As linhas vermelhas e o pé na mola…

Para Carmo Gomes, ‘o país está com o pé na mola’, mas que acontecerá se for aliviada, como se viu no Natal e noutros eventos tidos por exceções?

Há um bloqueio político em Portugal de desfecho incerto. Governo e oposições convivem numa aflitiva mediocridade, que a crise pandémica veio desnudar com apreciável crueza. 

Talvez por isso, houve já quem apelasse a um governo de salvação nacional, que teria a vantagem de livrar o PS de sarilhos, enquanto o Presidente da República suportaria o ónus – político, social e económico –, de um problema de saúde pública mal gerido. 

Claro que Marcelo Rebelo de Sousa ‘chutou para canto’, pouco vocacionado para ser o ‘cordeiro pascal’, oferecido em sacrifício para salvar o governo, até por não se avistar uma personalidade capaz de liderar esse processo, com o perfil de um Mário Draghi, investido nesse desafio em Itália.

O impasse é óbvio. E de pouco adianta acusar António Costa de ter falhado como primeiro-ministro, se não houver uma alternativa verosímil para o substituir. Ora o que se observa, à direita, não é estimulante. Enquanto o CDS se dilacera numa ‘guerra de capoeira’, o PSD não está melhor, e Rui Rio apenas tem confirmado as incapacidades detetadas mal eleito.

Com a cumplicidade das esquerdas comunistas – e o benefício das fraquezas das direitas –, o PS governa mal, mas tem vindo a capturar, paulatinamente, o Estado e as alavancas essenciais à manutenção do poder, incluindo a Justiça, e, em larga medida, o universo mediático.  É uma reprise de Sócrates, em parte com os mesmos atores, entretanto recuperados, sem grande pudor nem memória.

Veja-se o atual modelo dos telejornais. Independentemente do operador ser público ou privado, recorrem, diariamente, a uma enxurrada de imagens fortes de doentes acamados, ligados à máquina, de pessoal médico e de enfermagem enfiado em fatos de ‘astronauta’, de macas à espera de vez.

É a narrativa do medo, que serve para assustar, e uma espécie de reality show informativo, amiúde a resvalar para o mórbido, que lembra, irresistivelmente, os incêndios florestais, quando as televisões se deleitam em ‘diretos’ intermináveis, com labaredas em pano de fundo. 

Os ‘mandarins’ das televisões em Portugal devem ter concluído que o que rende é ‘esticar’, em prime-time, os blocos noticiosos, em formato ‘XL’, na convicção que ‘seguram’ melhor as audiências do que os programas de “entretenimento ‘dos humoristas do regime’… E insistem no absurdo, embalado em muita pirotecnia visual. O pior é que esta tendência, acrítica e comprometida, veio para ficar, arruinando a credibilidade que seria fundamental nestes tempos conturbados.
Infelizmente, há quem goste, mesmo quando o resultado global pisa as fronteiras da ética e do respeito pela privacidade de um doente em enfermaria ou de um idoso a ser vacinado. O país está enfermo, fustigado pela epidemia e por uma rara demonstração de incompetências políticas. Não há memória de nada parecido. 

Vive-se uma anestesia coletiva, e só isso explica que o PS ainda apareça bem posicionado nas sondagens, apesar das asneiras cometidas e do desfile trágico de lutos, que só encontra paralelo se recuarmos cem anos, até à pneumónica de 1918. 

A ministra da Saúde, é um exemplo acabado de alguém que, antes ainda de a pandemia ser declarada, já provara ser um ‘erro de casting’, ao confirmar cedo o seu preconceito ideológico em relação ao setor privado. 
Marta Temido esqueceu que não foi empossada como ministra do SNS e que o sistema de Saúde tem outra dimensão e valências. Resta saber qual é, afinal, a política de saúde de António Costa, se é que tem alguma… 

A inconcebível falta de planeamento durante a pandemia, mascarada até ao limite com a propaganda mediática, não pode encobrir a dramático recorde de vítimas da covid-19 em Portugal. Bastaria citar o epidemiologista Manuel Carmo Gomes para quem é forçoso adotar «uma resposta agressiva, com linhas vermelhas», porquanto Portugal «tem andado atrás da pandemia». Disse-o nas despedidas do Infarmed, onde voltou a defender a testagem intensiva, em vez de privilegiar-se o confinamento que está a dividir a sociedade, por falta de uma estratégia coerente de ataque ao vírus. Para Carmo Gomes, «o país está com o pé na mola», mas que acontecerá se for aliviada, como se viu no Natal e noutros eventos tidos por exceções?

A brutalidade do registo de mortes e de novos infetados projetou Portugal para o topo entre os piores do mundo, o que forçou o primeiro-ministro a admitir, tardiamente, que as coisas estão a correr muito mal. O preço em vidas perdidas e a crise económica que irá assolar o país, serão uma ‘bomba relógio’ e um libelo contra o comportamento errático do Governo nesta crise.

Note-se que no final de 2020, a dívida pública ascendia já a 270,4 mil milhões de euros, ou seja, 133,7% do PIB. Uma realidade insuportável num Estado tecnicamente falido.