“Temos de administrar bem a nossa pequenez”

Ainda não fizémos o luto do império e a TAP é o último resquício do império. Sanches Osório acha que não aproveitámos os quase 50 anos de democracia e continuamos sem perceber que de Espanha só podem vir bons ventos.

Começamos, claro, pela data redonda que está agora a começar, o festejo em 2024 dos 50 anos do 25 de Abril.  O senhor, que foi um protagonista na altura, como olha para aquilo que se fez ao longo destes 50 anos? Acha que valeu a pena? Ou estamos mais ou menos na mesma, levando em linha de conta o devido passar do tempo?

Eu acho que estamos mais ou menos na mesma, mas mais velhos. 

Mas o país não mudou? 

 O país mudou, mudou radicalmente. Mas deixe-me citar Adriano Moreira: «Na impossibilidade de mudar de povo, é capaz de ser melhor mudar de regime».

O que quer dizer com isso?

O Dr. António Costa tem toda a possibilidade de ser presidente, e queria ser presidente do Conselho Europeu. Todos os fatores convergem nesse sentido. Agora fala da estabilidade. Não há nada mais contrário à democracia do que ter medo de eleições. E, na situação atual, tanto o Presidente, como o líder do PSD, como o líder do PS, não querem eleições e consideram as eleições um fator de instabilidade. E ainda se atrevem a citar a Inglaterra, que não hesita em fazer eleições em duas semanas, tantas vezes quantas as necessárias.

Embora normalmente costumem cumprir os mandatos.

Normalmente. Quer dizer… 

Substituem os primeiros-ministros sem o recurso a eleições…  

Está bem, mas, quer dizer, as coisas mudam. Em Portugal não muda nada. E as sondagens – que todos os políticos dirão que valem o que valem, mas todos têm medo e ligam imensa importância às sondagens – refletem isso mesmo. Toda a gente acha que o Governo é mau e que os ministros, alguns pelo menos, deviam ser substituídos. Mas o Governo não. E eleições não. Portanto…

Acha que estamos num beco sem saída? 

 Não será sempre? Substituir pessoas é normalíssimo e próprio da vida. Os cemitérios estão cheios de pessoas insubstituíveis. Mas parece que o povo não quer. E a elite política também não, e só liga ao futebol.

Mas acha que os portugueses dão pouco valor à democracia ou que fizeram pouco com ela? 

Fizeram pouco, quase nada. Julgo que o país mudou, de facto mudou para melhor. Mas do meu ponto de vista está pior no que respeita aos valores. 

Mas vivemos melhor hoje do que vivíamos, o problema não é o 25 de Abril?  

Concerteza que sim. Mas o problema não é só isso. Em 74 tínhamos uma guerra. E uma das razões da revolução foi exatamente a guerra que ao fim de 12 anos o poder político não teve capacidade para resolver. Uma guerra nunca tem uma solução exclusivamente militar, tem de ter uma solução política e ao fim de 12 anos era mais do que tempo para haver uma solução política. O Governo de antes de 74 não foi capaz de o fazer. Terá tido muitas razões. Agora, os historiadores hão-de dissertar sobre o assunto. Mas o que acho é que o povo português perdeu os seus valores, porque o nosso único valor neste momento é o lucro económico, é o dinheiro.  Mas não estamos muito mais ricos. A questão não é redutível a Portugal, só que nós, em termos económicos, somos granito. Visto de Bruxelas, Portugal é uma floresta com praias. Portanto, nós temos indústria de papel, nós temos madeiras e nós temos turismo. Agora, não temos matérias-primas, não temos minérios. Temos agora o lítio, mas com uma grande confusão na sua aplicação. Em resumo, somos um país de pobres. 

Não encontrámos um modelo económico? 

Não. Estamos o tempo todo a ouvir os cientistas políticos. Eu pergunto: o que é que um cientista político faz para ganhar a vida? Dá aulas a outros cientistas políticos, escreve livros, mas é preciso, realisticamente, que esses livros acrescentem qualquer coisa à Ciência Política, ou seja, tenham êxito. É preciso imprimir e terem leitores que os comprem. E Portugal não é suficiente para isso. Portanto, estes cientistas têm de ir para fora ou vão para caixas de supermercado. O que se observa é que há uma população mais culta e é melhor assim, mas não conseguiremos viver com um nível de vida bom, que todas as pessoas ambicionam. 

Esse é um dos problemas mais graves, as novas gerações têm boa formação também noutras áreas, até mais científicas, mas vão para fora porque aqui não encontram trabalho e rendimento adequado à sua formação. Isso, do seu ponto de vista, tem a ver com a dimensão do país ou com um país que não encontrou um modelo de desenvolvimento?

São todas essas coisas juntas.

Mas, na Irlanda, que viveu os mesmos problemas e que é um país da nossa dimensão, isso não acontece? 

Mas se calhar somos um país sem solução. Basta refletir um bocadinho sobre o aeroporto que temos discutido desde 72. A nova pista para substituir a Portela. E eu tenho uma opinião revolucionária que tem o apoio de muita gente. A nova pista em Portugal não é precisa, já está construída. É a pista de Barajas em Madrid. E pergunta: como é que se vai para Lisboa? De comboio.

Mas isso não é lá muito patriota…

Patriota? Mas então estamos a falar de que queremos a União Europeia. Queremos a globalização, ou queremos fechar-nos num retângulo? Queremos ter todas as valências dignas na sociedade do século XXI? Não temos recursos para isso. 

Acha que uma aliança com Espanha, que sempre foi tão temida ao longo da História, neste momento é o caminho mais viável?

O problema da União Ibérica é um problema que existe desde que nós existimos. E é uma questão que se coloca ciclicamente. Cada vez que estamos mal. Vou citar o Dr. Mário Soares, que, quando esse problema se levantou na década de 80, respondeu: isso é um problema que não existe. Não vale a pena discutir. Já está. Como já está? Já está, porque estamos os dois na União Europeia.  Tinha toda a razão. Porque, se vir, quando a Espanha fala em Bruxelas, fala em termos de Península Ibérica. Quando nós falamos, temos de falar solidários com a Espanha. Mesmo quando nós fazemos alarde com a CPLP, chocamos com a realidade, porque nós não temos preponderância. Nós, Portugal, não temos preponderância na CPLP, porque quem manda na CPLP é o Brasil e Angola. Portanto, acho que temos de administrar bem a nossa pequenez. Portanto, estamos aqui no mundo.  

Deixe-me fazer uma pergunta prática: uma das discussões mais importantes do momento é a venda da TAP e o argumento que mais se utiliza é que não pode ser o grupo da Ibéria a comprar, porque de outro modo deixamos de ter aqui o famoso ‘hub’ de Lisboa. Isto para si é um problema artificial?

Completamente. Completamente demagógico. A TAP é para mim o símbolo do último resquício do império. Isto é a política portuguesa. A TAP é vista pelos políticos como o último pedaço do império colonial português. Ora, no ambiente atual, a TAP tem de dar lucro. A TAP tem de ser uma empresa de aviação viável, certo? Portanto, tem de se juntar a uma companhia maior ou a um grupo de companhias. Se a Ibéria está nessas condições, porq ue não há-de ser? Não vejo razão nenhuma. A própria Ibéria também tem um grupo de empresas de aviação. Lembro-me que a Dinamarca, a Suécia, a Noruega, há dezenas de anos que tinham – não sei se ainda têm – uma companhia aérea comum, e não deixaram de ser a Dinamarca, a Noruega e a Suécia. 

Portanto, nós temos um problema de autorreconhecimento de nós próprios e da nossa dimensão?

Exatamente.

E acha que se o dr. Mário Soares fosse vivo não seria um opositor à solução Ibéria, fazendo jus ao que disse nos anos 80? 

Isso depende das circunstâncias políticas do momento. Isso, para o Dr. Mário Soares… lembro-me sempre de um jornalista que lhe perguntou sobre determinado assunto e ele respondeu. Mas o jornalista insistiu: mas o dr. já disse o contrário. E ele perguntou: mas quando é que eu disse o contrário? E o jornalista: foi ontem. E o Soares respondeu: Ah, ontem…   A verdade é que o PS nacionalizou a TAP que o PSD e CDS privatizaram. E agora o PS quer privatizar porque é evidente que nós não podemos nada. É contra a globalização… é uma situação de facto. Nós não contamos. Mas podemos tirar partido. Acha que nos prejudicamos por continuar a viver na ilusão do tal império? Exatamente, as coisas evoluem.