Como é que viu a recusa do Tribunal Constitucional (TC) em clarificar o acórdão do chumbo ao Orçamento do Estado (OE)?
A decisão do TC confirmou que o pedido de aclaração era legítimo e adequado. O TC decidiu não responder em concreto às dúvidas, mas reafirmou que os efeitos decorrentes da sua decisão só se produziram de 31 de Maio em diante. É uma decisão que potencia eventuais diferenças de tratamento. No que depende de si, creio que o Governo fez bem em assegurar a igualdade de tratamento pelo regime mais favorável a todos os funcionários públicos.
Como explica o desencontro entre as decisões do TC e as medidas propostas pelo Governo?
As decisões do TC são incompreensíveis do ponto de vista jurídico, são incongruentes e, de certa maneira, pervertem o funcionamento do nosso sistema político. O TC tem invadido um espaço que é do legislador. O TC pode gostar mais ou menos de determinadas medidas, mas o critério que tem de ter é jurídico. Não cabe ao TC julgar o mérito das medidas.
Esta semana a ministra das Finanças veio lembrar que os tratados europeus se sobrepõem à Constituição. Tem faltado essa ponderação nas decisões do TC?
Isso também tem peso constitucional. E não é só no cumprimento dos tratados. Quando não há finanças públicas equilibradas, o que está em jogo é o cumprimento de direitos que a Constituição prevê. Se o Estado não tiver equilíbrio financeiro pode não ter meios para sustentar a despesa social, seja na Saúde, na Educação ou na Segurança Social.
O TC está a criar um bloqueio?
O TC afunilou de tal maneira o leque de opções que parece que a única alternativa possível é o aumento de impostos. Mas o aumento dos impostos é trágico. As pessoas estão já no limiar máximo da carga fiscal. As empresas estão num limiar muito elevado. A economia ainda está a recuperar de uma recessão enorme.
Um aumento de impostos põe em causa os sinais de retoma?
Fica tudo em causa. Está em causa a economia, a vida das pessoas, a recuperação do emprego e pode estar mesmo em causa a nossa participação na União Europeia (UE). Porque prejudicar a economia também significa não cumprir as metas. O aumento de impostos não tem um efeito directo, não aumentamos hoje os impostos e ficamos com o problema orçamental resolvido. Podemos perder receita e ter ainda mais despesa e com isso incumprir as metas. Se não cumprirmos as metas, não temos condições para nos mantermos na UE e no euro.
O Governo tem sublinhado as consequências dos chumbos. Os juízes serão sensíveis a isso?
Temos sempre a esperança de que possa haver uma evolução na jurisprudência do TC que não leve Portugal para uma situação de ingovernabilidade, porque é isso que pode acontecer. O PS já disse que o Estado não tem condições para em 2015, num ápice, repor o nível salarial da Função Pública. A reposição teria de ser gradual.
Está a dizer que o PS teria o mesmo problema?
O que é estranho é que o PS não esteja preocupado com as decisões do TC e esteja apenas preocupado com aquela 'partidarite' de o Governo ter eventuais derrotas porque as medidas não passam. O problema também é do PS.
O esticar de corda pode levar a eleições antecipadas?
Eu não estou a pôr esse cenário. Estou a querer transmitir que as decisões do TC não afectam a actual maioria parlamentar nem o Governo só. Eu acho que o PS não tem condições para ser governo nos próximos anos, não tem projecto, não tem alternativas. Mas, se puséssemos essa hipótese, a um governo do PS colocar-se-iam exactamente os mesmos bloqueios constitucionais.
As consequências podem ser mais graves do que parecem?
Estamos a falar da inviabilização de tudo aquilo que são as alternativas políticas e as consequências que isso trará. Se os mercados reagirem, quando tiverem a percepção de que não há saída que possa passar no TC, os juros vão aumentar e os encargos vão ser de tal monta que, qualquer dia, estamos outra vez na situação em que estávamos em 2011.
Há pressão sobre os juízes do TC?
Não nos move nada de pessoal contra os juízes do TC. Aliás, fomos nós que os elegemos.
Passos Coelho já assumiu que escolheram mal.
Não é isso que está em causa. Eu sou político e detestaria ser juiz. Às vezes parece que alguns juízes adorariam ser políticos.
Acha que vêm aí mais chumbos?
Estranharia muito que os houvesse. Aliás, este corte salarial é equivalente ao de 2011 e foi decidido antes do programa de assistência financeira, por isso não se aplica o critério de achar que os cortes só eram constitucionais durante esse período. Quero ter a esperança de que o TC não vai empurrar Portugal para esse beco.
Se houver mais chumbos, o que acontece a seguir?
Estaremos perante uma situação muito complexa em que tudo é possível. Não quero assustar ninguém, mas vivemos na UE e os governos, sejam eles quais foram, têm de ter condições para cumprir as regras com que nos comprometemos.
A situação do PS inviabiliza qualquer consenso político?
O PS nem quando teve um líder incontestado, nem agora que tem um líder contestado, tem tido interesse em trilhar esse caminho. Quer o PS de Seguro quer o de Costa, é o mesmo.
Os resultados das europeias podem ser replicados nas legislativas?
Nas legislativas não haverá tanta fragmentação, mas isso não significa que as propostas políticas não sejam legítimas. Não devemos ver nisso nenhum drama. O objectivo da aliança entre o PSD e o CDS para mais quatro anos é pedir ao povo português condições de estabilidade como as que temos agora, isto é, uma maioria absoluta. E não há razão nenhuma para duvidar de que somos capazes.
O chumbo do TC impossibilitou um alívio fiscal. Isso não dificulta a maioria absoluta?
As decisões do TC podem prejudicar o caminho de recuperação e é evidente que isso não será imune ao julgamento das pessoas, embora isso não seja da nossa responsabilidade. Mas não é um problema só nosso. É um problema de quaisquer outros partidos que queiram ser governo.
Se o PS for governo terá de fazer o mesmo?
Deus nos livre de mudarmos de governo nos próximos anos em Portugal. O que seria um governo do PS, que apesar de ser a favor do Tratado Orçamental, da integração de Portugal na Europa e da zona euro, não tem coragem para dizer que aumenta impostos e que há correcções a fazer nas retribuições da Função Pública e pensões. Teríamos um governo que levaria Portugal para o incumprimento. Ora, o incumprimento é ou mais troika, e novos programas de resgate, ou a saída da zona euro.
Espera mudanças no PS se Costa for líder?
Não há nenhuma grande divergência política entre os dois candidatos a líder. Há um ano e pouco sentaram-se na mesma mesa e redigiram a orientação programática do PS, a uma semana das europeias, estiveram na mesma sala a sufragar um programa de governo.