por Raquel Abecasis
Os socialistas entraram numa nova fase depois da semana horribilis que culminou com o Presidente da República e o primeiro-ministro de costas voltadas. Ao contrário do que a direção do PS desejava, os ânimos não acalmaram e, apesar de se reconhecer que, ao bater o pé a Marcelo, António Costa ganhou terreno, também é reconhecido por todos, até os mais próximos do chefe do Governo, que manter João Galamba no Executivo é uma bomba-relógio prestes a explodir. Depois de na última edição do Nascer do SOL ter dado conta, de acordo com fonte bem sustentada, de movimentações de Francisco Assis e Sérgio Sousa Pinto no sentido de um dos dois poder vir a disputar a liderança do partido, o presidente do Conselho Económico e Social veio desmentir numa entrevista à RTP que essa possibilidade estivesse em cima da mesa. «Eu e o Sérgio até nos rimos quando vimos a notícia», afirmou. Mas o que é certo é que os sinais são contraditórios e o clima que se vive entre os socialistas é de «alinhamentos e realinhamentos», porque há a sensação de que o ciclo de António Costa está a terminar. Não terá sido por acaso que esta foi a semana escolhida por António José Seguro para, à boleia de um debate do dia da Europa, vir dizer: «Quando olho para o país fico perplexo, os portugueses merecem melhor». E na mesma sessão o ex-secretário-geral dos socialistas, perguntado sobre o seu futuro político, afirmou que não diz «nunca jamais em tempo algum». E não passou também despercebido o momento escolhido por Francisco Assis para conceder uma entrevista à RTP, onde fez a sua leitura sobre a manutenção de Galamba no Governo: «Foi uma decisão instrumental que o primeiro-ministro usou para se impor ao Presidente», concluindo que o ministro das Infraestruturas terá mesmo de abandonar o Executivo.
Remodelação à vista
Ao contrário do que se poderia pensar, a hipótese de uma remodelação para muito breve não está afastada. Fontes bem colocadas ouvidas pelo Nascer de SOL viram na entrevista de Francisco Assis à RTP não só o reabrir da porta para a saída de João Galamba, agora por iniciativa do primeiro-ministro, mas também e ao mesmo tempo uma remodelação mais profunda.
Depois do embate com Belém, a máquina socialista quer voltar a ganhar iniciativa política, mas sabe que isso é muito difícil com o Governo desgastado e com o fantasma da TAP e do SIS à espreita. Daí terem surgido ordens para acelerar ao máximo os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito, facto que, fontes socialistas ouvidas pelo SOL, dizem estar associado à demissão de Jorge Seguro Sanches, que esta quarta-feira resignou ao lugar de presidente da comissão que também decidiu abandonar. Segundo as nossas fontes, o argumento invocado, de suspeitas sobre a sua seriedade, terá sido um pretexto para o deputado socialista se afastar de uma comissão em que o PS e o Governo querem ter muito mais controlo. Mas a grande expetativa neste momento concentra-se numa remodelação, que socialistas ouvidos por nós acham que pode estar iminente. Para além de João Galamba, outros ministros podem estar de saída e, ao que foi referido ao nosso jornal, há alguns autarcas socialistas em fim de mandato que podem estar na calha para integrarem o Governo: «Há movimentações e mesmo a aceleração de algumas agendas autárquicas que indiciam mudanças eminentes».
Na praça publica, algumas vozes, como a do presidente do PS, insistem nas virtudes de uma remodelação que poderia virar a página da atual situação política e mesmo aligeirar acusações na sequência dos próximos episódios do caso TAP. Com João Galamba fora do Governo será mais fácil lidar com as audições mais polémicas em sede de Comissão de Inquérito e também com o apuramento de responsabilidades na inusitada intervenção do SIS no episódio do adjunto do ministro das Infraestruturas.
Marcelo e Costa marcam terreno depois do choque
A tensão entre os dois mais altos representantes do país não só não baixou, como se fez notar fora de portas, onde os cuidados e a sintonia institucional são ainda mais importantes. O primeiro encontro pessoal entre Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa ocorreu na passada terça-feira em Espanha, onde os dois participaram na entrega do Prémio Carlos V a António Guterres. A cerimónia, em que o Presidente português discursou, fazendo o elogio de Guterres como vulto internacional, mas também fazendo recurso ao seu percurso político no país, vendo nele sinais de boa governação que lançaram Guterres numa fulgurante carreira internacional, serviu para Marcelo sublinhar os benefícios de outros tempos de governação socialista.
Mas o conflito institucional viria a tornar-se visível num passeio pelos jardins do mosteiro onde decorreu a cerimónia. Durante uma aparente caminhada descontraída encabeçada pelo Rei de Espanha e o Presidente português, António costa aproveitou uma paragem para tomar a dianteira do grupo e iniciar uma conversa com Filipe VI, tomando o lugar de Marcelo. O Presidente optou então por se deixar ficar para trás com António Guterres, facto notado pelo Rei espanhol que insistentemente ficou à espera do chefe de Estado português. O episódio não passou despercebido à imprensa portuguesa, que logo questionou o Presidente. Resposta: «Não me perguntem, vocês viram as imagens, portanto sabem o que se passou».
De Espanha para Estrasburgo o Presidente deu mais um passo. Aproveitando a presença no Parlamento Europeu, onde discursou, Marcelo sublinhou por mais de uma vez o peso de Portugal nas instâncias europeias. Lembrando que no próximo ano se decidem os mais altos cargos das instituições europeias, não terá sido por acaso que o Presidente da República associou à ocasião o prestígio do primeiro-ministro português em Bruxelas e, coincidência ou não, apenas mencionou o lugar para o Conselho Europeu, que como noticiámos é o lugar mais provável a vir a ser ocupado pelos socialistas. As declarações de Marcelo nesta nova fase das relações institucionais foram lidas como um óbvio e direto empurrão a António Costa para o famoso cargo europeu. Até porque, questionado pelos jornalistas ainda no Parlamento Europeu, remeteu para o que disse na tomada de posse deste Governo: se Costa for para a Europa, há eleições antecipadas.
Na política caseira também se sentiu a mudança de tom, logo na segunda-feira, com o Presidente a promulgar, com comentários, o diploma sobre a vinculação de professores. Marcelo sabe que o tema não é pacífico e fez questão de se demarcar da opção política, acusando o Governo de não ter aceitado as sugestões de Belém para melhorar o diploma e deixando recados ao ministro da Educação. O decreto-lei não é bom, mas, diz Marcelo, a promulgação deve ser seguida de entendimentos com os professores de forma a evitar mais um ano letivo atribulado. Está tudo dito.