O clima mantém-se tenso nos corredores de São Bento, apesar de o orçamento ter passado na votação na generalidade e de os socialistas já terem prometido igual votação no final do processo de debate orçamental.
Em causa estão as possíveis alterações no debate na especialidade e a definição do que o Governo considera que é um desvirtuar do documento. «Os problemas não estão todos ultrapassados e ainda há riscos», diz-nos um deputado da maioria.
Linhas vermelhas ou desvalorização
Numa altura em que os vários ministros fazem as audições da praxe no Parlamento, nos gabinetes partidários preparam-se as estratégias políticas para o próximo passo.
As inúmeras propostas de alteração que sempre aparecem para a discussão na especialidade do orçamento começam já a ser anunciadas e, se na sua maioria não levantam questões de vulto, há duas que podem fazer a diferença e ditar a abertura de uma nova crise em torno das contas para 2025.
É certo que Pedro Nuno Santos já garantiu que não vai fazer propostas irresponsáveis nem que ponham em causa as contas do Governo. Mas também é verdade que tem vindo a ser anunciado o propósito de os socialistas proporem um aumento extraordinário de pensões. Para que a proposta não comprometa o excedente orçamental previsto pelo Governo, é necessário que surja em substituição de uma outra, e essa pode ser a descida de 1% nas taxas de IRC.
Caso isto venha a acontecer, o que farão os partidos do governo? Questionados pelo Nascer do SOL, deputados do PSD e do CDS apressaram-se em responder que não têm nada a dizer sobre o assunto. Ao que soubemos, Governo e grupos parlamentares ainda não definiram uma estratégia e há divisões sobre se o Governo deve deixar claras desde já quais são as linhas vermelhas que uma vez ultrapassadas «desvirtuam» o orçamento.
Para alguns dos deputados ouvidos esta semana pelo nosso jornal, deixar cair o IRC é deixar cair a marca da AD. «Isso não pode acontecer sob pena de darmos razão ao Chega para dizer que este é o orçamento do PS».
O Chega já anunciou que vai propor a diminuição de 2% de IRC, nos mesmos termos em que a proposta surgia no programa eleitoral da AD. No debate na especialidade, as propostas de alteração são as primeiras a ser votadas e, caso sejam aprovadas, substituem o articulado do documento original. Uma vez que o PSD já disse que votará contra, para cumprir o entendimento com os socialistas, a descida de 2% de IRCserá chumbada. Só depois é que a redução de 1% vai a votos e, a única forma de evitar que a descida do IRC acabe por não constar do orçamento é acautelar a abstenção dos socialistas. «Têm de ter primeiro a garantia de que o PS se abstém na descida de 1%, senão cai o IRC», diz-nos um deputado da AD.
‘Mais socialista não podia ser!’
O receio é que os socialistas, argumentando com a ideia de que não chegaram a acordo com o Governo e que o PS sempre se opôs à descida do IRC, não valorizem o ajuste na proposta feito no âmbito das negociações com o PS e os socialistas acabem por votar contra a diminuição do imposto.
«Esta não é uma mudança qualquer, é a queda de uma marca definidora da política da AD», refere uma voz preocupada com a possibilidade de a descida do IRC vir a ser sacrificada em nome da passagem do orçamento.
Com a intenção de afirmar um Partido Socialista diferente e crítico do Governo, apesar de garantir a aprovação do documento da AD, Pedro Nuno Santos, quer deixar a sua marca e, se o cruzamento com a estratégia do Chega correr bem, na versão final «pode sobrar um orçamento que não baixa o IRC e que dá um aumento extraordinário aos pensionistas. Mais socialista não podia ser!». O receio foi-nos referido por um deputado que explica como as agendas dos dois principais partidos da oposição podem bater certo para as estratégias de Pedro Nuno Santos e de André Ventura em simultâneo.
Depois de ter ficado de fora das negociações com o Governo, o Chega aposta numa demonstração de que é uma verdadeira alternativa à direita e vai acusar o governo de ter ficado com um orçamento socialista e, se o PS fizer passar o aumento de pensões com os votos do Chega, nada melhor para que no final Ventura e Pedro Nuno possam anunciar uma vitória e a capitulação do governo de Montenegro à oposição.
Estas são as contas que se vão fazendo por estes dias nos gabinetes da Assembleia da República e que estão a deixar os deputados da maioria preocupados com o day after. «Não podemos aprovar o orçamento a qualquer preço», dizem-nos.