entre a CAP e a APED, que recorreu a provérbios para explicar a atual situação: «Em casa onde há inflação, todos ralham e todos têm a sua parte da razão».

De acordo com as contas de Fernando Medina, «a poupança que reverterá para uma família num cabaz de 100 euros, por mês, será de 12 euros», lembrando ainda que o objetivo do IVA de 0% é baixar e estabilizar preços, mas reconheceu que tal descida só vai acontecer com alguns produtos, pois outros «não vão regressar aos preços anteriores». 

Um programa que não convence os economistas ouvidos pelo nosso jornal. João César das Neves reconhece que se trata de um pacote que terá algum efeito, mas com efeito limitado. «Trata-se de benefícios pontuais para combater uma perda que é contínua, pelo que se esgota rapidamente». E deixa ainda outras críticas: «Não se centra apenas nos pobres, que são aqueles que merecem apoio, mas satisfaz clientelas e dispersa os esforços».

O economista chama ainda a atenção para o facto de a descida ser pequena, porque a taxa é reduzida e acontece, num momento, em que os preços vão continuar a subir.

Já Luís Aguiar-Conraria afirma que «Portugal é suficientemente pobre para que qualquer ajuda que seja dada, as pessoas ficam bastante mal na mesma» e critica a forma de apoio que é dado, em que há uma aposta na redução do IVA, em vez de o Governo ter avançado com um apoio direto às famílias. «Em vez de dar apoios na ordem dos 600 milhões preferia que dessa essa verba de outra forma e o problema da redução do IVA tem outra agravante que é o facto de ter escolhido os produtos que iriam ser alvo ou não de uma redução».

Para o economista estamos perante um Governo que está a definir «a comida dos pobrezinhos», o que no seu entender, «é uma coisa ridícula» e revela «um paternalismo tremendo», além de estar a ajudar pessoas que não precisam. Daí defender que «seria preferível ter optado pelo apoio direto» aos consumidores ou pela redução dos escalões do IRS, o que se traduziria automaticamente num aumento do rendimento mensal. 

Pedro Ferraz da Costa entende estas medidas com a necessidade do Governo estar a ser pressionado para fazer qualquer coisa, mas lembra que «o grande problema do nosso país é a grande vulnerabilidade de uma grande parte da população portuguesa, em que cerca de 30 ou 40% vivem em risco de pobreza e há outros em pobreza extrema». E acrescenta: «É um problema que arrastamos há dezenas de anos e tendo em conta o peso da vulnerabilidade, qualquer coisa que corre pior aumenta a percentagem dos que estão em risco de pobreza».

Produtores compensados
Apesar de o Governo compensar os produtores na ordem dos 200 milhões de euros, o secretário-geral da CAP disse ao nosso normal que estas ajudas já vêm tarde. «Não nos podemos esquecer que a inflação no cabaz alimentar foi de 20%, mas a inflação no setor agrícola relativa aos custos de produção foi de 36%», referiu ao nosso jornal. Para Luís Mira são medidas «que o Governo toma para ganhar popularidade, pensam mais nisso no que na sua efetividade. E como se diz no futebol estão a correr atrás do prejuízo. Todos os países, Espanha, Polónia, entre outros, diminuíram no IVA no ano passado»

E diz que é preciso ter cuidado com a expectativa que se está a criar relativamente à descida dos preços. «É importante para a produção, mas face àquilo que é o valor e o custo da produção nacional é uma pequeníssima parte e – o IVA que é uma coisa mais substancial –, mesmo que vá fazer compras no valor de 20 euros vai pagar menos 1,20 euros».

Vulneráveis abrangidos
Neste pacote está também incluídas as famílias mais vulneráveis que irão receber mais 30 euros por mês. O valor será pago ao longo deste ano, de forma automática e trimestral irá abranger três milhões de pessoas e um milhão de agregados familiares. Isto significa, de acordo com a ministra Ana Mendes Godinho, que o primeiro valor a ser pago será em abril, depois em junho, agosto e novembro.

Já o complemento extraordinário até ao quarto escalão do abono de família vai traduzir-se em 180 euros anuais, e chegará a 1,1 milhões de crianças. Também será pago trimestralmente, com a primeira prestação a chegar em maio, com o abono, depois em junho, agosto e novembro. No total, um casal com dois filhos que recebe abono de família poderá receber até 720 euros. 

A medida irá custar ao Estado 580 milhões de euros.

Função pública valorizada
Os funcionários públicos serão também abrangidos por estas medidas, na ordem de 1%. Mariana Vieira da Silva disse que o Governo decidiu atualizar o acordo que foi assinado em outubro. Assim, a massa salarial passa de ter um aumento de 5,1% em 2023 para uma subida de 6,3% face ao ano anterior, com a despesa total na ordem dos 1.624 milhões de euros.

A ministra da Presidência deixou exemplos: um trabalhador na primeira posição de assistente operacional vai receber um aumento de 25,22 euros mensais, dos quais 17,6 euros são do subsídio de refeição e 7,62 euros da subida da remuneração ilíquida.

Outro exemplo é um trabalhador da primeira posição de técnico superior que contará com um aumento de 30,80 euros: 17,6 euros do subsídio de refeição mais 13,2 do aumento salarial.

De acordo com a Frente Comum, estuda subida é «insuficiente» e representa «uma absoluta miséria», uma vez que, de acordo com as suas contas, representa 25 cêntimos por dia para os trabalhadores na base.

De acordo com a estrutura sindical, esta proposta «não resolve», já que poupa cerca de quatro anos de progressão, mas em algumas carreiras pode demorar mais de 100 anos a chegar ao topo, diz, pela forma como está desenhado o sistema de avaliação.