Contas feitas, vai ficar tudo na mesma em matéria de legislação da interrupção voluntária da gravidez (IVG). A decisão tomada esta quinta-feira na reunião do grupo parlamentar do PSD de votar contra todas as propostas que vão ser apresentadas, elimina as dúvidas. A aritmética parlamentar vai ditar a rejeição de todas as propostas. O voto contra de PSD, CDS e Chega nas propostas vindas da esquerda garante o chumbo do alargamento dos prazos. O voto contra de toda a esquerda, somado ao voto contra do PSD, chumbarão também as propostas em sentido contrário do CDS do Chega.
O voto dos sociais-democratas é assim decisivo para o desfecho antecipado de um debate que sempre gera polémica na sociedade portuguesa. É a primeira vez que numa matéria como esta vai haver disciplina de voto na bancada laranja. Motivo? «O referendo de 2007 que abriu a porta à legislação em vigor falava expressamente num prazo de 10 semanas» e «o primeiro-ministro comprometeu-se em campanha eleitoral a não fazer qualquer alteração à lei», explicou Hugo Soares no final da reunião do grupo parlamentar.
As várias propostas que esta sexta-feira vão ser discutidas e votadas no Parlamento surgiram na sequência de uma primeira iniciativa do Partido Socialista que pretende o alargamento das 10 para as 12 semanas, como o prazo permitido para o recurso à IVG a pedido da mulher. À proposta dos socialistas, juntou-se uma semelhante do Partido Comunista, outras duas do Bloco de Esquerda e do Livre propondo o alargamento do prazo para as 14 semanas e uma outra do PAN propondo um circuito mais ágil no SNS para quem queira recorrer ao aborto.
Em sentido contrário, também o CDS e o Chega apresentam propostas semelhantes, propondo o regresso às alterações na lei introduzidas em 2015 pelo Governo de Pedro Passos Coelho. Os dois partidos querem reforçar a informação dada às mulheres que pedem a IVG, nomeadamente os apoios a que podem recorrer se decidirem levar por diante a gravidez. Já no que respeita ao direito à objeção de consciência, os centristas propõe que os médicos não sejam por esse motivo afastados das consultas prévias às mulheres que queiram recorrer ao aborto.
Sociedade civil mobiliza-se
Como quase sempre acontece quando os temas fraturantes entram no debate político, os últimos dias foram recheados de comunicados e abaixo-assinados a favor e contra as alterações propostas à lei da IVG.
As várias iniciativas tentaram reunir personalidades da sociedade civil em abaixo-assinados publicados nos meios de comunicação social. É uma prática habitual em que os dois lados procuram mostrar que as posições a favor do alargamento e as que defendem um maior controlo da legislação em vigor , são apoiadas por figuras que ultrapassam as fronteiras da política.
Original foi a iniciativa dos que se opõem às propostas de alargamento de prazos que criaram uma plataforma que permitiu inundar as caixas de correio dos deputados com uma mensagem em que expõem os argumentos pelos quais consideram ser um erro alargar os prazos permitidos para a realização do aborto e terminam com um apelo, «por todo o exposto, esta proposta não parece refletir o respeito pela ciência nem pela vida humana, mas sim o cumprimento de uma agenda política. Assim, apelo para que V. EXª vote contra esta medida, defendendo os princípios éticos e a proteção dos mais vulneráveis».
A plataforma foi criada por um engenheiro informático português que trabalha habitualmente com movimentos pró-vida internacionais. Nuno Miranda explicou ao Nascer do SOL que este tipo de procedimento é habitual nos restantes países europeus, mas que em Portugal é dificultado pelo facto de os deputados não terem o seu email disponível no site da Assembleia da República.
A inexistência de email
Quando alguém se quer dirigir a um deputado, surge uma caixa de mensagens sem endereço de email. A omissão das caixas de correio eletrónico dos deputados dificulta que os cidadãos possam «aceder mais facilmente aos deputados do seu distrito. O que fiz foi uma página web em que consegui ultrapassar essa dificuldade tornando fácil a quem quisesse enviar a mensagem aos deputados do seu circulo», explica o autor da plataforma.
A verdade é que a iniciativa teve sucesso, de tal forma que os serviços informáticos do Parlamento bloquearam e apagaram os emails que estavam a chegar aos milhares na quarta-feira à caixa de correio dos deputados. Em resposta aos deputados do Chega que estranharam o facto, os serviços informaram que «identificámos a utilização de um exploit a uma vulnerabilidade exposta no formulário do Correio do Cidadão» e acrescenta, «caso pretendam visualizar os emails enviados com origem no exploit, poderão solicitá-lo através de email». Confrontado com a iniciativa dos serviços informáticos do Parlamento, Nuno Miranda estranha o procedimento e acrescenta que este tipo de iniciativa é muito comum noutros parlamentos na Europa, «quem não quer receber, cria filtros no sistema, não se apagam emails de forma generalizada do sistema».
O informático, que é também ativista em várias associações pró-vida, estranha a falta de transparência no acesso dos eleitores aos deputados eleitos, «choca-me um bocado, porque os deputados não gostam de ser incomodados, mas noutros países isto é habitual».
A verdade é que o Nascer do SOL ouviu esta semana nos corredores da Assembleia da República várias queixas sobre as centenas de emails que estavam a receber nas respetivas caixas de correio. Foi a primeira vez que os deputados tiveram esta experiência e claramente não estavam preparados.