“Temos um Parlamento mudo e o Governo está profundamente desgastado”

Despejado do Parlamento, o CDS quer atrair quadros e independentes e o seu líder recém-eleito diz que ‘nenhum partido vive apenas da Assembleia da República, apesar de ter sido sempre o grande palco político do CDS’. Nuno Melo mantém que irá sozinho às próximas eleições, as europeias, considerando que esse é ‘um dos momentos muito…

A par da mudança de estatutos, o CDS vai aproveitar o congresso deste sábado para fazer um balanço da governação de António Costa. Para Nuno Melo, trata-se de um modelo já gasto e dá cartão vermelho ao primeiro-ministro e ao ministro das Infraestruturas, em torno do episódio do aeroporto: «Nunca passaria pela cabeça de um mortal, que um ministro acordasse num dia e decidisse uma obra de milhares de milhões de euros sem se coordenar com o primeiro-ministro, sem levar o assunto a Conselho de Ministros, tendo em conta a necessária intervenção de tantas áreas, sem informar o Presidente da República, sem tão pouco ter o cuidado de sondar a opinião dos outros partidos». Acenando com a solução defendida pelo Governo PSD/CDS de Portela+1 e que já poderia estar a um ano de ser concluída, com menos dinheiro, defende ainda que o Executivo deveria devolver parte da receita que tem estado a ganhar neste cenário de guerra e de aumento de inflação, uma vez que entende que o Estado é quem sai a ganhar: «As famílias e as empresas vivem uma situação desesperada».

Neste sábado o CDS vai estar reunido em congresso. Um dos temas em cima da mesa são as mudanças estatutárias do partido e um dos objetivos é valorizar e atrair quadros, uma das promessas que tinha feito antes de ser eleito…

O que vai acontecer no sábado foi uma determinação do Congresso, que me elegeu com 75% dos votos, e tinha sido uma promessa no caso de vir a presidir aos destinos do partido. A partir do momento em que isso foi validado pelos congressistas, passou a ser uma obrigação minha levar a cabo essas alterações, que se irão concretizar neste sábado.

O CDS tem vindo a perder os tais quadros. É necessário ir buscar pessoas que foram saindo ou atrair novas?

A minha preocupação, desde o primeiro dia, tem sido chamar pessoas e quadros que estiveram quase sempre no CDS, mas estavam menos nítidos, a par de outros particularmente qualificados e muitos independentes. Um dos sinais relevantes que quero transmitir neste congresso será o de uma abertura do CDS ao contributo independente. Nenhum partido encerra em si toda a inteligência deste mundo e há muitas pessoas que querem ajudar a melhorar a vida em sociedade e que são altamente qualificadas, mas que não querem ser militantes, não querem ser dirigentes, nem querem ser deputados, mas querem participar através de um partido que é um grande instrumento dinamizador do regime democrático. Contarei com muitas dessas pessoas.

Quando fala em abrir o partido a independentes acha que é uma tarefa mais difícil tendo em conta que o CDS não tem representação parlamentar?

Nenhum partido vive apenas da Assembleia da República, apesar da Assembleia da República ter sido sempre o grande palco político do CDS. Na Assembleia da República notabilizaram-se alguns dos nossos melhores tribunos e muitos dos nossos melhores políticos, que depois exerceram lugares de governação. Mas se, por motivo conjuntural, o CDS deixou de estar na Assembleia da República, o CDS mantém tudo aquilo que faz um partido com relevância política e partidária. Sem esquecer que o CDS governa sozinho seis câmaras municipais, mais 40 em coligação com o PSD, sem falar na Câmara Municipal do Porto, em que o CDS é uma das bases fundamentais da coligação da candidatura independente de Rui Moreira. Temos também um grupo parlamentar europeu. Estamos nos Governos regionais dos Açores e da Madeira. Não elegemos um deputado à Assembleia da República, mas sublinharia que isto faz do CDS um partido com uma dimensão só superada em cada um destes patamares pelo PS e pelo PSD, por um lado, e, por outro, há partidos que elegeram um deputado à Assembleia da República que não têm nada disto e que inclusivamente tiveram muitíssimos menos votos do que o CDS teve nas eleições legislativas.

É o caso do Livre, por exemplo?

É o caso do Livre e do PAN, que, apesar de elegerem um deputado, não se aproximam sequer de tudo o que o CDS é. O CDS viveu uma circunstância muito conjuntural, que justificou que perdêssemos o grupo parlamentar, mas tenho a certeza que, hoje, se fossemos a votos, voltaríamos à Assembleia da República. Tenho um trabalho muito concentrado nesse objetivo que é devolver o CDS à Assembleia da República, de onde nunca deveria ter saído. O CDS é um partido que pertence a este regime democrático, que ajudámos a criar e a consolidar.

Tem estado ativo nas últimas semanas, nomeadamente na questão do aeroporto.

Hoje em dia vivemos com uma situação nova do ponto de vista democrático, não apenas por esta circunstância do CDS, mas pelo facto de termos aquilo a que chamamos de Parlamento mudo. Temos um Parlamento absolutamente incapaz de fazer oposição e o Governo está profundamente desgastado, apesar de ter tomado posse há muito tempo. É um Governo fortemente fracionado. É um Governo que não dá respostas a problemas muito concretos. É um Governo que basicamente se transformou numa agência de comunicação, que faz anúncios, mas depois não acontece nada. Perante isto, o Governo precisava de uma oposição muito capaz, desde logo, na Assembleia da República, o que não existe. Esse Parlamento que é mudo, como bem se percebeu, por exemplo, com o episódio, que é muito mais do que um episódio, na verdade é uma manifestação desse desgaste governativo com o aeroporto e com Pedro Nuno Santos, cuja audição no Parlamento foi chumbada pelo PS. Ou seja, temos um dos casos mais graves da governação e que é inaceitável numa democracia consolidada, em que não só o primeiro-ministro não demitiu o ministro, como o ministro não pode ser escrutinado na Assembleia da República. Isto mostra um Parlamento mudo, o que faz com que a oposição tenha de ser feita também com eficácia fora do Parlamento. E aí está o papel do CDS, pelo músculo que tem e pela sua densidade, enquanto partido e, como disse numa conversa recente com o Presidente da República, que justifica uma atenção redobrada por parte do Presidente da República.

Disse que queria Marcelo Rebelo de Sousa mais interventivo. Acha que nos últimos anos de governação, o Presidente da República ‘fechou um pouco os olhos’?

Não, de todo, disse isso pela positiva, no sentido de que o Presidente da República exerceu as suas funções constitucionais na anterior legislatura, mas, neste momento, com um Governo de maioria absoluta, mas profundamente dividido e que impede a fiscalização capaz da Assembleia da República, a atenção do Presidente da República tem de ser redobrada. Isso para sublinhar que, neste momento, a atuação de um Presidente da República, assim como o papel de partidos como o CDS, que não tem assento na Assembleia da República, passam a ser absolutamente fundamentais. E até sublinharia outro aspeto que é muito revelador do que acabo de dizer e que está relacionado com isto: o episódio aeroporto de Pedro Nuno Santos é inqualificável a todos os níveis, porque, desde logo, mostra um PS que permitiu a instrumentalização de uma obra do regime. Trata-se de uma obra totalmente fundamental, determinante para o turismo, para um setor que cresce acima da média do Produto Interno Bruto e que alavanca muito da economia portuguesa e que é fundamental do ponto de vista dos transportes, do ponto de vista da coesão social. Uma obra que já devia estar fechada e cujo atraso, por culpa do PS, se mede pelo que se vê hoje no aeroporto da Portela. O PS permitiu-se instrumentalizar com esta obra para se concentrar numa disputa de poder interno de duas fações: uma liderada por Pedro Nuno Santos e outra por António Costa.

E acha que correu mal para Pedro Nuno Santos?

Não acho que tenha corrido mal para Pedro Nuno Santos, acho que correu muito mal para Portugal. Porquê? António Costa humilha o ministro, num primeiro momento em público, revogando o despacho, mas, por outro lado, mostra que está profundamente fragilizado e temente da força de Pedro Nuno Santos, no partido, no Parlamento e no Governo, mantendo-o dentro. Hoje não temos uma coligação com dois partidos, mas uma coligação no Governo de duas fações no PS e, no momento em que Portugal vive problemas tão graves e tão diversos, a coesão seria totalmente fundamental. O PS não só se permitiu instrumentalizar com o aeroporto em favor de uma disputa interna e por causa dessa disputa interna acaba por fragilizar a própria dinâmica da governação, dividindo-se em duas fações, em que António Costa deixou de mandar e em que o ministro sabe que dispõe da influência, por parte de alguns deputados do grupo parlamentar e também dentro do Governo, em relação a alguns ministros para condicionar a atuação de António Costa. Tudo o que Portugal não precisava.

Voltou tudo à estaca zero, com todas as localizações em cima da mesa.

Ponto um, o que aconteceu não era imaginável entre gente adulta e num regime consolidado. Entre gente adulta que exerce funções de Governo e num regime consolidado, nunca passaria pela cabeça de um mortal que um ministro acordasse num dia e decidisse uma obra de milhares de milhões de euros, sem se coordenar com o primeiro-ministro, sem levar o assunto ao Conselho de Ministros, tendo em conta a necessária intervenção de tantas áreas, sem informar o Presidente da República, sem tão pouco ter o cuidado de sondar a opinião dos outros partidos. Acorda e decide a localização, o investimento, uma coisa que não tem descrição. Não seria possível numa democracia, muito menos numa democracia tão consolidada como a portuguesa. Mas aconteceu. Agora, dito isto, é bom que se tenha a noção do que está em causa. Tem-se falado que esta discussão tem mais de 50 anos e é verdade, em parte, mas esta questão esteve decidida em 2014. O Governo, que era liderado por Pedro Passos Coelho, numa coligação PSD/CDS, onde também esteve Paulo Portas, era ministro da Economia António Pires de Lima e tinha como secretários de Estado Sérgio Monteiro e Adolfo Mesquita Nunes, isto para referir algumas pessoas que subscreveram um documento em que foi assinado um protocolo que tinha um estudo de impacto ambiental e contas feitas. Um estudo de impacto ambiental que tinha sido aprovado positivo e contava apenas com remédios.

Para atenuar algumas desvantagens…

A solução Portela +1 estaria concretizada em 2023, ou seja, estaríamos a um ano de ter um novo aeroporto. O PS decidiu também aí reverter esta obra, que é uma obra do regime absolutamente necessária para a economia portuguesa, para a referida coesão social e para a questão dos transportes em si. É bom que se perceba que esta não é uma questão ideológica, é uma questão de ordem prática. E se neste momento se decidir construir o aeroporto na solução Portela+1, o aeroporto já só estará construído em 2027. Estamos em 2022. O aeroporto poderia ter ficado construído em 2023, perceba-se a diferença. Mas, se se optar por um aeroporto de raiz numa outra solução qualquer, só depois de 2030, ou muito mais tarde, é que estará construído. Esta solução Portela+1 tinha um custo, valores de 2017, na ordem  dos 350 milhões de euros com a extensão do aeroporto da Portela e o novo aeroporto na ordem dos 600 milhões de euros. Portanto, 950 milhões de euros seria o custo da solução Portela+1. Neste momento, o novo aeroporto custará mais de sete mil milhões de euros. Estamos a falar de uma diferença de 900 milhões de euros para mais de sete mil milhões de euros. A solução Portela+1 tinha acessos fáceis e não muito onerosos. Já um novo aeroporto implicará a construção de uma nova ponte ferroviária e que não poderá ser comparticipada pela empresa concessionária por impedimento das regras europeias. Do mesmo modo, é bom que se diga que, a solução Portela+1 não tinha qualquer consequência do ponto de vista de indemnizações, porque o aeroporto da Portela continuaria a funcionar, enquanto um novo aeroporto implicará o pagamento de indemnizações às famílias que serão expropriadas. Finalmente, a solução Portela+1 tem um estudo de impacto ambiental aprovado. Já o novo aeroporto não tem sequer um pedido de estudo de impacto ambiental. Portanto, temos uma governação falhada, que inibe o crescimento de Portugal por causa de uma disputa interna no PS a propósito da obra mais decisiva do regime.

Quando diz que é um assunto que deveria ser escrutinado e que há um Parlamento mudo – agora, com a mudança da liderança do PSD e com a eleição de Luís Montenegro, espera assistir a mudanças?

Infelizmente, essa circunstância passa muito pela forma perversa como o PS exerce a sua maioria absoluta, impedindo essa fiscalização. O que significa que não tem a ver com questões de liderança de outros partidos, nem sequer com a dimensão dos seus grupos parlamentares. Está relacionado com um PS dividido, sem capacidade de resolver grande parte dos problemas do país. Não temos um Governo, temos uma agência de comunicação que faz o anúncio, que depois não concretiza coisa nenhuma e que, apesar disso, bloqueia as competências de fiscalização da Assembleia da República. Por isso é que o Parlamento é mudo. Aliás, como eu, também Luís Montenegro não está na Assembleia da República e acredito que, tal como o CDS, também o PSD será capaz de fazer a oposição que este partido merece.

Historicamente, quando era apresentada uma moção de censura ao Governo, esse momento era usado pelos partidos para fazerem oposição ao Executivo, o que não aconteceu agora…

Não houve nenhuma moção de censura porque uma moção de censura só existe quando tem uma consequência. A moção de censura implica que, se aprovada, o Governo cai. O que tivemos foi um simulacro de censura, porque o artigo 172 da Constituição da República Portuguesa proíbe que nos seis meses seguintes à posse do Governo o Parlamento possa ser dissolvido. Portanto, se em tese tivesse sido aprovada aquela moção de censura, o Governo continuava em funções. O que me leva a este ponto que para mim é muito determinante: cada partido tem, em cada sessão legislativa, a possibilidade apresentar uma moção de censura; a moção de censura desta sessão legislativa foi utilizada por um partido, num único momento, em que daí não resultaria nenhum dano para António Costa, que se manteria em funções, mesmo que fosse aprovada.

É uma oportunidade desperdiçada?

Transforma a moção num simulacro, num faz de conta. Um faz de conta de censura a António Costa mas antecipadamente sabendo que não causaria dado a António Costa se fosse aprovado o documento, porque a Constituição não permitiria esse direito.

O timing  poderá não ter sido inocente…

Se estivesse à frente de um grupo parlamentar do CDS na Assembleia da República não me passava pela cabeça apresentar uma moção de censura ao Governo sabendo que daí a consequência seria nenhuma, porque o Parlamento não podia ser dissolvido. Cada uma das das moções de censura que historicamente o CDS apresentou, e foram várias, foram sempre com o propósito de ter uma consequência para o Governo e, neste caso, essa consequência não era possível. O que me leva a perguntar o que leva um partido a apresentar uma moção de censura que, na verdade não censura, porque o Governo não pode cair?

Há dias disse que António Costa devia devolver as receitas fiscais. Uma questão que ganha maiores contornos quando temos o aumento da taxa de inflação e sob a ameaça da subida das taxas de juro?

Os portugueses, as famílias, as empresas, num contexto de economia de guerra, com inflação a disparar e sob o aumento das taxas de juro vivem uma situação desesperada. Hoje todos notam a diferença sempre que vão a um supermercado comprar bens essenciais, cada vez que abastecem o seu automóvel com combustível, cada vez que pagam a renda ou amortizam o pagamento da sua casa. Isto só para dar alguns exemplos. A única entidade que, neste contexto, beneficia com a inflação é o Estado, através de um Governo que, até maio, já arrecadou mais de três mil milhões de euros. Neste contexto absolutamente excecional, quando os portugueses, as famílias e as empresas passam tantas dificuldades, o que seria suposto era que este rendimento extraordinário do Estado, que nem sequer estava previsto, mas que resulta do sofrimento das pessoas, deveria ser devolvido pelo Governo à sociedade através através da redução de impostos. Mas não, o Governo premeditadamente beneficia de uma situação que é de guerra, mas depois aproveita para angariar receita que não deveria ficar nos cofres do Estado. Disse isso ao Presidente da República e fiz esse repto a António Costa, que devolvesse às famílias parte das receitas que resultam de uma situação perversa, de uma situação difícil que afeta tanta gente, tantas empresas, tantos trabalhadores, que passam todas as dificuldades.

António Costa acenou com apoios na ordem dos 1,6 mil milhões de euros para combater a inflação.

Como disse, António Costa anuncia, mas não cumpre. O que vejo é reduzirem o auxílio a estudantes com necessidades especiais, o que vejo é uma redução do auxílio e cortes em relação às famílias carenciadas. O que vejo é um aumento absurdo da carga fiscal, que tem a ver quer com impostos diretos, quer com indiretos. Em contexto de economia de guerra, o que vejo é um Governo, por exemplo, a não reduzir temporariamente à taxa zero o IVA de bens alimentares essenciais, quando desde abril foi aprovada uma diretiva em que Bruxelas permite que, sem autorização das instituições europeias, os Governos possam a esse propósito reduzir a taxa de IVA. O que vejo é um Governo que todos os dias usa todos os expedientes para fazer suas as receitas que em condições normais não auferiria, enquanto onera premeditadamente os portugueses para criar ciclos de dependência e perpetuar ciclos de pobreza que, por seu lado, significam lealdades com votos. Isso é o que me preocupa. Há uma grande diferença entre as democracias cristãs que o CDS apresenta e o socialismo de António Costa protagoniza. Escrevi um artigo que nasce de um gráfico muito impressionante de Vítor Bento e que mostra, entre outras coisas, a dependência das pessoas em relação ao Estado, o que mostra um modelo económico falhado, assente num socialismo que tem como virtuosa a dependência, porque sabe que garante fidelidades que no final dão votos, mas em cima de um modelo que nivela por baixo a sociedade portuguesa. As democracias cristãs que o CDS representa têm um esforço social, uma componente fundamental dos partidos políticos, em que o Estado está disponível para ajudar as pessoas que vivem em situação de carência. Mas sabemos que o sucesso se mede também pelo número de pessoas que consegue recuperar para o mercado de trabalho. Nas democracias cristãs não queremos perpetuar ciclos de pobreza. Não vemos como virtuosa a dependência de pessoas perante o Estado, pelo contrário, a virtude está – menos nos casos em que a necessidade é realmente absoluta – no mérito. O virtuosismo também se vê quando se consegue trazer essas pessoas para o mercado de trabalho. Os ciclos do socialismo, cada vez que têm a possibilidade de governar Portugal, acabam com um maior número de dependentes do Estado, com um número maior de pessoas que vivem dessa dependência.

O último Governo liderado pelo PSD/CDS apresentava taxas de desemprego recorde e carga fiscal elevada.

Governou numa situação totalmente conjuntural. Estamos a falar de um período específico, em que o Governo é chamado a aplicar um programa de austeridade que é negociado pelo PS depois de deixar Portugal em bancarrota. O que não se poderia era, nesse momento muito específico, ter o país na falência, ter a intervenção externa da troika, ter de aplicar um documento que o PS negociou e que foi subscrito por José Sócrates e, no final, achar-se que a austeridade não existiria. O programa era isso mesmo, era de austeridade. Coincidiu ter sido o PSD e o CDS a ganharem as eleições no momento em que o programa tinha de ser aplicado para que depois a troika saísse. Mas é preciso perceber que foram os socialistas que nos trouxeram a bancarrota e a austeridade, o CDS e o PSD aplicaram um programa e, ao fim de três anos, libertaram Portugal dos ditames da troika e trouxeram a Portugal um novo ciclo de crescimento, que, de resto, justifica que tenhamos ganho as eleições em 2015, embora, depois, já saibamos o resto da história. Sabemos o que aconteceu, ganhámos as eleições, o que significa que os portugueses compreenderam muito bem as circunstâncias em que fomos chamados à governação.

Mas, nas últimas eleições, António Costa ganhou por maioria absoluta. Mostra que os portugueses ainda têm alguma confiança neste modelo de governação?

Mostra também muito o que disse: é um modelo de governação que perpetuando dependências justifica muitos votos, um modelo que, por outro lado, põe Portugal no fundo. Temos também um problema demográfico. Temos hoje mais pessoas em situação de reforma que, justificadamente, ao fim de uma vida de trabalho, devem felizmente beneficiar dessa reforma, mas, apesar de os Governos terem de ser capazes de serem solidários para quem mais precisa, esse esforço necessário deve ser transitório, mas devemos guardar os recursos que são escassos para quem realmente precisa. Este modelo socialista assenta na apropriação dos esforços cada vez maiores das pessoas, medidos em impostos e na componente financeira que permitem engrossar uma fileira de dependentes do Estado. Vou dar outro exemplo que para mim é muito impressionante, que é o mercado de trabalho. Se há realidade que hoje é evidente é que há falta de mão-de-obra. Qual é a solução socialista peregrina para a falta de mão-de-obra? Estudar quatro dias de trabalho apenas para o privado e depois, tendo em conta que para o CDS os salários médios não são altos, a ideia é aumentar em 20% os salários médios em Portugal. O que gostaria era de ver António Costa fazer a sua parte, ou seja, dizer que os salários médios são baixos, que o Estado iria reduzir em 20% o imposto sobre as empresas, reduzir em 20% os impostos sobre as famílias para que os empregadores assoberbados de impostos, a par do aumento do custo da energia, a par do aumento dos combustíveis, a par do aumento de custos de produção, consigam ter bastante para aumentarem em 20% os salários. É bom que se saiba que, em Portugal, um salário de 2.700 euros e que já é considerado alto – seria um patamar para o qual gostaríamos muito que os salários médios pudessem encaminhar – o custo para um empregador é de 3.358 euros e, depois dos impostos serem pagos, o trabalhador leva 1.700 euros para casa. É bom que se diga que o modelo de António Costa é um modelo em que, para que um trabalhador possa ganhar 1.700 euros, o empregador tem de pagar 3.358 euros. Isso obviamente é um absurdo e, por isso, gostava de ver o Estado, o socialismo, neste caso, que manda no Estado, a fazer a sua parte, reduzindo impostos para que o esforço fosse de todos.

Para que houvesse os tais aumentos salariais?

Para que isto seja possível. O socialismo acredita que da bonomia consegue crescimento. O socialismo acredita que onde não há trabalhadores reduz o tempo de trabalho semanal, onde as empresas estão assoberbados de impostos e todos os outros custos que lhe referi consegue ordenar por decreto o aumento em 20% dos salários e que no final a economia não se ressente. Por alguma razão, em Portugal, é esse o grande mérito que se consegue ler neste Governo, desde 2015: é que este Governo conseguiu tudo medido em números recorde. Temos hoje um número recorde de funcionários públicos, o que não é coisa coisa pouca, estamos a falar de 741.288 funcionários públicos. A marca desta governação falhada traduz-se num número recorde de funcionários públicos em níveis pré-troika, num número recorde da dívida pública em valor absoluto e vai já em 279 mil milhões de euros, num número recorde de despesa pública anual que vai já em 64 mil milhões de euros orçamentada para 2022. E depois, claro está, também para suportar um Estado obeso que não faz contas, um número recorde de carga fiscal que vai em 35,8% do PIB. Este é o modelo socialista, aquele que serve melhor Portugal é completamente diferente.

E como vê as polémicas em torno do PRR? Em que grande parte das verbas da famosa bazuca que iria salvar a economia portuguesa está nas mãos de poucas empresas?

E com uma execução miserável e uma produção de projetos igualmente miserável. O PRR é talvez um ensaio sobre uma opção desastrada, que nos penaliza, porque durante muito tempo Portugal não via entrar tanto dinheiro durante muitos anos.

Era visto como uma oportunidade única para Portugal recuperar o seu atraso.

E passarão muitos anos até termos uma prioridade sequer parecida. O que vemos? Um modelo público, fundamentalmente o PRR foi desenhado para a dimensão pública do Estado e nem sequer está sob a dependência do Ministério da Economia, o que não se compreende. A grande vantagem do PRR estaria na dinamização de uma economia que ficaria mais robusta, que garantiria mais postos de trabalho. Mas não.

E cujo ministro desenhou o plano?

É uma pessoa muito simpática, devo dizer, mas não é isso que está em causa. É uma visão do modelo económico que não é a nossa. Neste momento, os projetos aprovados são quase nada. Os projetos pagos são menos ainda, o que temos é simplesmente ridículo e residual. E na dimensão privada, infelizmente, está concentrada em muito poucos, com critérios que não são propriamente os mais fáceis de entender. E é por isso que este PRR vai sendo uma prioridade perdida e é por isso também que, desde a minha presidência, desde o congresso de Guimarães, que vamos apelando insistentemente para uma revisão do PRR, para uma adequação do PRR às necessidades do país. Já tivemos tempo para perceber que entretanto o mundo mudou, o PRR é pensado para o momento e o momento era anterior da própria intervenção da Rússia na Ucrânia. Há uma alteração de circunstâncias crucial que justificaria uma reavaliação dos pressupostos e dos objetivos do PRR e, seguramente, a utilização dos recursos. E nada disto foi feito até agora. Por isso, o PRR, como dizia é um ensaio, uma oportunidade perdida que lamento profundamente, porque Portugal poderia beneficiar muito daquilo que o PRR significa.

Falou agora da Ucrânia e da Rússia. Já defendeu que a adesão da Ucrânia à União Europeia tem de respeitar determinados critérios…

Esta é uma visão obrigatória. Nenhum país adere à União Europeia porque quer ou porque algum político quer. Um país, para que possa aderir à União Europeia, está necessariamente obrigado a cumprir os chamados critérios de Copenhaga. Os critérios de Copenhaga são cristalinos. Isso quer dizer que o país tem de ser democrático e tem de ser capaz de incorporar administrativamente no seu espaço aquilo que são as determinações e as leis aprovadas na União Europeia. O país também tem de ser capaz de incorporar as regras da economia de mercado e, nomeadamente, aquilo que tem que ver com o mercado único europeu caminhando para a união bancária. O país tem de proteger minorias e tem que respeitar os direitos do homem. Estes são critérios de Copenhaga e, portanto, aquilo que foi aprovado no Parlamento Europeu e que votei a favor é a concessão de estatuto candidato à adesão da União Europeia. Mas entre o momento em que é candidato até o momento em que pode entrar na União Europeia tem todo um mundo para percorrer.

Mas há uma tentativa de acelerar um bocadinho esses passos?

Há uma ideia de dar um sinal político relevantíssimo num momento em que a Ucrânia está a ser selvaticamente agredida numa guerra infame pela Rússia e o Parlamento Europeu, a par da Comissão, está a dar um sinal, sem deixar de comprometer a Ucrânia com tudo aquilo que são investimentos fundamentais para que um dia possa ter a pretensão da adesão.

Voltando novamente ao congresso. Estes vão ser alguns dos temas que estarão em cima da mesa na comemoração do 48.º aniversário do partido e no seu discurso de encerramento?

Insisto no princípio que nasce no congresso de Guimarães. Desejo que o CDS seja um partido que fala para fora e sobre o futuro e não para dentro a discutir questiúnculas internas. Falar para fora e sobre o futuro significa aproveitar todas as oportunidades para ter alguns dos melhores quadros, em áreas setoriais dominantes a dizer aquilo que o CDS pode ser e pode fazer em relação ao futuro. Por isso, quero aproveitar esse momento da tarde para debater áreas, que serão áreas muito relevantes para o CDS, com algumas pessoas particularmente qualificadas do CDS e independentes. Um dos grandes sinais que vai sair deste congresso é a da abertura do CDS ao contributo independente sobre aquilo que são problemas e soluções concretas para Portugal, sendo que encerrarei esse momento e, naturalmente quererei também fazer um balanço destes dias desgovernação e do papel do CDS a propósito da oposição.

E também já disse que é para acabar com estas correntes de opinião no CDS. Que correntes de opinião no CDS são essas?

O CDS sempre viveu com uma grande diversidade. O CDS é um partido democrata cristão, humanista, personalista, aberto a correntes liberais e a correntes conservadoras. Foi sempre assim e ao longo da nossa história sempre foram complementares estas correntes. A institucionalização com direitos estatuários de correntes foi uma experiência que correu mal, porque aquilo que era complementar transformou-se em antagónico. Houve quem se agregasse em tendências. E depois enreda-se em processos que diria de purificação ideológica, no sentido de que quem não fosse de determinada corrente não teria aquela pureza doutrinária de quem deveria estar no CDS. Isso não faz sentido nenhum, por isso é que quero o CDS a crescer, porque acho que esse foi um modelo que falhou. Nem sequer acho que faz sentido que uma tendência possa apresentar moções em congressos sem recolher assinaturas, como qualquer mortal que seja militante do CDS, ou que pertença aos órgãos. Essa é uma das iniciativas ou uma das decisões que antecipei no congresso que Guimarães para concretização se fosse presidente. Os militantes, os congressistas fizeram de mim presidente do CDS e, neste momento, estou a cumprir aquilo que resultou do congresso.

Na última entrevista que deu ao Nascer do SOL ainda antes da sua eleição disse que o próximo desafio do CDS era concorrer sozinho às eleições para mostrar o que valia. Mantém essa posição ou uma nova liderança do PSD poderá fazer diferença?

Sublinharia que antes das eleições europeias provavelmente teremos outro congresso e, se assim for, a redefinição estratégica será dos congressistas. O que digo é que, neste momento, depois do resultado das eleições legislativas, o que me parece é que tendencialmente o CDS está obrigado a uma prova de vida. E estar obrigado a uma prova de vida significa mostrar nas urnas aquilo de que é capaz, a relevância que a sociedade portuguesa lhe dá e não temos de ter nenhum receio de ir a votos sozinho. Um partido político existe para isso mesmo. E a relevância mede-se nas urnas e até a força negocial ganha-se ou perde-se, dependendo desses resultados. Não tenho medo de ir às urnas, nunca tive. Já fui, muitas vezes, a votos sozinho, outras vezes, em coligação. Acho que este é realmente um daqueles momentos muito especiais da vida do CDS e que nos obriga a esse ato que é um ato, que nem sequer é de coragem. Diria que é um ato de normalidade num regime que é democrático e, por isso, a voz dos portugueses conta.

Enquanto líder parlamentar do CDS esteve nas comissões de inquérito à banca. Como vê a auditoria do Tribunal de Contas ao Novo Banco que foi apresentado esta semana ao afirmar que gestão banco ‘não salvaguardou o interesse público’?

O que posso dizer é que trouxe a questão do Novo Banco ao Parlamento Europeu e ao Banco Central Europeu, desde logo, a propósito da distribuição de lucros em momentos de grande esforço dos contribuintes e sem resultados capazes. Aguardo ainda as respostas do Banco Central Europeu, que gostava que em relação à banca europeia fosse muito menos corporativo do que foi, por exemplo, o Banco de Portugal nos tempos de governação de Vítor Constâncio. Não podia ser mais crítico no que está a suceder ao Novo Banco e espero a resposta das instituições europeias sobre este dossiê, a nível político por parte da Comissão e a nível bancário e de supervisão por parte do Banco Cent