Uma “obra de ficção”, feita à medida do Governo, com muitas pontas soltas

PSD, Chega e IL contestam conclusão de que não houve ingerência na companhia aérea e estranham omissão de episódios “graves” no relatório. Sociais-democratas vão avançar com conclusões próprias.

A apenas uns dias de a comissão parlamentar de inquérito (CPI) à tutela política da gestão da TAP votar as conclusões finais – será já esta quinta-feira -, a proposta de relatório, lavrada pela deputada socialista Ana Paula Bernardo, não passa no crivo da oposição. Seja porque não aponta falhas à atuação de ex-governantes, como Pedro Nuno Santos, que se demitiu no final do último mês de dezembro devido ao caso de Alexandra Reis, ou porque deixa de fora o incidente no gabinete do ministro das Infraestruturas, João Galamba, a 26 de abril, envolvendo o Serviço de Informações de Segurança (SIS).

Os partidos da oposição com assento na CPI tinham até esta segunda-feira para apresentar propostas de alteração, mas da esquerda à direita o relatório preliminar não convence ninguém, sendo espectável que o mesmo seja aprovado apenas com o voto favorável dos deputados socialistas. Resta ainda a dúvida sobre qual será a posição do PCP, que se absteve no início de fevereiro aquando da criação da CPI proposta pelo Bloco de Esquerda. Ao PS agradaria uma nova abstenção dos comunistas, mas o deputado do PCP Bruno Dias já deixou claro que o facto de o processo de privatização da TAP ter ficado de fora do relatório pode ser um entrave.

Já à direita não há margem para dúvidas: o relatório vai merecer o voto contra do PSD, Chega e Iniciativa Liberal.

Do lado dos sociais-democratas, Paulo Moniz, coordenador do grupo parlamentar do PSD na CPI, considera que o relatório não é mais do que um documento feito à medida para que não exista qualquer consequência política para o Governo.

“Se o primeiro-ministro disse que iria tirar consequências políticas, o relatório foi feito para que essas consequências políticas não existissem. É um relatório levezinho, que não tem atenção às vastas audições na comissão de inquérito mais seguida por todos os portugueses. Qualquer pessoa não se revê naquilo que viu e ouviu nas audições”, defendeu o deputado em declarações aos jornalistas na semana passada, após a conferência de imprensa de apresentação da versão preliminar do relatório.

Além de contestar a conclusão de que não houve ingerência política na TAP, Paulo Moniz criticou também o relatório pela omissão do “infeliz episódio” no Ministério das Infraestruturas que envolveu Frederico Pinheiro (o adjunto de João Galamba) e o SIS.

“Este facto, que é de uma gravidade muito grande no quadro da democracia, no quadro da confusão e da ingerência entre o Estado e PS. É pura e simplesmente apagado deste relatório e isso é inadmissível”, condenou o social-democrata.

Contactado pelo i, Paulo Moniz não quis antecipar qual será a resposta do PSD a este relatório, remetendo novas declarações para a conferência de imprensa prevista para esta terça-feira, onde deverá apresentar as conclusões do seu partido sobre a CPI à gestão da TAP.

Filipe Melo, coordenador do grupo parlamentar do Chega na CPI, também discorda da conclusão de que não houve qualquer ingerência política na companhia aérea, considerando que o relatório deixa muitas outras pontas soltas.

“Felizmente, todos seguiram atentamente a CPI à gestão política da TAP. Se assim não fosse, ao lerem o relatório preliminar ficariam com a ideia de que não houve ingerência política na companhia aérea, que a saída da engenheira Alexandra Reis foi decidida e autorizada pela CEO, sem autorização ou conhecimento do Governo, entre muitos outros casos de grande relevância que esta versão preliminar não menciona”, refere, em declarações ao i.

O deputado também estranha a exclusão do incidente com Frederico Pinheiro do relatório. “Porque não explana as ocorrências no Ministério das Infraestruturas na noite de 26 de Abril? Porque estaria fora do âmbito da Comissão? Não. Esses acontecimentos só ocorreram porque Frederico Pinheiro disse que iria enviar todas as notas que tinha em sua posse para a CPI. Seriam notas e informações comprometedoras que o ministro João Galamba não visse com bons olhos serem tornadas públicas?”, questiona, indagando ainda “por que motivo Hugo Mendes pediu à CEO a alteração de um voo do Sr. Presidente da República, sem o conhecimento deste, invocando argumentos sórdidos, tais como ‘o Presidente é o nosso maior aliado político’ e ‘temos de fazer tudo para o agradar’”.

Filipe Melo recorda ainda que Hugo Mendes “ajudou Christine Widener a preparar a resposta ao despacho conjunto do [ex-ministro das Infraestruturas] Pedro Nuno Santos e do [ministro das Finanças] Fernando Medina, despacho este que surge depois de ser tornado público que Alexandra Reis tinha recebido uma indemnização milionária”. “Esta situação é tão mais gravosa porque o secretário de Estado das Infraestruturas foi ajudar uma empresa pública a responder a um despacho do Governo. Não é de tal forma grave que devesse constar do relatório?”, remata o deputado do Chega.

Por sua vez, Bernardo Blanco, coordenador do grupo parlamentar da Iniciativa Liberal na CPI, diz mesmo que o documento apresentado pelo PS é uma “obra de ficção”.

“Durante vários meses, os portugueses viram uma realidade e, de um dia para o outro, o PS quis criar uma história alternativa. O primeiro-ministro tinha dito que esta comissão de inquérito devia apurar toda a verdade, doesse a quem doesse e que, no final, tiraria conclusões. A conclusão é só uma: este relatório foi feito para que António Costa não tirasse nenhuma conclusão”, acusa, em declarações ao i.

Na ótica do deputado liberal, há uma “diferença avassaladora” entre o que foi dito pelos depoentes durante as audições e a documentação que chegou à comissão de inquérito, e aquilo que consta “e sobretudo não consta das conclusões”.

“Este relatório foi feito contra a verdade, contra o Parlamento, contra o trabalho dos deputados e contra os portugueses”, elenca, reiterando que se houve algo que esta comissão veio confirmar foi a existência de uma “inaceitável ingerência política na gestão da TAP”. 

“Mais até do que política, foi partidária”, continua, apontando que a companhia aérea, nos últimos anos, foi “um instrumento político ao serviço do PS”. 

“Reuniões preparatórias entre a ex-CEO da TAP, deputados socialistas e membros de gabinetes governamentais são ou não ingerência política? Tentativas de alteração de voos para agradar ao Presidente da República são ou não ingerência política? Esclarecimentos formais sobre a demissão de Alexandra Reis pedidos por dois ministros respondidos por um secretário de Estado são ou não ingerência política?”, questiona, dando de imediato uma resposta: “Obviamente, são!”

Bernardo Blanco também não compreende como é que o relatório omite o sucedido no Ministério das Infraestruturas entre João Galamba e Frederico Pinheiro e “ignora olimpicamente a intervenção ilegal dos serviços de informações na noite de 26 de abril”. “Os portugueses viram as audições. O PS acha que os portugueses não têm memória?”, rebate. O deputado da IL sublinha ainda que é de “uma enorme desfaçatez política que a relatora e o PS ignorem a brutal injeção de dinheiro [3,2 mil milhões de euros] que a TAP teve, com dinheiro de todos os contribuintes”, denunciando que o relatório “é um desrespeito por todas as famílias que foram chamadas a pagar esta gestão inenarrável da empresa”.