Imigração. A salvação para a economia que traz dores de cabeça

Realidade de hoje é bem diferente da que se vivia em 2009. Os números são mais altos e as preocupações também. Mas ao contrário do que acontecia na altura, os patrões e as centrais sindicais destacam a necessidade de mão-de-obra que continua a existir

O número e a situação dos imigrantes é atualmente muito diferente da realidade que se vivia há 15 anos. Na primeira edição do i, a 7 de maio de 2009, em plena crise económica, o Governo da altura defendia limitar de forma significativa a entrada de imigrantes, tendo em conta a elevada taxa de desemprego. Uma medida aplaudida pelas entidades patronais e uma das centrais sindicais, da UGT. Hoje o cenário é outro e os imigrantes são, muitas vezes, vistos como uma tábua de salvação para enfrentar a falta de de mão-de-obra que é transversal à maioria das atividades económicas e com um importante contributo para a sustentabilidade da Segurança Social.

E os números falam por si. Em maio de 2009, os dados apontavam para a existência de 446 mil imigrantes a viverem em Portugal, cerca de 4% da população portuguesa e 8% da população ativa. Agora, de acordo com os últimos dados estatísticos da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), há cerca de 800 mil cidadãos estrangeiros em situação legal ou em regularização pelos serviços, representando 7,6% do total da população.

Segundo a Pordata, “nos últimos 15 anos, a nacionalidade portuguesa foi atribuída a cerca de meio milhão de estrangeiros (468.665), residentes e não residentes em Portugal”, salientando que essa concessão foi dada maioritariamente a cidadãos não residentes no país nos últimos dois anos e, em 2022, um terço das atribuições de nacionalidade destinaram-se a descendentes de judeus sefarditas portugueses.

A base de dados da FMMS lembra que o número de imigrantes diminuiu entre 2010 e 2015 mas, desde então tem havido um aumento muito grande – só entre 2018 e 2019, o crescimento foi de mais de 110 mil estrangeiros.

É certo que as preocupações mostradas pelas centrais sindicais em 2009 não são iguais às do dia de hoje. Ao i, a UGT lembra que “muita coisa mudou” nos últimos anos 10 anos e a situação económica e social evoluiu, “o que fez diminuir as preocupações com o emprego e inerente competição entre os trabalhadores portugueses e imigrantes”. E aponta como fundamental o ajuste das políticas de imigração consagrados no Pilar Europeu dos Direitos Sociais, que a UGT assinou.

A estrutura liderada por Mário Mourão reconhece, no entanto, que deve ser feita uma avaliação e, no caso português talvez ainda mais evidente, por setores laborais. “Na agricultura e no setor da construção, a imigração é vista como solução para preencher lacunas da falta de mão-de-obra. Devemos principalmente garantir aos imigrantes, condições de trabalho dignas e sempre com o propósito da inclusão e da garantia de direitos laborais justos”.

Já em relação às vozes que solicitam um maior controlo na entrada de trabalhadores refletem, no entender da UGT, preocupações sobre segurança e integração social e cultural. “O equilíbrio que se procura na integração destes imigrantes, reconhecendo a sua contribuição para a economia nacional é fundamental para se fazer frente a esta questão extremamente complexa”, salienta.

Discriminação 

Também a CGTP-IN afirma que “tem estado, desde sempre, atenta e interventiva para responder aos problemas específicos sobre a situação e as condições de vida destes trabalhadores”. E de acordo com o dirigente João Barreiros, “muitos imigrantes vivem em condições de habitabilidade indignas, são sujeitos a níveis acrescidos de exploração”, acrescentando que “é necessário ainda a criminalização de algumas práticas que se vêm verificando, incluindo a responsabilização ao longo das cadeias de contratação e subcontratação”.

De acordo com o responsável, vários estudos mostram que os imigrantes tendem a assumir um papel fundamental no funcionamento de diferentes áreas económicas dos países de acolhimento, E não hesita: “Sem mão-de-obra imigrante, alguns setores entrariam em colapso”, salientando que, em Portugal, a situação não é diferente. “Algumas atividades económicas dependem dos imigrantes. Eles estão sub-representados em algumas atividades no nosso país, especialmente nos grupos profissionais menos qualificados, mais precários, com remunerações mais baixas, com falta de condições de trabalho e, com maior incidência de sinistralidade laboral. A título de exemplo, referimos os setores da construção, agricultura, hotelaria e restauração e serviço doméstico”.

Embora reconheça que são uma “tábua de salvação” para alguns setores, chama a atenção para o facto de os trabalhadores estrangeiros não auferirem os mesmos salários, nem terem as mesmas condições que os trabalhadores nacionais. E dá exemplos: “Enquanto que no grupo profissional dos trabalhadores não qualificados, os nacionais auferem uma remuneração de base mensal de 801,61 euros e o ganho é de 942,93 euros, os estrangeiros auferem 758,31 euros e um ganho de 890,69 euros. Ou seja, uma diferença de 43,30 euros e 52,24 euros, respetivamente”. 

A somar há que contar ainda, de acordo com a CTGP, com a discriminação salarial entre nacionalidades. “São os imigrantes oriundos de países fora da UE, como os PALOP ou de nacionalidade asiática, os que têm remunerações mais baixas no nosso país. Os cidadãos do Nepal, Bangladesh, Tailândia, Guiné, São Tomé, Paquistão, Cabo Verde e Índia, são os que auferem os salários mais baixos no nosso país, em comparação aos cidadãos oriundos da Europa. O trabalhador estrangeiro ou apátrida que esteja autorizado a exercer uma atividade profissional subordinada em território português goza dos mesmos direitos e está sujeito aos mesmos deveres do trabalhador com nacionalidade portuguesa e se queremos e precisamos de mão-de-obra imigrante, exigimos que lhes sejam dados os mesmos direitos e os mesmos deveres, que os trabalhadores nacionais têm”.

E aponta o dedo a quem pede uma política de imigração mais controlada. “Condenamos as atitudes de culpabilização, desconfiança e discriminação que existem em relação aos imigrantes. Precisamos de uma política de imigração e asilo que respeite os direitos humanos e os princípios da dignidade humana e da igualdade de direitos no país de acolhimento. Para isso necessitamos que se respeite os direitos dos imigrantes, com a regularização atempada da sua situação, a concretização do direito de reagrupamento familiar e o acesso a todos os serviços públicos”, salienta.

Carência de mão-de-obra 

Apesar dos níveis históricos de população empregada que se verifica atualmente em Portugal, o presidente da AEP diz ao i que que a maior condicionante à atividade das empresas portuguesas continua a ser a falta de mão-de-obra. “Com um saldo natural negativo, a atual e futura falta de mão-de-obra no país apenas pode ser combatida, a curto prazo, com um saldo migratório positivo e, nesse sentido, podemos afirmar que a imigração tem vindo a ser crucial para a sustentabilidade do mercado de trabalho português”, refere Luís Miguel Ribeiro.

Admite, no entanto, que a imigração por si só não é uma “tábua de salvação”, defendendo que é ainda necessário garantir a integração destes imigrantes, a qualificação e requalificação dos trabalhadores com base nas reais necessidades das empresas. Ao mesmo tempo, reconhece que é natural que as condições económicas de um país afetem o seu fluxo internacional de migração, daí a AEP defender a necessidade de assegurar a continuidade de um saldo migratório positivo para a garantia de um mercado de trabalho saudável, sendo, portanto, também necessário garantir a integração dos imigrantes e das suas famílias no país. “Acreditamos que as políticas de imigração em vigor ainda não serão suficientes, devendo ser complementadas por um reforço dos programas de apoio aos imigrantes e refugiados, através de, por exemplo, acordos internacionais para captação de mão de obra, como a AEP tem vindo a defender. Assegurar a disponibilidade de mão-de-obra, ajustada às necessidades das empresas, passa por Portugal ‘descolar’ do salário mínimo”.

Luís Miguel Ribeiro lembra que tal como acontece a nível europeu, Portugal, e sobretudo algumas das suas regiões, enfrentam um problema demográfico, que tem um impacto significativo sobre o mercado de trabalho e atualmente uma dificuldade efetiva das empresas é a contratação da mão-de-obra de que necessitam, quer qualificada, quer indiferenciada. “Atendendo ao saldo natural negativo, o saldo migratório assume um papel fundamental. Neste âmbito, importa criar as condições necessárias para que Portugal beneficie de uma imigração responsável, inclusiva e sustentável, por forma a que sejam devidamente integrados na nossa sociedade e no mercado de emprego”. Realça ainda que “o saldo migratório positivo é, em termos de qualificações, bastante desfavorável, com a saída de jovens mais qualificados e a entrada de trabalhadores com mais baixas qualificações, o que reforça ainda mais a necessidade de políticas de qualificação e de requalificação, flexíveis e adequadas às reais necessidades das empresas”.

Também o presidente da CIP tem defendido que o aumento da natalidade já não é uma solução viável para os próximos 10 ou 20 anos e refere que “a imigração é a única que vai permitir resolver” a falta de trabalhadores. Armindo Monteiro tem criticado a entrada de mão-de-obra de “baixo valor acrescentado”, defendendo um processo “programado”.

O que pedem os partidos

 Um maior ou menor controlo dos imigrantes tem animado o debate político e ganhou maior relevo nos últimos dias, após os ataques contra imigrantes ocorridos na cidade do Porto e que levou o Ministério Público a abrir três inquéritos. Em causa estão os episódios de violência ocorridos na madrugada do dia 3 de maio praticados contra imigrantes, de nacionalidades argelina e marroquina, que, segundo a Procuradoria, são suscetíveis de integrar infrações criminais de natureza pública. 

Tal como já tinha defendido na campanha – uma “imigração regulada com integração humanista – o Governo já veio admitir limitar o acesso a autorizações de residência a imigrantes com vistos de trabalho ou procura de trabalho e introduzir “objetivos quantitativos” no acolhimento de estrangeiros.

De acordo com o programa já apresentado, o objetivo é “adotar o princípio de que somos um país de portas abertas à imigração, mas não de portas escancaradas, materializado em objetivos quantitativos para a imigração, ponderando a dimensão da segurança, priorizando em termos de qualificações e evitando a exploração por redes ilegais e criminosas”.

Segundo o Governo liderado por Luís Montenegro, “Portugal enfrenta desafios significativos em relação às migrações”, com uma “legislação ineficaz e uma falta de articulação entre o setor público, privado e social”, permitindo a proliferação de “redes de tráfico humano capazes de atrocidades sociais raramente vistas”, com “problemas sociais complexos como o desafio na habitação e a persistência de fenómenos xenófobos”.

E para resolver esta situação propõe “políticas holísticas e colaborativas, envolvendo o Estado, o setor empresarial e as instituições sociais”, que permitam “uma imigração regulada, com humanismo, digna e construtiva para o desenvolvimento sustentável de Portugal”.

Medidas que levaram o líder socialista a afirmar que “a diabolização da imigração e dos imigrantes não tem sido feita apenas pela extrema-direita. Ela tem sido feita também por dirigentes e candidatos políticos da direita tradicional em Portugal.

Pedro Nuno Santos defende a construção de “um país inteiro que não exclui ninguém”, lamentando que ainda haja quem se esqueça que este é um país de emigrantes “com uma comunidade imensa espalhada por todo o mundo”, pelo que “devemos olhar para quem nos procura para viver e trabalhar com respeito e consideração”.

E já veio salientar: “Seriam vários os setores económicos que parariam em Portugal caso travássemos a imigração”, referindo que a criação de riqueza “faz-se com os portugueses que cá vivem e com os imigrantes”, e que a Segurança Social estaria hoje em condições muito difíceis caso Portugal não tivesse estado aberto a receber imigrantes.

Mais radical é o discurso do Chega, que quer estabelecer quotas anuais e criar o “crime de residência ilegal em solo português e impedir a permanência de imigrantes ilegais em território nacional”. Segundo a proposta do partido de André Ventura, quem for encontrado nesta situação fica “impedido de regressar a Portugal e legalizar a sua situação nos cinco anos seguintes”. E ainda na semana passada considerou que a “imigração descontrolada” está a tornar-se um “problema sério”. 

Já a Iniciativa Liberal defende que as entradas têm de ser reguladas, com visto de trabalho, com o partido liderado por Rui Rocha a acusar o PS de ter aberto as portas sem nenhum controlo, deixando as redes ilegais atuarem à vontade. Ainda assim, Rui Rocha apela a que haja no país uma imigração com dignidade e com direitos.

Por seu lado, a coordenadora do Bloco defendeu que “Portugal tem o dever de acolher todos os que nos procuram por uma vida melhor” e de reconhecer “todos os seus direitos”. Mariana Mortágua acusa a direita de saber que são os imigrantes “quem garante a economia portuguesa”, mas opta por lançar “muita desinformação e muita mentira” porque quer “imigrantes clandestinos e explorados”.

Mas o Bloco de Esquerda vai mais longe ao considerar que é necessário “combater as formas de exploração de imigrantes, desde agiotas a redes de angariação de mão-de-obra, passando pela responsabilização de toda a cadeia de angariação, utilização e subcontratação, que se escondem através de ‘empresas na hora’”.

Também para o PCP, “os discursos do ódio, do racismo e da discriminação que têm vindo a aumentar mais não fazem do que querer desviar as atenções dos reais problemas e dos responsáveis que meteram milhares de cidadãos portugueses para fora do seu país”, disse Paulo Raimundo, apelando ao pleno reconhecimento dos direitos dos imigrantes. E, tal como o Bloco, quer um “aumento da capacidade de resposta por parte da AIMA [Agência para a Integração Migrações e Asilo] e medidas mais eficazes no combate aos traficantes de mão de obra imigrante e às redes de tráfico de pessoas”. 

Já o Livre defende acolher e integrar pessoas refugiadas e migrantes em Portugal, reforçando o apoio a vítimas e a pessoas deslocadas provenientes de zonas de conflitos armados e países onde decorra um recuo dos Direitos Humanos, assim como combater a exploração laboral, assegurando condições dignas e humanas de acolhimento em qualquer ponto de entrada em Portugal, reduzindo o tempo de resposta para situações temporárias e garantindo que os trabalhadores migrantes têm os mesmos direitos, benefícios e proteção que os portugueses.

Também o PAN acena com o princípio de iguais contribuições e iguais prestações através da revisão de toda a legislação para que, durante a pendência dos processos de regularização que, segundo o partido liderado por Inês Sousa Real, demoram em média dois anos.

Novas polémicas 

A cobrança de taxas por parte da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) a imigrantes com processos pendentes têm causado fortes críticas. Em causa estão as novas regras de regularização que dão prioridade a quem pague uma taxa antecipada de até 400 euros, em que é dado um prazo de dez dias úteis para os imigrantes pagarem a taxa de autorização de residência, mesmo antes de ser agendada a entrevista final.

A AIMA tem explicado que a ideia é agilizar os atendimentos ao balcão e ter maior capacidade de resposta, mas sem este pagamento o processo é extinto. O atual Governo não esclarece se vai revogar ou alterar o decreto regulamentar atualmente em vigor, apesar já ter mostrado o seu descontentamento com estas medidas.