Mota Soares. ‘Um voto no Chega é um voto no Partido Socialista’

Vai ocupar o lugar deixado vago por Nuno Melo no Parlamento Europeu. Acredita que a AD terá sucesso se for capaz de apresentar aos portugueses uma alternativa clara ao socialismo

Aconteça o que acontecer no dia 10 de março, há uma coisa que parece que já é certa: o CDS vai voltar ao Parlamento?

Eu acho que isso já aconteceria em qualquer cenário eleitoral. Eu continuo a andar muito na rua e muita gente me diz que o CDS faz falta no Parlamento. E eu também sou daqueles que acha que um Parlamento com uma voz do CDS é um Parlamento menos extremado, é um Parlamento que muitas vezes tem mais capacidade de estabelecer alguns consensos importantes para as pessoas. E, portanto, o regresso do CDS ao Parlamento é relevante. Acho que ele aconteceria em qualquer cenário, ou seja, com coligação ou sem coligação. E, neste momento, por muito que a natureza dos partidos seja irem sozinhos a eleições, apresentarem as suas ideias, acho que os dois partidos tiveram essa capacidade de colocar os interesses de Portugal à frente, de construir uma alternativa ao socialismo, a quem não é socialista, quem não se revê numa ideia socialista para Portugal e a partir daí poder crescer em independentes, poder crescer a gente que está na margem destes partidos. 

A escolha do nome Aliança Democrática, exatamente o mesmo nome que Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Amaro da Costa na altura escolheram, tem um valor simbólico apenas ou de alguma forma faz um paralelismo entre aquela que era a situação que começava a ser hegemónica do Partido Socialista no poder e a situação que vivemos hoje?  

Eu, pessoalmente, gosto deste nome. Mas a ligação entre os dois partidos é uma ligação que funciona na sua relação diária, e também funciona do ponto de vista eleitoral. Os dois partidos estão juntos na Madeira e as coisas têm funcionado bem. Os dois partidos juntos nos Açores vão ter agora também um desafio eleitoral, mas não foi por uma dificuldade interna da coligação. Os dois partidos ganharam a Câmara de Lisboa agora recentemente, mas governam a Câmara de Cascais há muitos anos, a Câmara de Aveiro,  a Câmara de Braga, a Câmara de Faro. Os dois partidos têm essa capacidade de se entenderem, colocando em primeiro lugar os interesses do país. 

Mas  até que ponto é que faz um paralelismo em relação à situação política que temos neste momento e a situação política que tínhamos no final da década de 70, poucos anos depois do 25 de Abril, quando os dois partidos, pela primeira vez, decidiram estabelecer esse casamento a que chamaram Aliança Democrática? 

O país é hoje, felizmente, muito diferente do país que era nos anos 70. A verdade é que os dois partidos perceberam nessa altura que se deviam unir para criar uma alternativa ao socialismo. E aí eu acho que é exatamente igual. Acho que é preciso construir em Portugal uma alternativa ao socialismo. O Partido Socialista governou muitos anos e as consequências económicas e sociais estão à vista de todos. Acho mesmo que é importante construir uma alternativa política, mas que, já agora, permita governar em normalidade. 

De acordo com os dados que vamos tendo, não é provável que a nova AD, mesmo casada com a Iniciativa Liberal, num casamento pós-eleitoral, venha a ter a maioria necessária para poder formar Governo, deixando o Chega de fora. Nessas circunstâncias, o que é que defende que se deve fazer?  

Eu gosto mais de falar do meu partido, do meu projeto e, aliás, registo até que quem mais fala no Chega em Portugal é o PS, em cada três palavras, uma é o nome desse partido. Eu acho que os presidentes dos partidos já foram muito claros nessa matéria, dizendo que não há possibilidade de haver um entendimento com o Chega, e já o disseram de uma forma muito clara, muito direta. Nesse sentido, eu percebo por que é que o Partido Socialista está permanentemente a falar sobre o Chega. Um voto no Chega é um voto no Partido Socialista. Um voto no Chega é um voto que ajuda Pedro Nuno Santos a ser primeiro-ministro. E eu, pela minha parte, não vou fazer nada que contribua para que o PS ganhe as eleições e, portanto, espero que a coligação tenha essa capacidade de apresentar as suas ideias, de apresentar o seu projeto. Acho que é muito claro para toda a gente que ouviu o que os presidentes dos partidos já disseram. E parece-me que é muito claro para o PS, que permanentemente está a valorizar o Chega.  

Vão dramatizar essa questão na campanha eleitoral, ou seja, insistir com o eleitorado nesse tema de que o voto no Chega é um voto no PS?  

Acho que esta matéria tem de ser muito clara para as pessoas. Provavelmente, nas próximas eleições, as pessoas vão ter de fazer uma escolha que é: querem que o PS e Pedro Nuno Santos continuem no ,Governo e, depois de muitos anos, seja primeiro-ministro, ou, pelo contrário, querem abrir uma nova esperança de ter uma alternativa a isso. Provavelmente, no final do dia, para muita gente, o seu voto contará para esta opção. É importante explicar às pessoas que o sistema eleitoral em Portugal não é um sistema eleitoral em que se vota num partido e isso significa um deputado. Não, o sistema eleitoral em Portugal é um sistema de círculos eleitorais. 22 círculos eleitorais que, ainda por cima, são contados através de um sistema que é um palavrão técnico chamado método de Hondt, e que desperdiça muitos votos. Se os dois partidos tivessem nas últimas eleições ido juntos, só isso significaria escolher mais seis deputados. Se a Iniciativa Liberal tivesse feito uma coligação pré-eleitoral nas últimas eleições, eram mais dez deputados. Tinha significado que o PS não tinha tido maioria absoluta. Portanto, se as pessoas não quiserem desperdiçar votos, devem dar uma oportunidade a quem se quer apresentar como uma alternativa a esta construção socialista.

Luís Pedro Mota Soares, provavelmente, na reta final desta legislatura europeia, vai assumir o lugar de deputado europeu, porque Nuno Melo já disse que seria candidato às eleições legislativas e, portanto, provavelmente será eleito. Isso significa que será o primeiro nome do CDS na coligação às europeias? 

Isso é o que menos interessa neste momento. Mas é importante que um partido que esteve fora do Parlamento durante estes dois anos, agora, tenha a capacidade de mostrar quem são os quadros com que conta para um regresso à vida política ativa…

Certamente que sim. Isso, acho que o CDS tem uma característica, é ter bons quadros. Eu participei recentemente em várias reuniões que tiveram a capacidade de juntar muita gente do CDS.  

Mas a minha questão é saber se o partido lhe pedir para voltar à política ativa, está disponível? 

Não é aquilo que está em cima da mesa neste momento. Neste momento, o essencial é concentrarmo-nos no  próximo dia 10 de Março. Eu estive sempre no CDS, o mais importante é a vontade que as pessoas têm para contribuir, poder dar ideias, poder ajudar. E essa disponibilidade eu tenho visto permanentemente. O que é que nós queremos construir do ponto de vista programático? E depois a discussão sobre as listas, sobre as pessoas é muito importante, mas terá o seu momento. As pessoas são certamente muito importantes e eu acho que é muito importante que se perceba que esta coligação não é uma coligação só entre dois partidos. Eu vi uma lista de 100 pessoas que eu acho importante, são bastantes a quererem contribuir. Certamente que essas pessoas não estarão todas em todo o lado, mas querem contribuir. 

Se chegarem ao Governo a 10 de março, agradecem a António Costa o legado que ele deixa de contas certas e de haver margem de liberdade para que o próximo Governo possa tomar as suas decisões?

Isso é muito importante, mas, infelizmente, deixa uma segunda herança. Eu não vou criticar o facto de nós termos contas certas, acho que é muito importante para a estabilidade atual e futura do país e seria provavelmente a primeira vez que a direita tinha, nos últimos anos, a possibilidade de governar num quadro de alguma normalidade. O problema é que nós vemos a consequência dessas contas certas. Elas fazem sentido quando nós temos capacidade reformista e melhoramos os serviços públicos, contas certas com o estado do Serviço Nacional de Saúde como está – esperas nos hospitais de horas e horas, com falta de recursos humanos e de recursos materiais? As contas certas fazem sentido quando nós queremos dar uma melhor vida às pessoas, um melhor futuro aos portugueses. Se estamos a falar única e exclusivamente em cativações de serviços públicos que são essenciais para as pessoas, quando ao mesmo tempo se continua a gastar muito dinheiro mal gasto, isso é que não faz sentido. 

Como é que esse projeto vai ser construído? Já percebi que vai haver uma comissão executiva entre os dois partidos…

Os dois partidos, de forma diferente, têm vindo, ao longo dos últimos anos, a construir alternativas. Acho que é o tempo de apresentar estas alternativas ao país. É muito importante explicar o que se quer fazer e, acima de tudo, dar o que os portugueses hoje não têm, dar esperança aos portugueses, um projeto de futuro aos portugueses. Infelizmente, os últimos anos têm sido mais do mesmo. Mesmo este Governo de maioria absoluta, que tinha a capacidade política para apresentar reformas, poder apresentar alternativas, escolheu não o fazer. Veja como é que o país, em muitas matérias, está como estava há oito anos. António Costa recebeu um Governo em que tinha uma decisão estratégica de onde seria o novo aeroporto, tinha uma companhia aérea que estava privatizada e a funcionar regularmente.

Mas não foi só culpa de António Costa, no caso do aeroporto – já está a ser um tema desta campanha –, nenhum dos dois principais players está a querer tornar clara a sua posição. O mesmo em relação à questão do TGV, cuja capacidade de se poder financiar depende em muito do financiamento europeu e este mês de janeiro é fundamental para que isso possa acontecer? 

Eu sou muito favorável à existência de alguns entendimentos alargados sobre matérias que são determinantes para o futuro. 

Neste caso, houve um entendimento para fazer um estudo sobre a localização do aeroporto, com todos os especialistas escolhidos pelos dois partidos e esse relatório está concluído. A minha pergunta é: qual é a dúvida?  

A decisão é sempre uma decisão política.  

Como é que vão conseguir dar a volta ao eleitorado dos pensionistas e reformados que parece ter fugido da direita e ter muita resistência em querer voltar? 

Acima de tudo, garantir às pessoas que um sistema social como o sistema da Segurança Social, a par da Educação ou da Saúde, é muito relevante. É um sistema que está lá para garantir as reformas dos atuais pensionistas, mas também dos futuros pensionistas.

Mas a questão é que muitos pensionistas acham que isso é igual a cortes nas pensões, que foi o que aconteceu lá atrás? 

Acho que é muito importante, quando se fala, por exemplo, na valorização do complemento solidário de idosos, na valorização das pensões mais baixas, dizer isso de uma forma muito transparente, as pessoas saberem de facto que um voto na coligação pode significar para os pensionistas que têm pensões mais baixas uma subida com significado das suas pensões. 

O que mais irá diferenciar o vosso projeto da governação socialista é um maior apelo ao setor privado para que possa ajudar na solução dos problemas do setor público. O regresso das PPP’s na Saúde ou o regresso dos contratos de associação na Educação. É essa a solução diferente?  

O que eu quero é que as pessoas sejam bem servidas. E há uma outra dimensão, Portugal não tem só dois setores. Não é só o setor público e o setor privado, também há o setor social que tem um papel muito importante. Hoje, grande parte da proteção social é assegurada pelo setor social, mas também na educação e também na área da saúde. O que eu acho que verdadeiramente as pessoas querem quando precisam de ir a um médico é ter um médico. Espero que esta coligação tenha audácia para pôr em cima da mesa soluções que ajudem as pessoas a ultrapassar as enormes dificuldades que hoje têm e que são cada vez mais sentidas.  

E em relação a um dos maiores problemas que o país enfrenta, aquilo a que se chama a fuga de cérebros? 

Percebo, e isso preocupa-me muito, que um jovem que está a sair da universidade se sinta às vezes condenado a uma vida de salários muito medianos e ainda por cima com uma fiscalidade que o prejudica muito. O país, finalmente, está preparado para discutir a fiscalidade. Choca-me muito que alguém que tem um salário que não é muito elevado, pouco acima do salário médio em Portugal, tenha uma taxa de impostos elevadíssima, isso certamente não ajuda a que as pessoas se possam fixar em Portugal.