À hora a que estamos a gravar esta entrevista, aqui ao lado, em Espanha, nas Cortes espanholas, aprova-se a investidura de Pedro Sanchez , líder do PSOE, que, apesar de ter perdido as eleições, consegue voltar a formar Governo numa coligação contranatura, com partidos radicais e outros de direita, impedindo que a coligação PP/VOX chegue ao poder. Teme que um cenário desses venha a ser realidade em Portugal depois de 10 de março?
É sempre uma possibilidade. Nós nunca devemos pensar que os socialistas são derrotados facilmente. É o que está a acontecer. Espanha é um bom exemplo disso. Toda a gente, todos os analistas, todos os setores políticos davam como certa a derrota do PSOE, depois dos anos de desgaste que teve, aliás, muito semelhante ao cenário do Partido Socialista português. As sondagens mostravam uma clara maioria de direita, fosse com o PP sozinho, fosse com o Vox. E, de repente, o cenário não se concretiza. Espero que a direita tenha aprendido com o que correu mal em Espanha.
E o que foi que correu mal?
A incapacidade de mostrar às pessoas que haverá uma alternativa.
Mas a verdade é que esta coligação estranhíssima que se está a dar em Espanha tem o apoio de alguns partidos de direita…
Sim, a coligação Canárias.
E o Partido Nacionalista Basco, que é de direita, mas nem um nem outro se quiseram associar ao PP por causa do VOX?
Certo. Mas, repare, nós em política temos de ter a noção de quais são os vetores fundamentais… e há momentos na história em que estamos nesses vetores fundamentais. Em Portugal, para fazer um paralelismo, há dois partidos – e isto não é nenhum menosprezo pela Iniciativa Liberal, mas as sondagens mostram isso -, há dois partidos que podem fazer uma maioria de direita, PSD e Chega.
O Chega pode atingir que percentagem?
Eu acho que o aumento do grupo parlamentar seria uma vitória. As sondagens, neste momento, têm-nos colocado entre os 15% e os 20%, é o que as sondagens têm dito. Mas o que isto nos mostra é que há dois partidos que podem fazer essa maioria: PSD e Chega. Em Espanha, o que aconteceu foi que o PP esteve mais preocupado em ir buscar votos ao VOX do que ao Partido Socialista. Resultado, o Partido Socialista teve a capacidade, com outros partidos à esquerda, de formar uma maioria.
Mas não é só à esquerda, esse é que é o tema?
Mas os outros são pouco significativos, é isso que eu estou a dizer.
Mas teriam bastado para o PP poder ter chegado ao Governo, e a verdade é que recusaram.
Mas nós nunca podemos… repare, se o PAN pode vir a fazer a diferença aqui com um deputado? Poder pode, é a magia dos números, não é? Mas o problema está a jusante, quando a direita não diz ao seu eleitorado votem em nós que nós temos uma alternativa. Quando dizemos votem em nós, mas nós não sabemos que alternativa é que vamos ter, muita gente que gosta do Chega ou do PSD pensa assim: mas vou votar neles para quê? Há uma necessidade de dizer às pessoas que, aconteça o que acontecer, estamos prontos para governar e para ser alternativa. Não o temos feito por culpa do PSD.
Mas o líder do PSD já disse que convosco não faz acordo!
Mas o Miguel Albuquerque também tinha dito que sem maioria absoluta se ia embora e ainda lá está. O que eu acredito é que a direita não será tão insensata que permita ao PS governar. Se a direita tiver maioria, quero acreditar que não estamos ainda nesse nível de insanidade.
Mas ainda que a direita tenha maioria, o cenário provável neste momento é PSD e IL juntarem-se e deixarem o Chega de fora. Aí, o que é que o Chega faz?
Mas aí a IL junta-se para quê? Não serve de nada, se o PSD é um Governo minoritário vai meter a IL para quê? Ou o CDS, ou outro partido? Por que razão o PSD iria fazer isso?
Mas, mesmo assim, se houver acordo de governo ou entendimento parlamentar que não vos inclua, o que faz o Chega?
Imagine que 17%, ou 18% das pessoas votam em nós. Acha que nós podemos aceitar que algum partido diga: nós não queremos saber do eleitorado, nós vamos fazer o que entendermos? Vamos arriscar e logo se vê o que é que acontece? Isto é o cúmulo da irresponsabilidade! É o cúmulo da irresponsabilidade deixar que o Partido Socialista volte. Mas não nos cabe a nós, cabe ao PSD. A política não é a arte do que nós queremos, é a arte do possível. Eles não gostam do Chega, não gostam do André Ventura, mas é o que existe. Eu não vou desaparecer por magia até ao dia que 10 de março, o Chega também não, as sondagens mostram que 95% do eleitorado do Chega é fiel, não vai mudar de sentido de voto. Nós temos aqui duas hipóteses: uma de responsabilidade – vai haver um Governo de direita -; e uma de total irresponsabilidade – não vai haver Governo nenhum à direita. O Presidente da República fará o que entender.
Mas não se sente responsabilizado se isso acontecer?
Nunca, nunca. Porque estou a dizer aqui, e agora, que nós sempre estivemos disponíveis para uma alternativa, não posso ser responsabilizado.
Quais são as suas condições para apoiar um Governo de direita, é indispensável irem para o Governo? Um acordo parlamentar? Há outro tipo de entendimentos que se possam fazer?
Ou há uma alternativa formada ou não há nenhuma outra espécie de acordo.
O que é que isso quer dizer?
É um Governo alternativo. Uma alternativa que diga que estamos prontos para ser Governo, para tirar o PS do Governo. É a única hipótese, se não, é caso a caso, lei a lei.
O mesmo que com um Governo do Partido Socialista?
Há uma coisa que é certa, nós nunca votaremos nenhum orçamento do Partido Socialista, nem abstenção.
E do PSD, admitem votar?
Do PSD depende do tipo de orçamento que for. Não vou estar a dizer que as portas são completamente encerradas, mas, se não houver acordo, a probabilidade de o Governo não passar no programa do primeiro dia, ou do segundo, é elevada. E, portanto, eu apelo à responsabilidade de todos neste processo, todo o país está de olhos postos em nós.
Ouviu aquelas palavras de Pedro Passos Coelho no auge da crise, no fundo a dar conforto à presença do Chega na realidade política nacional?
Eu não acho que Pedro Passos Coelho tenha querido dar conforto ao Chega. Eu acho que ele disse o óbvio. Disse que o Chega não é um partido antidemocrático.
Uma figura como Pedro Passos Coelho, num cenário pós-eleitoral em que o diálogo estivesse difícil, poderia ajudar a facilitar um entendimento com o PSD?
Toda a gente sabe que se há um elemento em comum entre mim e o Luís Montenegro é o Pedro Passos Coelho.
Portanto, pode ser um mediador nessas negociações?
É uma pessoa que tem prestígio para isso, tem credibilidade para isso, tem os conhecimentos para isso, tem experiência. Foi primeiro-ministro. Imagine que se chegava a um bloqueio, vamos imaginar que se chega ao impasse total, não há maioria à esquerda, também não há à direita. O Presidente não sabe o que fazer, está de frente com um Governo minoritário, há o risco de novas eleições três meses depois. Ninguém quer isso. Pedro Passos Coelho podia ser uma figura importante nesse momento, poderia vir a desempenhar um papel importante. Mas há outras figuras também que eu tenho ouvido. Miguel Relvas, ouvi-o defender que devia haver um maior entendimento.
Tem falado muito do Presidente da República, um dos temas que se comenta é que Marcelo Rebelo de Sousa não quer ficar com o legado de deixar o Chega no poder?
Eu acho que uma coisa são as opiniões, outra coisa é quando assume o seu papel institucional. Eu pedi-lhe uma reunião num determinado momento de crise e perguntei: Senhor Presidente, da sua parte, haveria ou não um veto político a um Governo em que o Chega ou liderasse ou fizesse parte? E o Presidente transmitiu-me que não, e disse: tal como permiti que nos Açores se constituíssem como apoiantes do Governo, permitiria o mesmo no Continente.