Oposição quer alívio na carga fiscal e lucros da banca a suportar o agravamento das taxas de juros

Como seria o OE se fosse desenhado pela oposição? À direita, PSD e IL criticam política fiscal do Governo e denunciam aumento dos impostos indiretos. Chega e partidos da esquerda lamentam que a banca tenha ficado ‘intocável’ na proposta de Orçamento do Governo para o próximo ano.

A proposta do Orçamento do Estado para 2024 apresentada pelo Governo na semana passada não convence ninguém na oposição. Da esquerda à direita, os partidos desdobraram-se em críticas ao documento que, desde já, conta com os votos contra do Chega, Iniciativa Liberal, Bloco de Esquerda, PCP e, provavelmente, do PSD. Os elogios ao Governo só surgiram da bancada socialista.   

Apesar da anunciada redução do IRS, sociais-democratas e liberais apontaram o dedo ao aumento da carga fiscal. O líder parlamentar do PSD, Joaquim Miranda Sarmento, alertou que o Executivo “reconhece, na proposta de lei, que a carga fiscal vai subir de 24,9% do PIB para 25,2%”. “Por muito que o Governo fale em redução de IRS, a carga fiscal sobre os portugueses vai continuar a aumentar bastante”, lamentou.

Sobre as alterações no IRS, que vão além da proposta do PSD – que ia até aos 1200 milhões de euros –, Miranda Sarmento lembrou que o PS tinha classificado a proposta social-democrata de “impossível” e “irresponsável”, acusando o Governo de “insensibilidade social” por não avançar com a redução já este ano, “guardando a medida para 2024, provavelmente já a pensar nas eleições” europeias.

Em matéria de impostos, o PSD queria ver incluídas neste OE as suas propostas para uma taxa máxima de 15% de IRS para os jovens até aos 35 anos, bem como a isenção de IRS e TSU sobre os prémios de produtividade e ainda a redução do IRC de 21% para 19%.

Apesar de já ter admitido que “o PSD vê este orçamento – em linha com os anteriores – como um orçamento que não serve os interesses dos portugueses e que não serve os interesses do país”, o líder da bancada social-democrata não quis verbalizar o sentido de voto do partido, delegando a decisão à direção nacional.

Luís Montenegro também já referiu que “não será uma novidade” se o maior partido da oposição tiver uma abordagem que vai contra a proposta do Governo.

À semelhança do PSD, a IL também sublinhou o facto de a carga fiscal subir em 2024 com um “enorme aumento dos impostos indiretos”. O deputado liberal João Cotrim Figueiredo foi mais longe e acusou mesmo o ministro das Finanças, Fernando Medina, de estar a mentir sobre esta matéria.

“Embora os impostos diretos cresçam pouco, os indiretos vão crescer quase 9%. […] Ou seja, a carga fiscal vai subir novamente em 2024, e não é por efeito do mercado de trabalho mais robusto ou por aumentos salariais, que tem sido a desculpa recorrente do PS. E é este tipo de engano, este tipo de habilidade que nós queremos denunciar”, acrescentou.

O antigo presidente da IL justificou que o partido vai votar contra, uma vez que este é “um orçamento que não põe o país a crescer, desagravando e simplificando impostos, e não trata dos problemas estruturais dos serviços públicos”.

Segundo Cotrim Figueiredo, em setores como a saúde, educação, habitação e segurança social “continua a atirar-se dinheiro para cima dos problemas”, mas “não houve a tal coragem de alterar estruturalmente esses serviços públicos”.

O líder dos liberais, Rui Rocha, já adiantou que o partido vai apresentar no processo orçamental propostas concretas que “traduzem uma visão liberal e transformadora em matéria de impostos sobre os rendimentos do trabalho e fiscalidade das empresas”.

Ainda à direita, o Chega classificou o OE como uma proposta de “remendos, algum eleitoralismo e muita propaganda”. O presidente do partido, André Ventura, considerou que a filosofia do documento “é de continuar o estrangulamento sobre as empresas e não diminuir o alívio fiscal sobre as famílias”.

“Mesmo na questão fulcral da habitação, o Governo deixa de fora os lucros da banca e daqueles que beneficiaram da inflação”, apontou.

Livre, PAN, BE e PCP também se uniram ao Chega nas críticas em matéria de habitação, uma das áreas que mais tem dominado o debate orçamental .

“Vemos que há medidas neste orçamento para tentar conter a escalada dos juros. Achamos que elas estão mal desenhadas porque não vão buscar à banca a resolução de um problema que a banca em Portugal criou”, argumentou Rui Tavares.

Na ótica do deputado único do Livre, “deve ser constituído um fundo de emergência para a habitação”, propondo o seu financiamento “com as vendas de imobiliário de luxo, nomeadamente a milionários não contribuintes e não residentes” em Portugal.

Por seu lado, a deputada única do PAN referiu que o OE para o próximo ano traz “medidas requentadas” e que “não se traduzem numa verdadeira alocação de verbas para o património”.

Considerando que a banca “continua intocável”, Inês Sousa Real apontou que “não há qualquer medida no sentido de renegociar os créditos para as pequenas e médias empresas e não existem moratórias para o crédito das famílias”.

Já os bloquistas acusaram o Governo de insistir em “premiar a especulação”. “Há dinheiro do orçamento para pagar a quem especulou, não baixando o preço das rendas, não baixando o preço das casas e, por isso, não tendo uma ação como deveria ter para garantir que o custo da habitação é um custo digno na dimensão dos salários e não um prémio à especulação, com benefícios fiscais e outros para garantir que senhorios e proprietários não têm os seus preços tocados”, condenou o deputado do BE Pedro Filipe Soares.

No que se refere à habitação, o BE_tem vindo a defender a proibição da venda de casas a não residentes e tetos máximos para as rendas.

Também a deputada comunista Paula Santos considerou que “não é com benefícios fiscais, com subsídios que se vai resolver o problema” na habitação, sendo necessário colocar os “lucros da banca a pagar os aumentos das taxas de juro”.

Nesta matéria, o PSD propõe “um programa de apoio aos jovens para a compra da primeira casa”, bem como “a criação de um mecanismo que permita estabilizar o valor da prestação da casa até um máximo de cinco anos” e ainda “um programa transitório de redução da tributação sobre o setor imobiliário”.

Quanto ao aumento dos rendimentos, o Chega já anunciou que o partido vai entregar, em sede do OE20 24, uma proposta de aumento salarial na ordem dos 15% e o pagamento de um 15.º mês isento de impostos. Já o BE pretende o aumento do Salário Mínimo Nacional para os 900 euros em janeiro de 2024 e quer que este valor seja “atualizado ao longo do ano tendo em conta a inflação”. O PCP vai mais longe e desafia o Governo a aumentar o salário mínimo para 910 euros em janeiro, atingindo os mil euros durante 2024, além de um aumento de, pelo menos, 15% em todos os salários. Além disso, os comunistas querem ainda o aumento de todas as pensões em 7,5%, num mínimo de 70 euros.

Relativamente à saúde, a coordenadora bloquista Mariana Mortágua deu a conhecer medidas concretas do partido para travar a degradação do SNS, entre as quais um aumento de 15% de todos os salários dos profissionais e um suplemento de risco e penosidade, para os profissionais que trabalham nas urgências e em contextos de especial penosidade. Além disso, o BE propõe um regime de exclusividade de acesso voluntário para todos os profissionais de saúde, com aumento salarial de 40%, uma majoração de 50% nos pontos que permitem uma progressão na carreira, e dois dias de férias a mais por cada cinco anos de exclusividade.

Nos próximos dias, é esperado que os partidos avancem com mais medidas que querem ver incluídas no documento, tendo em conta que a proposta do Orçamento do Estado para 2024 é discutida na generalidade nos dias 30 e 31 de outubro e a discussão na especialidade vai decorrer de 23 a 29 de novembro.