O Livro Maldito. Católicos contra acusações de ‘radicalismo de direita’

O livro Identidade e Família criou um terramoto. Aproveitamento político e acusações de radicalismo apanharam os autores de surpresa.

As reações à apresentação do livro Identidade e Família lançado pelo Movimento Acção Ética (MAE), apanharam os autores de surpresa e fez esgotar a primeira edição em poucos dias. A obra que conta com a contribuição de 22 personalidades pretendia propor  um perfil ético da vida em sociedade com especial enfoque para a família. Mas o discurso de Pedro Passos Coelho, a quem coube a apresentação do livro, funcionou como uma espécie de rastilho  que se acentuou depois de ter revelado que já o rotularam de fascista, aproveitando para apontar o dedo às «caricaturas» utilizadas por quem está no espaço público. «É fácil descambar para rótulos como ultraliberais, neoliberais, ultraconservadores, fascistas. Já me chamaram fascista várias vezes. Quando estamos seguros do que defendemos, não há problema», disse o ex-primeiro-ministro.

Também a presença de André Ventura exaltou os ânimos. «O conteúdo é mais condizente com o programa do Chega do que com o programa da AD. Passos Coelho tem aparecido repetidas vezes a dizer à AD que o caminho não é por aí, é por aqui, por onde o Chega está a trilhar», salientou o líder do Chega.

Passos Coelho foi um dos convidado para escrever, em agosto, mas acabou por recusar, tendo aceite apresentar a obra num jantar com Bagão Félix em janeiro.

Apesar desta polémica, alguns dos autores contactados pelo Nascer do SOL descartam as acusações de «radicalismo de direita».

Bagão Félix, um dos coordenadores da obra e do Movimento, explica o propósito do livro:_« É um livro com opiniões diferenciadas, que exprimem livremente a sua opinião, tendo em conta as traves mestras deste movimento que passam pela inviolabilidade do direito à vida, preservação de valores fundamentais». E qualifica a polémica:_«Esta polémica é estúpida. A ditadura da correção política procura afirmar-nos perante um pensamento único. Nós não temos a verdade mas procuramos o bem, cada um à sua forma. A família é um bem comum por natureza». E ficou surpreendido por os «tratarem por conservadores como se isso fosse um insulto». Quanto à questão política, assegura que «estava longe de pensar que na apresentação do livro estivesse lá o presidente do Chega ou outro qualquer». Era de entrada livre. Em relação aos comentários, o ex-ministro diz que «pegar numa frase de um ou doutro e a partir dai partir para a sua generalização é abusivo e é desonesto».

Outros dos coordenadores e alvo de fortes críticas foi Paulo Otero. O professor de Direito Constitucional, revelou que entretanto já está na forja outro livro do MAE que terá o título «Ética e Serviço Público». A polémica em torno do livro surpreendeu-o: «Há pessoas que pensam que a liberdade de expressão só existe quando expressa a sua opinião. Têm uma visão limitativa da liberdade de expressão ou, ainda pior, de que devem existir especiais cuidados naquilo que se diz, numa ideia de prevenção e de controlo da opinião pública». Paulo Otero está convicto de que «não foi o conteúdo dos textos que levantou esta polémica. A maioria das pessoas que o tem criticado não leu ou pelo menos leram frases isoladas». Quanto ao resto, afirma que não se arrepende de nada, «nem de ter dito que é necessário melhorar o estatuto da mulher que é dona de casa, o que causou grande choque. Mas só pode causar choque a quem não tem sensibilidade social, a quem se esquece das mulheres mais frágeis, mais esquecidas dentro de todas as que são esquecidas». E remata:_«Só pode recorrer a rótulos quem não tem argumentos para contestar ideias. Por isso é que chamam chalupas, ou uma muito engraçada: os beatos grisalhos. Se me chamassem careca grisalho era pior. Temos de ter pele de crocodilo, como dizia Sousa Franco».

A médica e dirigente do CDS, Isabel Galriça Neto, também autora, confessa que toda esta polémica a «incomodou imenso». Diz que todo este barulho «dá imenso jeito e foi uma manipulação dos wokes e da polícia do pensamento». Quanto ao aproveitamento político, afirma que a obra só teve impacto «porque foi Passos Coelho a apresentar» e acusa André Ventura de se ter apropriado: «O livro foi um veículo, uma arma que serviu ao Ventura». No entanto, quer deixar claro que «é preciso olhar para o livro na globalidade, o tom é a liberdade da família, o respeito pela liberdade e por ser necessário perceber que há uma imposição da ideologia de género». Tudo o resto, qualifica como «uma histeria e uma instrumentalização da obra».

Gonçalo Portocarrero, padre e colunista, outro dos autores convidados, afirma que a culpa é de Passos: «Pedro Passos Coelho fala e treme tudo».

Até porque «Dos 22 que escrevemos não há nenhum do Chega». Quanto ao conteúdo, considera que «esta indignação é um bocadinho farisaica porque as pessoas que escrevem são de diferentes quadrantes, mesmo dentro da Igreja». E dá o seu exemplo: «Eu acho que não se deve defender a família tradicional, porque é um modelo anacrónico. Tinha coisas boas e más. Por exemplo, a infidelidade não estava mal vista e isso é inadmissível. Outra coisa muito vincada era a ausência do pai. Mesmo para as mulheres é criticável: ou casada em casa, ou freira no convento», remata.

João César das Neves que tem estado debaixo de fogo pelo artigo ‘Verdadeiro ataque à família’ revela ao nosso jornal que foi mal interpretado. «O meu texto era sobre mudança cultural, desafiando algumas ideias feitas. Implicava que as pessoas pensassem e não que reagissem epidermicamente com chavões ideológicos. Provavelmente esperar isso, num tema tão polarizador, era demasiado otimista».

Já em relação à polémica em torno do livro,  afirma que «é excelente para o sucesso das vendas». Quanto ao que se pode esperar admite que ainda é cedo para saber se o objetivo foi concretizado mas lembra que «temos de confiar que, para além dos que acham que insulto é argumento, alguns considerem os raciocínios apresentados e assim se avance na análise das questões, que são muito importantes».

Já para José Ribeiro e Castro tratou-se de «uma campanha organizada, de uma narrativa construída que está pouco relacionada com o livro, com o seu propósito e orientação e também com o propósito de ataque a Pedro Passos Coelho», defendendo que a obra representa um exercício de liberdade de pensamento e de liberdade de expressão que espera que não esteja em causa em Portugal, numa «tentativa de cultura de estigmatização, de preconceito, de intolerância, de pensamento único, ou seja, todas as características impróprias numa sociedade democrática e plural», desrespeitando, no seu entender, a individualidade das 22 personalidades. E questiona: «Como é que é possível haver essa falta de respeito pelas ideias de cada um? As pessoas podem concordar ou discordar, mas este tipo de histeria diz muito da fraca qualidade destes críticos».

Também Jaime Nogueira Pinto admite que «tudo aquilo parece uma tempestade que talvez dê jeito a algumas pessoas», mas diz que «não tem pés nem cabeça», acrescentando que o mais curioso é que todos os colaboradores têm um denominador comum que é serem católicos, mas descarta a ideia de ser um movimento de ultra-direitismo e de ultra-conservador. «E depois querem passar a ideia que por a apresentação ter sido feita por Pedro Passos Coelho tratou-se de uma conspiração, parece-me tudo um bocadinho aquecido pelo sol que ainda não chegou. Confesso que não tenho muita paciência para este género de coisas. Parece uma coisa de Shakespeare: ‘Tanto barulho para nada’.

Menos satisfeita com as reações está Manuela Eanes que alega ter escrito um texto sobre crianças, um tema a que tem dedicado grande parte da sua vida e viu-se confrontada com duras acusações. «Sou uma cidadã ativa, tenho 85 anos, estou reformada há mais de 20 e continuo a ir ao Instituto da Criança. Neste momento estou muito chocada porque fui convidada a escrever por Bagão Félix – que é uma pessoa com grande integridade e é como um irmão – um texto porque sabe o que tenho lutado pelos valores da família e é nisso que falo», salienta.

E acrescenta: «Acho que o escândalo que estão a fazer à volta do livro é porque foi apresentado por Pedro Passos Coelho. Tenho ideais e valores e não tenho nada a ver com textos que aparecem que de maneira nenhuma posso concordar».

Já Manuel Monteiro admite que a polémica em torno da obra mostra que os coordenadores quando pensaram em fazer o livro alcançaram o objetivo que pretendiam que era de colocar o tema da família no centro do debate, referindo que «o que está a acontecer é extremamente positivo» e lembra que a essência da democracia, ao contrário das ditaduras, é a possibilidade de mudarmos e de revertermos opiniões, com a exceção da valores que considera serem intransponíveis, como a questão dos direitos fundamentais individuais, nomeadamente a liberdade e a igualdade perante a lei. «Que igualdade é esta que permite à esquerda mudar o que a direita considera como correto e a direita estar proibida em nome da civilização a não alterar aquilo que a esquerda aprovou», questiona.

Uma situação que, de acordo com o responsável, é inaceitável, «ainda mais para mim que sou de uma geração que cresceu com a polícia do pensamento em cima e quem em determinado momento, em finais da década de 70, e durante muitos anos da década de 80, não pensava de acordo com uma determina forma era fascista».

E acrescenta: «Não podemos aceitar que as maiorias se tenham que conformar perante posições ultra-minoritárias que apontam para circunstâncias que são completamente dissonantes da vontade maioritária da população portuguesa. Quando as maiorias se começam a perceber que têm de se esconder para defenderem aquilo em que acreditam obviamente que protestam e radicalizam-se», referindo ainda que o seu testemunho é «pela afirmação de valores contra a radicalização e contra os extremismos na sociedade, seja ele à direita, seja à esquerda. Há hoje um ataque pensado e foi aquilo que Passos Coelho chamou de sovietização do individuo à liberdade das famílias poderem educar os seus filhos de acordo com os valores em que acreditam».

Já Guilherme d’Oliveira Martins recusa-se a alimentar mais polémicas: «Recuso amálgama, e como escrevi recuso ideia passadista de família».