A conveniência e a convicção

Uma saída limpa do Governo mantendo, por entreposta pessoa, o controlo da situação foi o que António Costa imaginou e desejava

Algumas pessoas tem imensa dificuldade em compreender o que está mesmo à frente dos seus olhos. Nestes casos é preciso fazer um desenho.

António Costa acaba de ‘dar’ a ajuda de que alguns ainda precisam.

Interrogado sobre se voltaria a pedir a demissão por causa de um inofensivo parágrafo, o primeiro-ministro (PM) responde ‘SIM’.

Mas, disse também que se demitiria no dia seguinte por causa do aparecimento de dinheiro vivo no gabinete do seu ex-chefe de gabinete.

Acrescenta que está magoado mas contorna a situação sugerindo aos jornalistas que perguntem à PGR e ao Presidente da República (PR) se, nas atuais circunstâncias, voltariam a escrever o parágrafo fatídico e a dissolver a Assembleia da República.

Não se podia ser mais claro, quanto a estados de alma após a frustração sentida perante um cenário imaginado e trabalhado por conveniência e convicção que foi desfeito na primeira esquina do tempo.

Uma saída limpa do Governo mantendo, por entreposta pessoa, o controlo da situação foi o que António Costa imaginou e desejava.

Depois viria o exílio dourado numa Instituição europeia.

Mas, para já, não saiu bem.

Ninguém tem dúvidas que o país se encontra mergulhado na mais grave crise institucional depois de novembro de 1975.

Que os principais responsáveis sejam o PR e o PM só ajuda a agravar a situação.

No limite e com estes protagonistas é sempre de esperar o pior.

Ora, como se sabe, a vingança serve-se fria.

O pingue-pongue entre S. Bento e Belém sobre o misterioso ‘caso das gémeas’ brasileiras ilustra bem esse clima.

Por coincidência (serendipity) este assunto surge colado à demissão de Costa e ao anúncio da dissolução do Parlamento.

Quem beneficia com esta ‘coincidência’?

A saída voluntária do chefe do Governo exigia uma avaliação dos últimos nove anos de Governo.

O que foi feito em matéria estrutural para promover o crescimento do país?

Em que estado se encontram os serviços públicos?

Porque é que o SNS, sem dificuldades financeiras, não responde às necessidades dos cidadãos e não cumpre as suas obrigações constitucionais?

Qual a razão para que um número significativo de escolas públicas e dos alunos que as frequentam, não tenham um ano escolar normal?

Porque é que os portugueses de menores recursos tem progressivamente mais dificuldade em conseguir casa?

Como se aceita que um volume crescente de cidadãos (17% da população) se aproxime irreversivelmente do limite de pobreza?

Como é que se consegue e quem deve ser responsabilizado por se destruir uma maioria absoluta que, com os recursos disponíveis, tudo permitia

As respostas a estas e outras questões não foram dadas e, infelizmente, quase nunca foram procuradas.

Oportunidades não faltaram. António Costa deu 29 grandes entrevistas às TVs, ocupando o espaço público de uma forma que não tem comparação com o comportamento dos seus antecessores.

O tal ‘caso das gémeas’ e o envolvimento do PR tornou-se, agora, no biombo perfeito para esconder a ausência de resposta às embaraçosas questões formuladas .

O assunto esteve retido 4 anos à espera de uma boa oportunidade e essa oportunidade surgiu agora.

O desenho está feito e só não entende quem não quer.

Naturalmente a intriga começou e será ingenuidade pensar que, com mais ou menos vichyssoise, ‘les jeux sont faits’.

No fim, se não houver solução mais expedita, aparecerá, como habitualmente, um personagem menor para arcar com as responsabilidades.

Afinal a culpa continua a ser do padeiro.

Dois factos relevantes para memória futura e esclarecimento do eleitorado:

1. ‘Contas certas’ são as contas que permitem e promovem um desenvolvimento económico sustentado e que, numa avaliação de médio prazo, estão equilibradas para não tornarem a dívida pública insuportável.

2. O PS elegeu, para seu líder e candidato a PM, alguém que sendo, pessoalmente, credor de toda a consideração, não tem as mínimas qualificações para esses desafios.

É de esperar que o eleitorado, no próximo mês de março, neutralize, com bom senso, esta anomalia.A conveniência e a convicção