Montenegro escreve carta a Costa

O líder da Oposição escreveu uma carta ao PM em que não deixa margem para dúvidas: ou há demissões no Governo e nas ‘Secretas’ ou quebra-se um consenso de quase 50 anos e o PSD deixa de partilhar com o PS a confiança nos Serviços de Informação. Uma cópia da carta seguiu para Belém.

por Raquel Abecasis

Luís Montenegro considera que a audição de Mendonça Mendes, esta semana, no Parlamento foi a gota que fez transbordar a água do copo. O secretário  de Estado adjunto do primeiro-ministro não caucionou no Parlamento a versão de João Galamba e garantiu que não foi ele quem sugeriu ao ministro das Infraestruturas que informasse o SIS. Logo a seguir à audição de Mendonça Mendes, o PSD_fez saber que iria solicitar em sede de comissão de inquérito a intervenção do Ministério Público, já que, considera o PSD, João Galamba mentiu e isso é considerado perjúrio numa comissão de inquérito parlamentar.

Mas, desta vez, Montenegro considera que a ação não deve ficar só a cargo do Grupo Parlamentar. O líder do PSD qualifica  o que se está a passar como suficientemente grave para formalizar uma série de avisos que tem vindo a fazer. E o principal e mais grave de todos é a ameaça do fim do consenso entre PS e PSD em matéria de Serviços de Informações. Logo que os factos ocorridos no Ministério de João Galamba  foram conhecidos, o líder do PSD abriu a porta a uma rotura, como o Nascer do SOL noticiou. Agora,  formaliza a ameaça: «V. Exª pode teimar em manter tudo na mesma. É até o mais provável face à promiscuidade que, neste caso, existiu entre o Governo e os Serviços de informações. Mas nessa circunstância, quebra-se a regra política segundo a qual os dirigentes destes Serviços beneficiam simultaneamente da confiança do Governo e do principal partido da oposição», pode ler-se na carta enviada ao primeiro-ministro nas últimas horas – e à qual o Nascer do SOL teve acesso.

Na missiva, Montenegro volta a exigir a demissão de João Galamba e da secretária-geral do SIRP e avança que o PSD vai apresentar um novo modelo de fiscalização dos serviços de informação. «Houve abuso na relação que o Governo teve com os Serviços de Informaçôes, solicitando, na prática, que estes tivessem uma intervenção na questão do computador», pode ler-se na carta enviada por Montenegro. Tendo em conta esse facto, adianta o líder social-democrata, «quero informar V. Exª que tomaremos todas as deligências possíveis para uma mais exigente fiscalização da ação dos Serviços de informações. Em particular iremos propor oportunamente a mudança do regime de fiscalização parlamentar destes Serviços, de molde a torná-lo mais transparente e eficaz».

O líder laranja aproveita também para reforçar a necessidade de que este episódio tenha consequências internas no serviço que, de acordo com Montenegro, agiu fora da lei: «A intervenção do SIRP/SIS, não tem cabimento, não tem sentido, não tem base legal. Por isso os Serviços deveriam ter-se abstido de intervir. Tendo feito o contrário,não podem deixar de ser tiradas as devidas consequências. E a primeira, e inevitável, é a demissão da maior responsável pelos Serviços de Informações: a Secretária-Geral do SIRP».

Na carta, de duas páginas, enviada para São Bento, Luís Montenegro carrega nas tintas, considerando inadmissível a ausência de consequências em todo este caso. O líder laranja nota que é o próprio primeiro-ministro que descreve o sucedido na noite de 26 de Abril como um «roubo», pelo que, considera Montenegro, é o próprio António Costa que usa o termo que impede os Serviços de Informações de atuarem.

 

Um consenso que dura desde o início da democracia

A carta que chegou a São Bento, assinada por Luís Montenegro,  é clara nos seus propósitos. O líder do PSD quer com a missiva fazer um último ato que permita evitar «um facto inédito na democracia portuguesa». Desde que foram constituídos os Serviços de Informação da República Portuguesa, que foi considerado essencial que os dois partidos de Governo mantivessem consenso nas escolhas dos nomes do principal responsável dos Serviços, o secretário-geral do SIRP, e dos membros do Conselho de Fiscalização do SIS. O tema sempre foi considerado sensível por causa do fantasma da PIDE no Estado Novo e é por isso que os dois partidos sempre tiveram especial cuidado em deixar os Serviços de fora do debate político mediático.

É sabendo do peso desta ameaça que Montenegro termina a carta de forma radical: «Caso não ocorra qualquer demissão, quero que   V. Exª saiba que passará a ocorrer um facto inédito em toda a democracia portuguesa: a direção do SIRP deixará de ter a confiança do maior partido da oposição. Espero que o SIRP continue a servir o estado, mas fá-lo-à apenas com o aval e a confiança do Governo».

Montenegro termina a carta informando Costa de que vai dar conhecimentoda mesma  a Marcelo, enviando cópia para Belém.