As incertezas em relação à necessidade da reprivatização da TAP continuam a pairar, principalmente depois da companhia área ter apresentado um lucro de 22,9 milhões de euros nos primeiros seis meses do ano, o que representa uma melhoria de 225 milhões de euros em relação ao mesmo semestre do ano passado, quando tinha sido registado um resultado negativo de 202,1 milhões de euros. Uma questão que ganha maior revelo após o primeiro-ministro ter revelado no Parlamento, durante o debate da moção de censura do Chega ao Governo, que o plano de reestruturação negociado com Bruxelas prevê que o Estado avançasse com a privatização da TAP e, apenas semanas mais tarde, ter sido desmentido por Pedro Nuno Santos, que reduziu a venda da transportadora a uma ‘opção política’ do Executivo.
Contactado pelo Nascer do SOL, o Governo não esclareceu se a alienação da TAP é ou não uma exigência de Bruxelas – como o primeiro-ministro disse e o ex-ministro negou.
De todo o modo, vários responsáveis contactados pelo nosso jornal consideram que a privatização é uma necessidade, embora deixem alguns alertas em relação aos potencias interessados na compra.
Como é público, em cima da mesa poderão estar propostas ligadas à companhia de aviação alemã, Lufthansa, à Air France-KLM e ao grupo IAG, dono da British Airways e da Iberia.
Pedro Castro, especialista em aviação, admite que a compra da TAP pelo grupo Air France-KLM poderá estar ‘tremida’ depois de este ter avançado com a aquisição de 20% da companhia aérea estatal escandinava SAS (Scandinavian Airlines System), lembrando que “tanto a SAS como a TAP já estavam indicadas como sendo as solteironas no mercado”, só que agora o grupo poderá estar “entretido com a compra da SAS durante os próximos 12 meses”.
Já em relação ao potencial interesse do grupo que detém a Iberia, lamenta que este facto, e designadamente a proximidade dos hubs, possa seja visto como um entrave. “Temos de ultrapassar isso. Temos de ir muitas vezes ao psicólogo, tomar muitos medicamentos, falar com muitos psicoterapeutas para ultrapassar essa ideia. Para já, não é a Iberia que nos poderá comprar. É o grupo IAG, no qual a Ibéria se insere, e a questão da proximidade dos hubs é completamente ridícula. A complementaridade é muito maior e muito mais facilitada quanto mais próximos estão os hubs. É isso que os outros grupos praticam lá nas suas terras”.
Sindicatos aplaudem venda, mas alertam para riscos
O especialista lamenta ainda que o Governo esteja a limitar a sua opção por estes três grupos. “Já temos uma limitação por inerência da União Europeia que é o facto de os acionistas maioritários serem europeus. Além disso, o Governo ainda entendeu dar uma outra limitação: querer um grupo aeronáutico robusto que trabalhe o negócio do hub”. E frisa que há várias companhias europeias que não trabalham com este modelo de hub e poderiam estar interessadas na TAP. “De acordo com esta resolução, estou a limitar o modelo de negócio e com isso a limitar o número de compradores. Com isto, infelizmente ficamos na mão de três compradores”, diz.
Para Pedro Castro, o futuro da companhia de bandeira deveria assentar nos empregos baseados em Portugal e, ao mesmo tempo, garantir o melhor preço. “Como está lá tanto dinheiro do contribuinte, quanto mais estiverem interessados melhor”, conclui o especialista.
Em relação aos três grupos interessados na TAP, Ricardo Penarroias, presidente do Sindicato do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), defende ao Nascer do SOL que estas decisões «têm de ser vistas de vários ângulos». E olhando para o hub, na sua opinião, “é lógico que quanto mais perto houver um hub forte do possível comprador, pior para nós, para a TAP e para o hub de Lisboa”.
O dirigente sindical defende que essa é uma “consequência lógica, ainda por cima quando se ouve que o possível comprador terá logo no mínimo direito a 51%, a decisão total está do lado do possível comprador, é um perigo que é iminente e é um receio legítimo dos tripulantes e dos trabalhadores do grupo TAP”.
Mas Penarroias destaca outros fatores: “Sabemos que há outros compradores, talvez com hubs mais afastados, mas aquilo que temos tido informações são compradores que centralizam a decisão. Será que é isto que pretendemos? Que haja uma empresa que, para além de ter os 51% da companhia, centraliza todas as decisões na sua base, não havendo qualquer tipo de influência interna em que a perspetiva, a cultura, o próprio idioma, também poderá ser prejudicial para os trabalhadores”.
Ricardo Penarroias apela a que tudo seja feito “de uma forma transparente, que se analise os prós e os contras de uma forma séria, e que sobretudo não cometam o mesmo erro que ocorreu no passado, que é não haver o diálogo com os sindicatos, com os trabalhadores”.
Também o presidente do Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC), Tiago Faria Lopes, não se mostra contra a privatização, mas reconhece que há maneiras de fazer as alienações, referindo que as exigências avançadas pelo Estado não deixam a estrutura sindical descansada. “Dizem que se vão reunir com os supostos interessados e só depois é lançam o caderno de encargos. Depois dão prioridade máxima a companhias de aviação. Então, se há portugueses interessados, por que não vamos ouvir todos de uma forma igual?”, questiona Faria Lopes, referindo que há o risco de ser feito “um caderno de encargos à medida de alguém” e lembrando que “essa desconfiança existe porque nunca houve transparência em nada em relação à TAP”.
Já sobre os potenciais interessados, o sindicalista afirma que o maior risco recai sobre o grupo AIG, porque Madrid está a 600 quilómetros de Lisboa. “Os hubs na teoria e na prática na visão têm de estar pelo menos a 900 kms. Segundo ponto negativo, o aeroporto de Madrid está a um quarto da sua capacidade e logicamente é fácil de transferir o tráfego, pelo menos, de médio curso e algum de longo curso para Madrid de uma maneira muito rápida”.
Já em relação ao grupo Air France /KLM, lembra que a TAP é concorrente direta na África Subsaariana e no Brasil, o que revela, no seu entender “um conflito de intereses”. Quanto ao grupo Lufthansa, acena com a vantagem de não termos concorrência direta no Brasil, nem em África.
Luís Rodrigues deverá estar “desejoso de se livrar deste Estado”
Quando questionados sobre o facto de o presidente executivo e do conselho de administração da TAP, Luís Rodrigues, ser “um grande defensor da privatização” da companhia aérea, acreditando que o processo “vai correr bem”, os especialistas contactados pelo nosso jornal não se mostram surpreendidos por essas declarações.
Pedro Castro admite que o atual CEO deverá estar “desejoso de se livrar deste Estado”. E, por isso, acredita que vai “defender tudo aquilo que permita não ter este Estado que se comporta e comportou da forma como vimos”. Mas apesar de reconhecer que não acha natural Luís Rodrigues “ter uma posição tão aberta” em relação ao futuro da empresa também lembra que “não está a tomar nenhum partido em termos de preferência”.
Mas o especialista em aviação também deixa alertas quanto à sua continuidade à frente da TAP e diz que, por exemplo, se for adquirida por um grupo como a Lufthansa, “a primeira coisa que salta geralmente são as grandes cabeças das direções”, referindo que, “têm no grupo uma grande apetência para a centralização de serviços, até por uma questão de otimização e de eficiência em Frankfurt e que servem todas as companhias”.
Também o Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC) considera “normal” que Luís Rodrigues defenda a alienação da companhia aérea. Uma decisão que, de acordo com Tiago Faria Lopes, vai ao encontro do que é defendido pela estrutura sindical. “Achamos que a privatização é uma boa jogada do Governo, mas não é uma privatização a 100%” e quanto à nacionalidade do futuro comprador também questiona porque é que não é vendido a um possível investidor nacional. “Mas porque é vamos privatizar a estrangeiros e não a portugueses? Ainda assim, é preferível ter uma TAP de gestão privada com o Estado como fiscalizador”.
Já o presidente do SNPVAC afirma que não é contra a privatização, “até porque os 77 anos da companhia são um exemplo que tanto houve erros no privado como no público. Erros grosseiros até”.
Ao Nascer do SOL, o responsável diz entender que “uma companhia como a TAP nunca poderá ser totalmente privatizada pela importância que ela tem a nível geopolítico, geoestratégico e económico para o país, tanto de uma forma direta ou indireta”, a que se juntam a parte social e até a diáspora, um ponto muito importante para a companhia aérea. “Perdermos um desses pilares parece-me a mim que é perigoso. Mas a verdade é que também é necessário, como digo, se por um lado há garantia e estabilidade da parte estatal que garante e mantém os deveres que a TAP tem de ter, é importante também depois o privado para dar aquele impulso qualitativo que muitas vezes é aquele risco que o Estado não pode fazer numa empresa desta dimensão, deste mercado que é a indústria da aviação”.
E o desvio das cargas?
Também recentemente a Comissão Técnica Independente chegou a algumas conclusões como a criação de um terceiro terminal para o aeroporto de Lisboa ou o desvio da carga para outros aeroportos nacionais, como o de Beja. Ricardo Penarroias começa por lembrar que o aeroporto de Lisboa “já está caótico, estrangulado» e que «podemos fazer mais não sei quantos terminais, mas as pistas não vão aumentar. Nem a própria capacidade do aeroporto”.
Em relação à mudança da carga, lembra que se falou no aeroporto de Beja que, na sua opinião, “tem as condições ideais do meu ponto de vista e que até há uma companhia aérea que está a utilizá-lo, uma companhia privada”.
E atira: “O aeroporto de Beja foi pago pelos contribuintes, com ajudas europeias, mas a verdade é que quem está a usá-lo é uma companhia privada. Pessoalmente acho que Beja tem vários fatores bons. Nomeadamente já existe um aeroporto com capacidade para poder receber, já está obra feita, já houve investimento feito, já está toda a estrutura montada e tem inclusive capacidade para crescer. Seria um impulso gigante para o interior do país”.
Mas, “como é lógico”, teria de ser acompanhado de outras infraestruturas, como ferrovias, “que, por sua vez também desenvolviam o interior do país”. Vendo então com bons olhos a possibilidade de Beja, o presidente do SNPVAC relembra haver muitas capitais europeias em que algumas companhias operam para essas cidades, mas têm a sua base ou o aeroporto que vão operar a 100 e poucos quilómetros do centro da cidade.
“São todos esses fatores que têm que ser tidos em conta. O aeroporto de Lisboa acho que é inegável que está estrangulado, não tem capacidade. Temos o outro aeroporto, que sempre fui defensor e parece que finalmente já estamos a olhar de forma séria para ele que é o aeroporto do Porto. Também ele tem a sua capacidade para poder desviar algum tráfego do aeroporto de Lisboa que tem capacidade. Tem capacidade para crescer agora em relação a uma ligação de um terceiro terminal, vejo neste momento o aeroporto de Beja como uma alternativa muito viável”, acrescenta.
Já o presidente do SPAC ironiza com o facto de Beja ser “uma grande oportunidade de otimizar os investimentos”, lembrando que a infraestrutura custou 30 milhões aos cofres dos portugueses, enquanto os estudos e as incertezas já custaram 70 milhões. “Já estamos mais do dobro. Então porque é que não vamos otimizar e até evoluir a cidade e dar um contributo bastante positivo para a economia da cidade”, questiona Tiago Faria Lopes. Mas deixa uma garantia: “Não podemos deixar Lisboa ficar neste sufoco”.
Pedro Castro questiona, no entanto, os timings desta decisão. “Havia uma intenção muito clara de o Governo não fazer obras na Portela e levar até à sua exaustão, mas perante a lentidão e a pressão dos grupos económicos de interesse terão pensado que o plano de impedir a Portela de fazer o que quer que seja não iria funcionar porque, mesmo quando for decidido o novo aeroporto ainda vai demorar e já não temos esse tempo”, refere ao nosso jornal.