Quando Luís Montenegro anunciou que não há mais um cêntimo para a PSP e GNR, além dos 300 euros que o Governo irá dar – 200 já este ano, 50 no próximo e outro tanto em 2026, se os sindicatos assinarem o acordo, a 9 do corrente mês, com o Ministério da Administração Interna – estava mais a falar para fora do que para dentro das forças policiais. E a razão é simples: o Executivo já foi avisado pelo FMI e pela União Europeia de que não pode ‘gastar’ o dinheiro que não tem, e ao anunciar mais verbas para as forças de segurança estaria a abrir a porta para que outras instituições também se chegassem à frente nas exigências salariais. E, sabe o Nascer do SOL, não há nenhum desencontro entre o primeiro-ministro e a ministra da Administração Interna, bem como com o Presidente da República, que tem estado a par de todas as negociações. Marcelo Rebelo de Sousa, Luís Montenegro e Margarida Blasco sabem bem que não haverá mais dinheiro vivo, de uma forma direta, no recibo de vencimento dos polícias e dos militares, mas que estão em cima da mesa outras formas de o ordenado ficar mais bem composto.
E o que está em cima da mesa, entre outras soluções, é um aumento do subsídio de fardamento, que deverá ter uma subida de dois terços do valor pago atualmente, os serviços gratificados (remunerados) vão ser aumentados, passando a haver apenas uma tabela, atualmente os jogos de futebol são pior pagos do que os restantes trabalhos remunerados – «a ideia é fazer uma fusão das duas tabelas e proceder a uma atualização para dar mais dinheiro. A perceção de um serviço destes não pode ser a preço de saldo como é para o futebol, num mundo onde se movimentam milhões», diz fonte da PSP -, além de mais deduções fiscais que estão em estudo. Para completar o pacote, o Executivo promete a revisão das carreiras, acelerando as promoções, com as consequentes passagens de escalão, o que também significa mais dinheiro.
A importância do Presidente
«Belém tem estado muito atento e a par das negociações, e certamente irá ter uma vigilância muito atenta à execução do acordo. Há aqui um empenhamento de várias instituições para resolverem o problema, na medida do possível. Isto cria boas vontades, cria serenidade. E depois na execução do acordo, se a Presidência tem acompanhado atentamente o processo, também acompanhará atentamente a execução. Isto é uma cláusula de garantia e de salvaguarda», diz ao nosso jornal fonte conhecedora das negociações.
«O Presidente da República poderá mesmo ter um papel determinante depois das palavras desastrosas de Luís Montenegro, que podia ter acabado com as negociações. Os sindicatos mantêm total confiança na ministra, onde há muita irritação é com as palavras do primeiro-ministro. Continuam a reconhecer a boa vontade da ministra, continua a ser a parceira preferencial. Alguns, no meio disto, acham que a ministra também foi vítima das palavras de Luís Montenegro. Há muito azedume com as palavras do primeiro-ministro, mas não há azedume com Margarida Blasco. Mantêm toda a vontade para continuar as negociações». E é aqui que Marcelo Rebelo de Sousa poderá ser importante: «Está tudo à espera que, antes da data da reunião, a 9 de julho, o Presidente da República dê uma palavra sobre as negociações, que pode ser decisiva. Se o Presidente falar em vias alternativas para o aumento das forças de segurança, será mais fácil o diálogo entre o Governo e os sindicatos. É preciso não esquecer que o Presidente não é Comandante Supremo das Forças de Segurança, mas estas encaram-no como tal. Moralmente, ele é o nosso comandante supremo».
E é com estes argumentos, entre outros, que o Governo irá tentar convencer os principais sindicatos: ASPP, SIAP e SNOP, além das associações socioprofissionais da GNR, a assinarem o acordo na reunião suplementar de 9 de julho. Não é expectável que o SINAPOL, ASAPOL e SPP assinem o acordo, pois continuam a defender um suplemento de missão de 1026 euros, à semelhança das propostas que foram ontem apresentadas pelos diferentes partidos na Assembleia da República – Chega, PCP, BE e PAN.
Chegar aos 400 euros por via indireta
«O Governo quer chegar, por via indireta, aos 400 euros, pois dessa forma já não tem o efeito reprodutivo noutros organismos, pois esses aumentos resultam da especificidade do trabalho das forças de segurança. O suplemento de fardamento, o aumentos dos serviços remunerados, a cabo de entidades privadas, não representam uma despesa direta. Quem adotar a política do tudo ou nada, está a fazer o trabalho do Chega ou é tonto. Ou têm uma agenda secreta, oculta. Estamos todos de acordo que não é um acordo justo, mas é o que se pode arranjar», diz ao Nascer do SOL outra fonte conhecedora do processo. «Neste momento, há uma pressão gigantesca sobre o Orçamento do Estado (OE). Ou seja, um não acordo só é mau para os polícias. O não acordo favorece as finanças públicas, independentemente de quem esteja no Governo. Porque o acordo com as forças de segurança tem depois, eventualmente, de ser estendido a outros organismos como a Guarda Prisional, Polícia Marítima e os militares. Se não houver acordo, não entra no OE, é um dado adquirido, não havendo aumentos nem neste nem no próximo ano. O OE está muito difícil do ponto de vista dos gastos», acrescenta.
O que fica claro, recuperando a afirmação de Luís Montenegro, é que se os sindicatos não assinarem o acordo proposto pelo Governo não terão direito a aumento nenhum, nem no corrente ano, nem no próximo, pois não será expectável que o próximo Orçamento do Estado tenha folga para aumentos. «Se os sindicatos assinarem o acordo, todos os polícias e militares da GNR recebem já 200 euros com efeitos retroativos a junho, caso contrário, os sindicatos revelam que estão contra os polícias, pois estes não receberão nada», diz fonte policial.
Manifestação convocada por Ventura foi um fiasco
Quando o Chega anunciou que ia apresentar vários projetos de lei referentes às forças de segurança – nomeadamente a criação do suplemento de missão idêntico ao da PJ para a GNR, PSP e Guarda Prisional; a «integração plena do pessoal da carreira florestal na carreira militar da GNR»; a criminalização do «incitamento ao ódio contra os membros dos órgãos de polícia criminal e órgãos judiciais»; «aplicação do processo sumário ao julgamento dos crimes de resistência e coação sobre funcionário»; recomendação ao «Governo da revisão da tabela de gratificados»; bem como «pela prevenção do suicídio nas Forças de Segurança» -, o Sindicato Independente dos Agentes de Polícia (SIAP) apelou aos seus 1550 para que sócios que marcassem presença nas galerias da Assembleia da República, disponibilizando autocarros para o efeito.
Depois, o Chega aproveitou a boleia e apelou a todos os elementos das forças de segurança, cerca de 43 mil, que invadissem o Parlamento e que no exterior mostrassem o seu descontentamento. Neste momento, entra em ação o Movimento Zero, que se associa ao partido de André Ventura, começando por mostrar a importância da iniciativa do Chega: «Estes projetos são de extrema importância para a dignificação e valorização do nosso trabalho, para a nossa segurança e bem-estar. Não podemos ficar de braços cruzados enquanto as decisões que moldam o nosso futuro são tomadas. A presença de todos nós em frente à AR é vital para demonstrar a nossa união e a nossa determinação na luta pelos nossos direitos». Como não há um rosto, já que, supostamente, é um movimento inorgânico, davam indicações aos seus seguidores das redes sociais que trabalham no Norte, que usassem os serviços da FlixBus para se deslocarem até à AR, já que o custo do bilhete não deveria ultrapassar os nove euros. Ainda na quarta-feira, o Movimento Zero lançou nas redes sociais outro apelo, depois de comunicar o suicídio de outro colega.
Um incendiário chamado Luís Montenegro
Ninguém esperava uma grande adesão, mas as palavras de Luís Montenegro a comunicar que ‘não há mais um cêntimo, além dos 300 euros’, provocou um pequeno terramoto nas polícias. Só que o efeito André Ventura falou mais alto. Estando furiosos com Luís Montenegro, os polícias se aderissem em massa seriam conotados com o Chega e dificultariam ainda mais as negociações. O que obrigou todos os sindicatos, mesmo os mais radicais, a demarcarem-se da manifestação. O SIAP como tinha mostrado a sua posição antes de Ventura fazer o seu apelo, manteve a convocatória, apesar de ser considerado um sindicato moderado, que apenas exige os 400 euros, ao contrário de três que não prescindem dos 1026.
Como se viu ontem, não estariam mais de 300 polícias na Assembleia da República, o que terá de ser considerado uma enorme derrota para André Ventura. Mas, em abono da verdade, diga-se que em julho muito dificilmente as forças de segurança conseguiram fazer grandes manifestações, já que muitos estão de férias e os efetivos nas esquadras estão reduzidos ao mínimo. Além disso, os polícias estão muito divididos, havendo cada vez mais a quererem que se assine já o acordo com o Governo, pois 200 euros no imediato não são desprezíveis, e são, nas palavras de um oficial da PSP, «o maior aumento dos últimos 50 anos».
Do lado daqueles que não acreditam na bondade do Governo, há quem defenda que o Executivo pode chegar aos 500 euros, tal como prometido por vários governantes depois da tomada de posse. E, pormenor importante para um destacado sindicalista, «as promessas deste Governo podem perder-se se o Executivo cair ou se aparecerem outras prioridades pelo meio». Por isso, defende que a luta deve continuar. Claro que quem está por dentro das negociações diz que Marcelo jamais deixará que as promessas não sejam cumpridas.
Voltando ao início do texto, o Governo quer apresentar um pacote completo de incentivos, além de mostrar intenção de mudar a orgânica das forças de segurança, e chegar aos 400 euros por via indireta. E uma das cerejas que a ministra tem para apresentar diz respeito à ida de largas dezenas de polícias para as Polícias Municipais de Lisboa e do Porto, onde terão um aumento significativo à espera.
Já quanto a mudanças estruturais, o Executivo está a ponderar aplicar nas ilhas o modelo que vigora no continente. Isto é: a PSP deverá ficar com as áreas urbanas e a GNR com as zonas rurais, conseguindo dessa forma reforçar a segurança nos centros urbanos, além de possibilitar a transferência de polícias para os aeroportos das ilhas, devido às novas competências da PSP nas fronteiras aéreas.
Desunião, Ventura e férias complicam protestos
A luta entre o Governo começou muito antes da AD assumir o Executivo. Quando em final de 2023 António Costa assinou o subsídio de missão para a Polícia Judiciária e para os serviços secretos, que ronda, em média, os mil euros, os polícias foram acordados para a luta pelo agente Pedro Costa que decidiu pernoitar noites e noites em frente à AR, acordando os sindicatos para a luta. Todos, sem exceção, defendiam um suplemento de missão ou de risco igual ao da PJ. Realizaram-se ações de luta, optando muitos polícias por não fazerem serviços em carros que não cumpriam as regras do código da estrada. Nessa altura, tinham a conivência da hierarquia policial, que, diga-se, se a luta fosse ganha passariam a ganhar mais dois mil euros de subsídio. Entretanto, os sindicatos optaram por dar tréguas ao novo Governo, até porque perceberam que os cofres do Estado não estavam tão recheados como se imaginava, e optaram, os principais sindicatos, por exigir 400 euros de aumento: 300 este ano, e mais 50 no próximo e outro tanto em 2026. A equação podia variar, mas o objetivo era chegar aos 400. E é aí que entra Margarida Blasco, que, percebendo que não tinha dinheiro para chegar às reivindicações dos sindicatos, começa a estudar uma proposta que inclui 300 euros em dois anos, mais outras regalias que podem chegar, de forma indireta, aos tais 400. Ver-se-á como reagem os principais sindicatos a 9 de junho, apesar do azedume com Luís Montenegro.
*com Maria Moreira Rato