No dia seguinte ao confronto televisivo, houve responsáveis da coligação que mediram o ambiente, em ações de campanha nas ruas. O resultado confirmou as piores expectativas da estrutura política. Sentiu-se “desânimo, frieza e indiferença” no contacto com os eleitores, e a conclusão, nas palavras de um dirigente, é a de que “vai ter de mudar alguma coisa para criar ânimo nas pessoas”. Resta saber como. Não haverá mais nenhum debate com três milhões e meio de espectadores (apenas um na rádio, na próxima semana, com António Costa). Mas a estratégia mediática estará a ser repensada.
Aausência de Passos nos últimos dias também começou a ser questionada, havendo quem entenda que foi um erro “tirar Passos da rua”. Entre os sociais-democratas e contristas que integram a máquina partidária mais em contacto com a opinião pública, é dado como certo que não “vale a pena ter medo das manifestações dos lesados do BES” porque serão inevitáveis. E a coligação, acredita um dirigente, terá capacidade de superar em número de apoiantes os manifestantes.
Os responsáveis do PSD e do CDS passaram o dia de ontem a tentar amortecer a leitura negativa da prestação de Passos, mas era notória a desilusão. A ‘onda’ laranja e azul tinha vindo em crescendo desde a libertação de Sócrates, na passada sexta-feira, e foi alimentada pela sondagem da Aximage que apontava para uma vantagem de quase seis pontos. A somar a tudo isto, o habitual à-vontade de Passos nos debates – por contraponto às dificuldades que o secretário-geral do PS evidenciou no frente-a-frente com António José Seguro na campanha interna. As expectativas eram, assim, favoráveis ao líder social-democrata.
‘Marketeiro’ gesticula com Passos
Na coligação, antes do debate, apostava-se que o debate, encarado por muitos como decisivo, poderia servir para Passos ‘arrumar’ com Costa. Mas a prestação do líder social-democrata veio deixar tudo em aberto, como assume uma fonte da direção do PSD.
No próprio cenário do debate, ficou claro, ao intervalo, que nem tudo estava a correr como previsto. Obrasileiro responsável pelo marketing de campanha, André Gustavo, gesticulou com o líder do PSD e o nome de Sócrates foi ouvido. Nessa altura, já Passos Coelho tinha usado mais do que uma vez o trunfo de colar o ex-primeiro-ministro ao atual líder do PS. Na segunda parte, insistiu na estratégia – que António Costa, sempre ao ataque durante a hora e meia de debate, conseguiu anular.
“Costa mostrou-se com energia, capacidade de afirmação e de liderança”, defende ao SOL um destacado social-democrata que revela estranheza pelo facto de Passos Coelho não ter sido igual ao que costumava ser nos debates na Assembleia da República. “Ganhou todos (ou quase todos) os debates no Parlamento”, recorda a mesma fonte, acrescentando que “parece que agora se foi abaixo”. “Passos Coelho amanhã já tem de estar de volta ao que era”, defende, por outro lado, um ex-ministro do PSD.
“Costa livrou-se de perder as eleições já. Está adiado, nada mais”, tenta relativizar um membro da direção da campanha.
Avisos para o round da rádio
Certo é que para o frente-a-frente radiofónico, que se realiza no dia 17, já ficam avisos. “Se o debate na rádio for igual, não é bom. Vai ser mais próximo das eleições e um tira-teimas depois deste”, reconhece um membro do Governo.
Por outro lado, assume-se que agora é preciso minimizar os estragos e reanimar as hostes na coligação Portugal à Frente (PàF). “Passos Coelho amanhã já tem de estar de volta ao que era”, defende um ex-ministro do PSD. “Temos de gerir os danos internamente para as pessoas não desmotivarem com a análise dos comentadores que dão a vitória a Costa”, assume ao SOL uma fonte da direção da campanha da coligação, acrescentando que “é óbvio que a posição de Marcelo tem impacto do nosso lado”. Isto porque, logo nos minutos seguintes ao debate, o ex-líder do PSD (e protocandidato à Presidência da República) foi célere a dar a vitória ao secretário-geral socialista.
No rescaldo do único frente-a-frente televisivo, a coligação PàF acaba por assumir a derrota, mas procura fazer um controlo de danos usando o argumento de que o desfecho só foi esse porque o líder do PSD se manteve fiel ao seu estilo próprio, “sóbrio e sereno”. Também o registo “muito explicativo e longo” de Passos nas suas intervenções, que exige muito tempo e não é favorecido por este modelo de debate, é avançado como outro motivo para Costa ter conseguido marcar pontos.
“Prejudicou-se a ele próprio por ser tão honesto”, reforça um dirigente do PSD.
“Conseguimos pôr António Costa num registo de comício e o primeiro-ministro com uma pose quase de estadista, sério e ponderado”, afirma ainda assim uma fonte da estrutura da campanha assumindo que esta “era uma estratégia de risco”.
Por outro lado, e numa outra tentativa de relativizar a derrota, um destacado social-democrata opta por contrapor que este debate “era uma prova de vida para Costa”.
No balanço de perdas e ganhos, quase todos alinham pelo mesmo diapasão de que o debate não arruma a contenda legislativa. E, numa versão otimista, considera-se mesmo que o PS saiu do Museu da Eletricidade sem vantagem: “Nem Passos perdeu ou ganhou votos, nem Costa ganhou ou perdeu votos”.
Socialistas eufóricos
Depois de uma semana difícil para o PS – com a saída de José Sócrates da prisão de Évora a ofuscar a agenda do líder socialista e a última sondagem a dar seis pontos de vantagem à coligação –, o debate correu bem a António Costa que tem agora nas mãos a oportunidade de relançar a campanha. “Odebate teve um efeito galvanizador sobre o eleitorado do PS e sobre o aparelho”, afirma ao SOL Manuel Pizarro, membro do Secretariado Nacional do PS. “Costa deu uma grande coça no dr. Passos. Foi um momento clarificador”, completa.
As hostes socialistas animaram logo durante o debate. Foram permanentes os comentários nas redes sociais, Facebook e Twitter, a gritar vitória ou a satirizar o adversário. “Grande vitória de António Costa no debate desta noite! Um bom prenúncio para a vitória a 4 de outubro”, escreveu o presidente do PS, Carlos César. “Hoje não digo mais nada. Acho que nenhum português tem dúvidas. Vou dar umas gaitadas na minha varanda e abrir uma garrafa de champanhe. Parabéns Portugal”, afirmou o ex-diretor de campanha, Ascenso Simões.
Os socialistas não perdoaram. “Acontece, Pedro. Há banhadas assim. Cristalinas. Só o Relvas dirá que foste bestial”, disse o deputado José Magalhães. “Hoje o jantar foi Coelho à caçador”, ironizou o deputado José Lello.
O valor de Costa
Acampanha de Costa vai continuar a apostar no contacto direto com a população, concentrando-se em várias ações de rua. O líder do PSé tido como o “elemento diferenciador” em relação à coligação e há quem acredite que vale mais que o peso do próprio partido. Uma tese reforçada após o debate em que Costa saiu ao ataque e renovou a esperança dos socialistas. “Admito que quando as coisas correm bem há sempre mais entusiasmo”, diz Pizarro.
Já quanto ao debate transmitido na rádio, do lado do PS, a pressão colocada é completamente diferente. “Tem de ser levado a sério, mas não tem o mesmo impacto”, admite o dirigente socialista.