Os sinais estão todos dados. As eleiçõeslegislativas de 10 de março, antecipadas do horizonte de 2026 por causa de um processo judicial, prometem a campanha eleitoral mais judicializada de que há memória em Portugal. Em muitos casos a fazer lembrar as campanhas nos Estados Unidos entre Joe Biden e Donald Trump como principais protagonistas e onde onde os processos judiciais e as trocas de acusações são uma constante nas notícias e nas redes sociais.
Por cá, os últimos acontecimentos provam que não será só a Operação Inluencer a marcar a campanha. Quando apresentou a sua candidatura a secretário-geral do Partido Socialista, Pedro Nuno Santos disse que não queria o PS durante a campanha a falar de um caso judicial. A verdade é que, de então para cá, ao Influencer juntou-se o processo da casa de Espinho de Luís Montenegro e já esta semana a história da compra pouco transparente das ações dos CTT quando era ministro das Infraestruturas. A tudo isto podem ainda juntar-se os processos do lítio e do hidrogénio (separados do Influencer) e um ou mais episódios do processo TuttiFruti, que envolve figuras do PS e do PSD, e para o qual a procuradora-geral da República convocou uma equipa especial com vista a acelerar a investigação.
Histórias e escândalos não faltam para servir de arma de arremesso entre partidos, com o Chega a tentar capitalizar ao máximo para insuflar ainda mais o resultado eleitoral de um partido que se declara contrapoder.
A democracia em crise?
O que se está a passar em Portugal, com um Governo que caiu por causa de um processo judicial, não é muito diferente de fenómenos que se têm vindo a verificar um pouco por todo o mundo ocidental.
«O tema da judicialização da política até já tem motivado diversa bibliografia, que, para além de analisar os factos, procura explorar soluções», diz ao Nascer do SOL o advogado Paulo Saragoça da Matta.
O que um pouco por todas as democracias ocidentais vai preocupando políticos e analistas é o efeito que muitos destes casos estão a ter no enfraquecimento do próprio regime democrático. «Estamos todos a enfrentar uma novidade», explica Saragoça da Matta, que exemplifica com o caso dos Estados Unidos, onde, a poucos meses das eleições, os dois principais candidatos estão a braços com casos de justiça que podem ser determinantes para ditar resultados: «Biden tem o processo dos filhos e Trump está com a ameaça de ficar impedido de concorrer em alguns estados por causa também de processos pendentes na justiça».
É uma equação muito difícil de resolver, porque «a justiça não pode deixar de investigar por critérios políticos», mas ao mesmo tempo verifica-se que muitas destas investigações acabam por ter consequências nos resultados eleitorais e até na sobrevivência de partidos políticos um pouco por toda a Europa.
As democracias ocidentais enfrentam um dilema: como preservar a democracia e a independência da justiça, sem deixar que as duas se auto-destruam? É uma questão para a qual ainda não se encontraram respostas, sendo certo que os acontecimentos estão a precipitar mudanças, algumas delas irreversíveis.
Portugal e a gestão política de casos de Justiça
Em Portugal tornou-se natural que a demora da Justiça em resolver casos polémicos seja aproveitada para que as fugas de informção sejam aparentemente geridas de forma cirúrgica para afetar políticos em momentos específicos.
Exemplo disso foi o surgimento de novos dados do célebre caso dos submarinos sempre que Paulo Portas enfrentava eleições ou o caso Tecnoforma e de incumprimentos fiscais que visavam Passos Coelho, ou mais recentemente o processo TuttiFruti, que sempre surge no noticiário deixa estilhaços na classe política.
À beira de eleições precipitadas por um processo judicial, os casos aí estão para atrair as atenções.
Neste momento, ninguém consegue sequer assegurar que novos desenvolvimentos no processo Influencer não venham a ter consequências na disputa eleitoral. É uma espada sobre a cabeça de Pedro Nuno Santos, que pode cair a qualquer momento e que necessariamente condiciona a sua ação política.
Simultaneamente, também Luís Montenegro pode ficar condicionado na campanha pelo anúncio do Ministério Público de que foi aberto um inquérito com base em denúncias anónimas sobre o processo de construção da sua casa em Espinho. Também aqui o ritmo da investigação, é quase certo, fará estragos políticos.
Perante os riscos que a incerteza em torno do desfecho destes casos representa para a democracia, faz ou não sentido que se criem regras de prioridade de investigação? Saragoça da Matta não afasta a possíbilidade: «Fazer, faz, a questão está nos critérios a adotar para uma regra desse tipo. Quem deve estar abrangido e em que circunstâncias. Mas esse é um tema que, ao contrário de muitos outros que afetam a Justiça , tem solução».