Europeias e autárquicas obrigam a remodelação

Tal como em 2019, António Costa vai aproveitar as Eleições Europeias para dar a volta ao Governo. Entre Bruxelas e Autárquicas, os pesos pesados vão ter que ser substituídos.

O cenário é académico, mas as conclusões que já é possíveis tirar, tendo em conta as intenções já publicamente assumidas pelos diversos protagonistas do Partido Socialista, apontam para uma remodelação praticamente obrigatória imediatamente antes ou logo após o congresso socialista, previsto para março de 2024. Até lá, só situações neste momento completamente imprevisíveis podem conduzir a alterações no Executivo de António Costa.

Nos corredores do Parlamento e do Largo do Rato já se fazem contas aos próximos desafios eleitorais, até porque as eleições para o Parlamento Europeu estão aí ao virar da esquina. E é já em junho que os socialistas precisam de ir buscar um dos seus generais mais graduados para tentar obter mais uma vitória que possa garantir um caminho tranquilo ao Governo até ao fim da legislatura em 2026.

As ameaças de que Marcelo Rebelo de Sousa possa aproveitar uma leitura do resultado eleitoral das europeias para provocar uma crise política são, neste momento, completamente afastadas entre os socialistas. Mas, para evitar tentações, nada melhor do que preparar as coisas para averbar mais uma vitória.

Mendes ou Godinho escolhidas por exclusão de partes

Apesar de, entre os socialistas, todos dizerem que é cedo para se falar em escolhas, a verdade é que muitas das hipóteses mais faladas para encabeçar a lista do partido já manifestaram publicamente a sua indisponibilidade.

Pedro Nuno Santos foi o primeiro a fazê-lo. Logo na sua primeira intervenção no espaço de opinião que agora assina na SIC-Notícias à segunda-feira à noite, o mais que provável candidato à sucessão de António Costa à frente dos destinos do PS fez questão de esclarecer que uma candidatura às eleições europeias, e consequente partida para Bruxelas, não estava nos seus horizontes.

Seguiu-se Marta Temido, ex-ministra da Saúde e atual presidente da concelhia de Lisboa, que, em entrevista ao Expresso, praticamente lançou a sua candidatura à Câmara Municipal de Lisboa.

Alexandra Leitão, outro dos nomes insistentemente falados como hipótese, também não perdeu tempo a esclarecer dúvidas: ‘Europeias? Não estou interessada’.

Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente e recorrentemente indicado como uma possível aposta de António Costa para as eleições de Junho, ou para tentar reconquistar a autarquia lisboeta de que já foi vice-presidente, sabe o Nascer do Sol que não está disponível para nenhum dos dois desafios.

Cordeiro considera que Marta Temido tem vontade e as condições necessárias para se bater contra Carlos Moedas e está longe dos seus planos encabeçar a lista para as europeias. Refira-se que Duarte Cordeiro é um indefetível apoiante de Pedro Nuno Santos e, quando for o momento, quer estar ao lado do ex-ministro das Infraestruturas para o ajudar a chegar à liderança dos socialistas.

Neste cenário sobram dois nomes, ambas mulheres e ambas ministras do Governo: Ana Catarina Mendes e Ana Mendes Godinho.

Remodelação em março para arrumar a casa

O processo parece repetir-se, tal como aconteceu em 2019, quando António Costa teve de fazer uma remodelação e reorganização do Governo aproveitando o argumento das eleições europeias. Quando foi preciso substituir Pedro Marques, então ministro das Infraestruturas, houve mudança de pastas, saída de outros ministros e reorganização da orgânica do Executivo.

No início de 2024, o Governo deverá finalmente ter um refrescamento, até porque a situação de alguns ministros, que já estão fragilizados, provavelmente ter-se á degradado ainda mais. A própria Ana Mendes Godinho, que poderia ser a escolha de António Costa para as europeias, pode ser uma das ministras debaixo de fogo. É que as investigações em torno da gestão da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), que já chegaram ao Ministério Público, podem vir a salpicar a ministra que tutela a SCML. Como contamos nesta edição (pág. 16), Edmundo Martinho, ex-provedor e responsável pelos factos em investigação, garante que tudo o que fez foi com a anuência da ministra.

Seja como  for, a verdade é que o primeiro-ministro terá muito para remodelar, quando em fevereiro ou março o decidir fazer. A saída da ministra escolhida, deverá ser aproveitada  para uma mexida maior.  Um ano depois, são as eleições autárquicas, que comportam desafios e ambições para alguns membros do Governo. Acresce que o desafio autárquico exige tempo no terreno e preparação, sobretudo se estivermos a falar de autarquias que há muito escapam aos socialistas, como é o caso da Câmara do Porto, ou que podem vir a ser perdidas pelo PS, se o partido não encontrar alternativas de peso, como é o caso de Sintra. As saídas de cena de Rui Moreira no Porto e de Basílio Horta em Sintra abrem oportunidades que importantes membros do Governo não querem desperdiçar.

Duarte Cordeiro poderá ver numa candidatura a Sintra a oportunidade esperada para sair do Governo em alta e ficar de mãos livres para outros desafios no interior do PS. Além disso, uma passagem pela Câmara de Sintra pode abrir-lhe caminho para uma futura candidatura a Lisboa, quando Carlos Moedas já não for o adversário.

A Câmara do Porto tem neste momento dois candidatos de peso no Governo:  Manuel Pizarro e José Luís Carneiro.

Contas feitas, entre os que saem para desafios eleitorais e os que sairão por problemas políticos, como João Galamba, João Gomes Cravinho ou, eventualmente, Ana Mendes Godinho, a verdade é que António Costa perde a fatia mais política do Governo e vai ter que encontrar novas opções.