Eleições. Governo pisca olho a pensionistas

Governo aprovou um suplemento às pensões que será pago em outubro, antes da discussão do OE. Economistas dizem que Montenegro quer fazer pazes com pensionistas e pôr fim à ideia de cortes de Passos Coelho.

A tratar «estratégica e estruturalmente do futuro de Portugal». Foi desta forma que Luís Montenegro justificou o anúncio do aumento extraordinário das pensões. É para ser aplicado apenas em outubro, mês da apresentação do Orçamento do Estado para 2025, e quem recebe até 509,26 euros (um IAS – Indexante de Apoios Sociais) receberá um cheque extra de 200 euros. Para as pensões entre os 509,26 e 1018,52 euros, o suplemento será de 150 euros. Já as reformas entre os 1.018,62 e 1.527,78 euros receberão mais 100 euros. A somar a esta medida há que contar ainda com o passe ferroviário de 20 euros. Anúncios que, segundo os economistas ouvidos pelo Nascer do SOL, já mostram o primeiro-ministro a piscar o olho aos futuros eleitores e a marcar terreno no caso de haver eleições antecipadas.

Em relação às pensões, a medida irá abranger cerca de 2,4 milhões de beneficiários e custará cerca de 422 milhões de euros. Ao nosso jornal, o economista Luís Aguiar-Conraria diz que não sabe onde o Governo vai buscar esse dinheiro, mas admite que possa haver alguma folga de que não estejas a par. «O Ministro das Finanças é que tem o controlo das coisas e vamos acreditar que tenha isso controlado. Do ponto de vista do equilíbrio das contas públicas, sendo uma medida de um só um ano não é propriamente problemático. Não é o como o caso dos polícias, em que houve um aumento que todos os anos depois tem de ser pago. Neste caso é apenas um cheque e nessa perspetiva são dois ou três euromilhões para financiar uma medida destas», salienta.

Também o economista João César das Neves reconhece que para tudo não há verba, mas para esta medida irá haver. «Veremos no Orçamento à custa de quê», afirma. E mesmo afirmando que a economia portuguesa continua a andar «surpreendentemente melhor» do que a europeia nos últimos tempos acredita que é normal que desacelere. Ainda assim. lembra que «essa flutuação pouco tem a ver com os 400 milhões desta medida, que seria sempre duvidosa, mesmo se a economia continuasse forte».

Quanto às intenções, Conraria não hesita: «O que me parece é que Montenegro quer estar preparado para eleições a qualquer momento, o que apesar de tudo é legítimo. Se a oposição tem o poder de o mandar abaixo quando quiserem ele tem de estar preparado para as eleições no momento menos conveniente». E recorda o objetivo que foi assumido, ainda durante a campanha, de o PSD querer fazer as pazes com os reformados. «As pessoas que recebem o dinheiro vão ficar contentes e, pelo menos, numas próximas eleições será mais difícil ao PS acenar com o espantalho dos cortes das pensões no tempo de Passos Coelho. Isso deixa de fazer sentido e nesse aspeto pode ser um boa jogada política»

Também para César das Neves, o suplemento extraordinário das pensões «não constitui uma verdadeira medida política, algo que altere a estrutura dos problemas, mas uma simples benesse pecuniária», acrescentando que «mostra a enorme relevância política que os pensionistas têm em Portugal, um grupo que o atual Governo pretende conquistar, depois do anterior Governo tê-lo sempre cortejado».

Uma medida que não convence Eugénio Rosa ao lamentar que esse valor só seja pago uma única vez, o que não vai alterar «de uma forma permanente a situação de pobreza e mesmo de miséria em que vivem cerca de 1,9 milhões de pensionistas no nosso país», defendendo que o Governo quer «fazer passar a falsa mensagem junto da opinião pública que se preocupa com os pensionistas». E avança com números: «Cerca de 1,7 milhões de pensionistas recebem pensões inferiores ao limitar da pobreza que, em 2023, era 506 euros  260. 000 recebiam mesmo menos de 300 euros. O número de aposentados com pensões inferiores ao limiar da pobreza ultrapassava os 100. 000. É evidente que neste de contexto de pobreza generalizada dos pensionistas e de uma parte dos aposentados, um suplemento de 200 euros para pensões até 508 euros (1,6 milhões pensionistas e aposentados), de 150 euros para pensões superiores até 1018 euros (311.000 pensionistas e aposentados) e de 100 euros para pensões superiores até 1.527 euros (257.000 pensionistas e aposentados) tem relevância».

E como este suplemento único vai ser pago em outubro, o economista diz que é ‘obrigado’ a pensar que a ideia é pressionar os partidos da oposição na Assembleia da República a aprovar o Orçamento do Estado para o próximo ano. «É uma espécie visível de chantagem de um Governo que é ‘bonzinho para os pensionistas’», lembrando que os aumentos em 2025 deverão ser baixos e, como tal, não podem ser «utilizados como arma de arremesso». Isto porque, de acordo com as contas do economista, como a média do crescimento real do PIB de 2023 e 2024 deverá ser inferior a 2%, os aumentos das pensões em 2025 deverão variar entre 1,25% para as pensões mais elevadas ( até 6 IAS) e 2,5% para as pensões mais baixas (até 2 IAS) de acordo com a lei que regula a atualização das pensões da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações.

Já em relação à despesa extra na ordem dos 400 milhões de euros, Eugénio Rosa admite que é «perfeitamente comportável» pelo Orçamento da Segurança Social aprovado para 2024, acenando com um excedente de 3.191 milhões acumulados pela Segurança Social nos primeiros seis meses deste ano em contabilidade pública, uma vez que, segundo o mesmo, os recebimentos foram superiores aos pagamentos, segundo a Direção-Geral do Orçamento. «Se analisarmos a execução do Segurança Social por rubricas conclui-se que a despesa com pensões paga no 1.º semestre foi de 9.770 milhões quando o orçamento para o ano é de 22.108 milhões, logo, o valor que foi pago na 1.ª metade de 2024 corresponde apenas 44,2% do que consta do orçamento aprovado para 2024. Portanto, no 1.º semestre pagou-se menos 1.290 milhões. O ‘buraco’ que existe em relação ao défice não é na Segurança Social, mas sim da Administração Central da responsabilidade do Governo que no 1.º semestre de 2024 apresentou um saldo negativo de menos 7.675 milhões em contabilidade pública», salienta.

Resposta vai ser insuficiente

Já em relação ao passe ferroviário de 20 euros mensais – que dará acesso a todos os comboios urbanos, regionais, inter-regionais e intercidades e que irá entrar em vigor em setembro – Luís Aguiar-Conraria afirma que lhe parece «um disparate grande». E mesmo reconhecendo que «é perfeitamente legítimo que se estimule os portugueses a andar de transportes públicos para a nossa melhoria de qualidade de vida e para o combate às alterações climáticas» defende que deveria ter havido uma aposta no aumento da oferta. «Não tendo havido uma compra extraordinária de comboios o que imagino é isto irá provocar um prejuízo enorme. Não consigo entender. Vamos ver o que é que vai acontecer, mas parece-me um bocado louco. Não ando em todos os Intercidades do país, mas uso muitas vezes o de Lisboa/Braga e o passe mensal vai ser mais barato do que o bilhete que pago hoje para ir a Lisboa. Se este comboio já está tantas vezes cheio com esses preços vai encher completamente e vai haver uma degradação brutal dos serviços», refere o economista. 

Aliás, essa preocupação foi entretanto revelada pela Comissão de Trabalhadores (CT) da empresa ao considerar que o passe vai ser um desastre financeiro para a transportadora e a CP vai mostrar a falta de capacidade para responder ao aumento da procura. E, no seu entender, representa «mais uma grosseira violação» do contrato de serviço público, que prevê que a transportadora seja compensada financeiramente como contrapartida pelas devidas obrigações e que o Estado possa alterar os parâmetros de serviço público definidos, na condição de notificar previamente a empresa, para que tenha tempo de fazer um estudo de viabilidade operacional e de impacto na compensação devida, estudo que tem de passar pela Autoridade de Mobilidade e Transportes (AMT).