O anúncio feito esta quinta-feira por Pedro Nuno Santos, pôs um ponto final no drama político em que o país vivia há longos meses e semanas. Depois de negociações que não acabaram em acordo, Pedro Nuno em nome da responsabilidade acaba por decidir -se pela viabilização do Orçamento.
Depois do anúncio do Chega de que vai votar contra o Orçamento, feito logo no início da semana, a pressão voltou a concentrar-se no Largo do Rato. Ao longo da semana, já depois de terem ouvido Pedro Nuno Santos pedir num evento socialista para que os críticos abdicassem de dar a sua opinião na comunicação social, as vozes do partido a pedirem sentido de responsabilidade ao líder foram em crescendo. O apelo ao silenciamento surtiu o efeito ao contrário e até aqueles que estavam mais contidos sentiram necessidade de fazer ouvir a sua voz. E este terá sido também um fator decisivo para a decisão final do líder socialista.
Debate na especialidade é nova preocupação
Com a garantia de que o PS se irá abster na votação geral e final do Orçamento, mantém-se o receio sobre o que pode acontecer no debate na especialidade. Questionado sobre o tema, Pedro Nuno Santos deixou claro que o PS vai querer obter ganhos no debate na especialidade .
A configuração parlamentar facilita votações cruzadas que facilmente derrotam as posições dos partidos do Governo. Várias vozes ouvidas ao longo da semana pelo Nascer do SOL compreendem que o líder socialista procure obter alguns ganhos no debate da especialidade, depois de ter deixado passar o Orçamento numa primeira votação.
«É normal que o PS apresente propostas de alteração, mas o Pedro Nuno disse sempre que iria respeitar as contas certas e isso obriga a não desvirtuar o Orçamento», diz-nos um socialista que com este argumento descarta uma estratégia de o PS tentar ganhar na especialidade o que aparentemente perde com a votação na generalidade. Esta foi aliás a posição assumida pelo próprio Pedro Nuno Santos quando no final da sua declaração lhe fizeram a pergunta sobre o que o PS iria fazer no debate na especialidade.
Ainda antes destas garantias, alguns dos deputados que defendem abertamente que o PS deve viabilizar as contas para 2025 mostravam-se intranquilos com o que se irá passar até à votação final que deverá ocorrer no dia 29 de novembro. «O Governo não pode governar com um orçamento desvirtuado e o PS tem de ser responsável», observa um ex-ministro do Governo socialista que se senta agora na bancada parlamentar.
Os deputados e outros dirigentes socialistas que têm defendido a abstenção do PS, numa altura em que davam por garantido que o secretário-geral já não tinha margem para fazer outra opção que não fosse viabilizar o documento na votação da próxima semana, transferem agora as atenções para o dia seguinte e alteram a sua posição para evitar um chumbo que possa surgir na fase determinante do debate orçamental, ou seja, no espaço de quase um mês em que o debate se faz ponto a ponto do documento e em que votações cruzadas podem alterar o essencial do documento. Colocados perante essa hipótese, Correia de Campos e Ana Abrunhosa defenderam esta semana à Rádio Observador que o PS deve deixar a AD aprovar o seu primeiro Orçamento de acordo com o seu programa, até porque o Governo só tem seis meses de vida e ainda não teve tempo de mostrar resultados. «Daqui a um ano, num próximo orçamento as coisas podem ser diferentes», refere Ana Abrunhosa.
Chega e esquerda unida não vão facilitar
A partir do momento em que decidiu votar contra o Orçamento, atirando a batata quente para as mãos dos socialistas, o partido de André Ventura sente-se de mãos livres para apresentar todas as propostas de alteração que possam levantar problemas ao Governo. Muitas dessas propostas podem ter o apoio dos partidos à esquerda que também já anunciaram o voto contra, mas também dos socialistas.
A aposta de André Ventura, depois de ter tentado comprometer Luís Montenegro com a acusação de que o primeiro-ministro lhe propôs um acordo, é comprometer o mais possível PS e PSD, para poder cavalgar o discurso de que os dois partidos se defendem. A forma de o fazer é através de propostas de alteração que possam reunir consenso com a esquerda.
«Ele tem um instinto político como ninguém», diz-nos um deputado do Chega e acrescenta «assim que estiver ultrapassada a hipótese de chumbo, o André vai fazer tudo para ocupar a centralidade no debate político». Se vai ou não ter sucesso, depende em grande parte do comportamento da esquerda no debate na especialidade. Do lado dos partidos do Governo há mais tranquilidade, conscientes de que até ao momento fizeram tudo certo para não ficarem com o ónus de uma crise, também têm como certo que ninguém compreenderia que o Orçamento fosse desvirtuado depois da votação na generalidade e se isso acontecer, é praticamente certo que votam contra.