Empresa de bandeira. Um símbolo nacional que pesa no bolso dos portugueses

.

Empresa de bandeira. Um símbolo nacional que pesa no bolso dos portugueses

Apesar da ligação que a TAP tem à diáspora, há cada vez mais vozes críticas que põem em causa se Portugal deve ter ou não uma empresa de bandeira. E se muitos apontam o dedo à falta de capacidade do país em gerir uma companhia desta dimensão há quem diga que este ‘apego emocional é algo muito terceiro-mundista’.

Apesar de toda a instabilidade em torno da TAP, a transportadora tem sido vista como uma empresa de bandeira. A par da ligação histórica que tem com o Estado, é vista como uma empresa que leva a cabo uma atividade estratégica e com fortes ligações à diáspora portuguesa, desempenhando um papel central na ligação entre Portugal e as comunidades emigrantes espalhadas pelo mundo, especialmente na Europa, América do Norte, África e Brasil.

É certo que surgem cada vez mais vozes a chamaram a atenção para a necessidade de encontrar um parceiro mais forte ou até quem defenda que deve ser privatizada na totalidade, pondo em causa se Portugal precisa ou não de manter uma empresa de bandeira.

Ao i, o especialista em aviação Pedro Castro admite que, no contexto jurídico-comercial e socioeconómico da aviação de hoje, uma companhia aérea de bandeira financiada pelos contribuintes não faz qualquer sentido e defende que é totalmente desnecessária. “Em 2024, a TAP representou apenas 16 dos 70 milhões de passageiros de todo o país. E desses 16 milhões, cerca de cinco viajaram na TAP apenas para trocar de avião para ir para outro destino. Se o mercado falhar com uma ou outra ligação, então sim, podemos estudar opções públicas, que é o que a Madeira faz relativamente aos voos entre o Funchal e o Porto Santo, por exemplo”, recordando que a Madeira “não se transformou em ‘dona’ e gestora de uma companhia aérea para assegurar esses voos essenciais, em que contrata uma empresa aérea em regime de concessão pública para o fazer, paga X por ano e está tudo predefinido, sem surpresas”.

E em matéria de transportes, Pedro Castro diz que mais importante é Portugal ter “uma conectividade aérea que toque todos os aeroportos do país e que não afunile tudo na capital, de preferência com companhias aéreas com bases em todos os aeroportos para gerar mais empregos diretos por todo o lado”.

Risco para o Estado Outra das vozes críticas em relação ao Estado ser dono de uma companhia aérea é o economista Pedro Brinca. “Se alguma coisa provou nos últimos anos é que o país não tem condições políticas nem institucionais para ter uma companhia aérea”, referiu em entrevista ao Nascer do SOL. E questiona: “O Estado quer ter uma companhia aérea por questões estratégicas para manter ligações diretas aos PALOPs, Brasil, etc. Mas isso quer dizer que o Zé Maria dos anzóis que mora em Vila Real está a pagar os que vão andar de avião para Guiné-Bissau? Faz sentido? Se calhar faz, já paga para o metro de Lisboa, porque é que não há de pagar para a TAP?”

Também Luís Mira Amaral tem referido que a TAP pode dar “agora alguns lucros, mas é sempre um grande risco para as finanças públicas enquanto tiver o Estado como único acionista”. E dá uma justificação: “A TAP está ‘entalada’ entre dois modelos: entre as grandes companhias que eram as antigas companhias de bandeira que têm uma dimensão e uma escala que a TAP nunca terá e, do outro lado, tem as companhias low-cost com custos muito mais baixos e que a TAP nunca conseguirá ter”, acrescentando que “a TAP pode dar conjunturalmente lucros, mas num ciclo mau de aviação e da economia mundial podemos ter novamente um problema sério na empresa, como houve na pandemia” e, nessa altura, o Estado português poderá ter maior dificuldade em “conseguir pôr dinheiro na TAP com a mesma facilidade que pôs agora. E não hesita: ”Se está numa boa conjuntura e a noiva está bela é boa altura para vender”.

Já Paulo Monteiro Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, refere que se trata de uma decisão política.

O que se passa nos outros países? Pedro Castro diz ainda que, em termos aeronáuticos, “parece que a referência dos políticos portugueses congelou no tempo das caravelas e do tratado de Tordesilhas com dois grandes ‘hubs’ mundiais arqui-inimigos, Lisboa e Madrid, de onde se comanda o mundo”, mas também reconhece que ao ouvir outros, “parece que um sistema tipo Coreia do Norte com uma única companhia do Estado seria o ideal” e dá exemplos do que se tem verificado em outros países.

“A Grécia conseguiu enterrar a sua mítica Olympic Airways do Onassis em 2011 e até a Itália fechou a sua chique Alitalia dos uniformes Giorgio Armani 10 anos depois. Claro que, antes disso, a Bélgica fechou a Sabena e a Suíça a Swissair e que a Áustria vendeu a sua Austrian Airlines. Até o Brasil aceitou o fim da ‘sua’ VARIG em 2006”, acrescentando que “este apego emocional a uma companhia aérea é algo muito terceiro-mundista e é particularmente forte em África por uma verdadeira razão nada patriota: é através delas e da construção de aeroportos que vários governantes africanos recebem subornos e lavam de dinheiro. Em Moçambique, um dos ministros dos Transportes foi condenado a prisão efetiva por isso mesmo. O que se passa em Portugal relativamente à TAP foi ultrapassado por outros países há muito tempo; no terceiro-mundo é que ainda não”.

Se olharmos para países com companhias estatais ou com grande participação do Estado, podemos ir, por exemplo, ao Médio Oriente ou Norte de África, onde praticamente todas as companhias aéreas são totalmente controladas pelos seus governos. Emirates, Etihad e Qatar Airways, por exemplo, são controladas pelos governos dos Emirados Árabes Unidos e do Qatar.

Na China, as três grandes – Air China, China Southern e China Eastern – mantêm participações maioritárias do Governo, geralmente acima dos 50%.
Na Alemanha, a Lufthansa tem uma história parecida com a da TAP. Na sua formação, em 1926, foi uma empresa estatal, resultado da fusão entre Deutsche Aero Lloyd e Junkers Luftverkehr. Em 1994, a Lufthansa foi parcialmente privatizada, com a venda de ações para o público. Em 1997, a empresa foi completamente privatizada. Mas, durante a pandemia, o Governo alemão adquiriu uma participação acionária para estabilizar a empresa, mas essa participação foi gradualmente vendida, e em 2022 a Lufthansa retornou à propriedade totalmente privada.

Já no caso da Rússia, a Aeroflot é controlada diretamente pelo Estado (cerca de 51 %), com mais ações a pertencer à empresa estatal Rostec.
Ainda em África e também na América Latina, há algumas companhias do Governo. A título de exemplo, na Bolívia, a Aviación (BoA) é totalmente estatal. Já na Tanzânia, a Air Tanzania voltou a ser totalmente estatal após recompra das ações, o que aconteceu depois de tentativas anteriores de privatização.

Argentina, Cuba, Colômbia, Líbia, Argélia também ainda operam companhias maioritariamente estatais ou com uma grande mão do Governo.
No Quénia, a Kenya Airways é uma parceria público-privada, com cerca de 49 % do Estado, 7,8 % da KLM e o restante em mãos privadas.
Seguimos para Marrocos, onde a Royal Air Maroc é 53,9 % estatal diretamente, com mais 44,1 % de fundos públicos e apenas aproximadamente 2 % estão em mãos privadas.
No Azerbeijão, a Azerbaijan Airlines (AZAL) é estatal e gerida por uma holding controlada pelo governo.
Mas há outros países onde não é assim. Os EUA nunca tiveram uma companhia aérea que fosse do Estado.

Já no Reino Unido, a British Airways foi criada como estatal, mas privatizada em 1987 e hoje opera sob liderança do grupo IAG (que é privado).
Por sua vez, a Air France-KLM não é estatal, embora o governo francês ainda detenha cerca de 14 % das ações e o grupo é gerido como empresa privada.
Na Irlanda, a Aer Lingus iniciou privatizações em 2006 e hoje é maioritariamente privada.

Olhando para a Índia, a antiga estatal Air India foi vendida ao grupo Tata em 2021 e hoje é totalmente privada e, na Coreia do Sul, a Korean Air foi parcialmente privatizada mas o Governo mantém influência através de participações indiretas.

Por fim, na Austrália, a Qantas foi toda privatizada há décadas e o Estado australiano não tem qualquer participação.