Governo e o choque da realidade

BE e PCP estão conscientes da vitória: com a crise da TSU, mostraram a sua força dentro da ‘geringonça’. O Governo também aprendeu a lição: a maioria que o aguenta não é de geometria variável. A partir de agora, vai ser preciso negociar ainda mais à esquerda. E não vai ser fácil.

Costa e o resto do Governo tiveram esta semana a consumação do ‘banho de realidade’ que a recusa do PSD em viabilizar a TSU lhes proporcionou. Acabou o Governo minoritário que, em assuntos mais centristas, podia contar com a cooperação do PSD.

Toda a esquerda admite que tudo o que se passou foi um marco nesta solução governativa. A partir de agora, nada será como dantes. O mundo mudou.

O próprio PS reconhece que Bloco de Esquerda e PCP saíram reforçados desta crise. «A partir de agora dificilmente um ministro vai apresentar uma proposta que saiba que não tem o apoio dos parceiros de esquerda», afirma um socialista  ao SOL.

Por muito que o Governo tente encostar o PSD à sua «incoerência», por no passado ter defendido uma solução semelhante, a questão de que se passou uma espécie de Rubicão nesta solução governativa é clara dentro do PS.

Tanto o Bloco de Esquerda como o PCP estão conscientes de que a descolagem de Passos Coelho os reforçou. «Aquela ilusão de que o PS está no Governo e vai negociando com uns e outros acabou», diz um bloquista ao SOL. Não foi por falta de aviso à sua esquerda que António Costa apresentou em sede de Concertação Social a proposta de descida da Taxa Social Única para os patrões. «Dissemos sempre ao Governo que a TSU era matéria explosiva», diz outro dirigente bloquista, que vê em tudo o que aconteceu «uma lição interessante para o Governo». A partir de agora, vai ter de ser tudo ainda mais negociado à esquerda. O espaço de António Costa para aventuras centristas, do género da que praticou com o Acordo de Concertação Social, diminuiu consideravelmente.

É óbvio que não é objetivo da esquerda que apoia o Governo provocar a sua queda – pelo menos nos próximos tempos. O que Bloco e PCP fizeram desta vez, ao chamar para apreciação parlamentar um decreto-lei do Governo (o da TSU), não é um mecanismo para repetir continuamente nem para «banalizar». Não é do interesse da esquerda uma guerra permanente ao Governo, mas é do seu interesse que o Governo deixe de ter o chapéu de chuva do PSD para aprovar medidas que provocam urticária ao Bloco e ao PCP.

É verdade que o Governo ficou contente com os ataques que os seus parceiros fizeram ao PSD por ter mudado de posição e invoca essa ‘coligação de críticas’ a Passos Coelho como prova da solidez da solução governativa. E também apresenta a seu favor o facto de António Costa ter sido rapidíssimo em encontrar um plano B logo a seguir à consumação do chumbo do decreto da Taxa Social Única. E argumenta-se, entre os socialistas, que a estratégia de Passos é arriscada e o isola. «Os sociais-democratas ajudaram a consolidar a ideia de que não são necessários». Aliás, foi precisamente isto que disse o primeiro-ministro no debate parlamentar de ontem, num discurso particularmente violento contra o líder da oposição. Para Costa, «nem a concertação foi minada, nem esta maioria saiu fragilizada. Mas não foi sem consequências que isto aconteceu: se havia parceiros sociais que tinham alguma ilusão relativamente ao PSD, souberam que ignora a concertação social e só quer um ganho político de circunstância. O PSD não conta para a aprovação do que quer que seja nesta casa».

Ao proclamar que «o PSD não conta», Costa está a assumir que não tem a partir de agora outra alternativa que governar, apenas e em exclusivo, se tiver o apoio do Bloco de Esquerda e do PCP.

Do lado dos comunistas esta ideia também está a fazer o seu caminho.

Ao SOL, fonte do PCP admitiu que «os partidos à esquerda do PS acabaram por sair reforçados com este episódio da TSU».

«Isto veio desmentir uma certa ideia que a direita tentou fazer passar de que faltava autonomia e que as divergências eram só conversa. Isto demonstrou que não é verdade. Há um reforço da esquerda. Esta questão da TSU veio mostrar que cada um tem de assumir as suas responsabilidades. O PCP sempre disse que era contra a baixa da TSU e provou a sua coerência ao votar como votou», adiantou.

Para o comunista ouvido pelo SOL, «vive-se uma realidade muito diferente daquela que aconteceu com o Governo de Guterres, que foi uma primeira escolha, era o primeiro partido e foi governando à esquerda e à direita».

«Agora a situação é bem diferente. Houve necessidade de avançar para um acordo. Os dados alteraram-se», acentuou.

A fonte acredita que «o Governo também soube ler o que se passou e retirou as suas conclusões».

«Se a direita não estiver disposta a votar determinada medida ao lado do Governo este, se decidir avançar terá de levar em consideração que aqui, em questões de coerência, não há o dito pelo não dito», assegurou.

UGT e CGTP divergem

O acordo de concertação social assinado em dezembro  e que vai acolher agora uma adenda para consagrar as alterações ao Pagamento Especial por Conta (PEC), em substituição da Taxa Social Única (TSU) chumbada no parlamento, mereceu já uma troca de acusações entre as duas centrais sindicais, CGTP e UGT.

A Intersindical, próxima do PCP, entende que a proposta de redução do PEC terá sempre de passar pela mesa da Concertação Social antes de entrar em discussão pública. A CGTP fez saber que apesar de concordar com a redução do PEC, não tenciona, todavia, alterar a posição assumida em dezembro, a de não assinar o acordo de Concertação Social por discordar de outros aspetos inscritos no documento. Esta posição levou já a UGT a anunciar que rejeita a participação da CGTP na discussão do decreto-lei que reduz o PEC.

O líder da UGT,  central sindical próxima do PS e do PSD, já avisou que não participará no debate do aditamento ao acordo na presença de entidades que classificou como externas.

«Não nos passa pela cabeça e não aceitaremos qualquer aditamento de entidades externas ao acordo, que possam agora vir participar e dizer de sua justiça e avaliá-lo. Quem outorga é quem tem de se pronunciar. Porque é um aditamento que só influencia os cinco outorgantes e o Governo», assegurou Carlos Silva.