Por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto
Um dos primeiros passos de António Costa, assim que assumiu o seu primeiro mandato foi reverter o processo de privatização levado a cabo pelo Governo de Passos Coelho. E cinco anos depois passou totalmente para a esfera pública depois de o Executivo ter considerado que os acionistas privados tinham falhado os seus compromissos – na altura, era detida em 45% por David Neeleman e pelo português Humberto Pedrosa, 50% já pertencia ao Estado e os restantes 5% aos trabalhadores.
Agora o tema privatização voltou a estar em cima da mesa por Pedro Nuno Santos ao garantir que a salvação da companhia aérea passa por integrar a companhia aérea num grande grupo. “Foi sempre claro para nós [Governo] que, num mercado tão fortemente globalizado e competitivo, a TAP não conseguiria sobreviver, a médio prazo, sozinha. A integração da TAP num grupo criaria sinergias importantes e traria resiliência para enfrentar a volatilidade tão característica da aviação. Esta pode ser mesmo a única maneira de assegurar a viabilidade de uma empresa estratégica para o país”, afirmou Pedro Nuno Santos na Assembleia da República.
Estes avanços e recuos sobre quem deve mandar e administrar a empresa não surpreendem o especialista Sérgio Palma Brito, autor do livro TAP que futuro? Como chegámos aqui? que ao i diz apenas: “Sabe, sou alentejano. Costumamos dizer que só os burros é que não mudam de opinião. E o meu camarada Pedro Nuno Santos é tudo menos burro”.
Pagar dote? Pedro Ferraz da Costa não se mostra surpreendido com estas mudanças de posição em relação ao futuro da TAP ao garantir que o “Estado não tem condições para gerir negócios complicados”, diz ao i. E garante que a empresa tem sido um acumular de gastos.
“Inicialmente o Governo quis manter a empresa nacional em nome de uma estratégia e os tipos dos sindicatos esfregaram todos as mãos porque era injetar até não poder mais e é o que tem acontecido”, confessando que ainda tinha uma “esperança ilusória” que fosse reduzida ainda mais a estrutura e que fossem alteradas as condições.
“Mesmo agora que não servem refeições continuam a ter tripulações com comissários e hospedeiras que nunca mais acabam. Mais do que as outras companhias. Saíram muito poucos, continuam a ter muita chefia, muita chefia intermédia. Como podemos pagar isso?”, questiona.
No entanto, reconhece que encontrar um parceiro nesta altura é uma tarefa mais complicada. “Para nós portugueses, o que era importante, era que a TAP estivesse em condições de escolher o noivo. Não está. Está nas condições de esperar que alguém a escolha para noiva, já um bocado em segunda mão. Ou terceira. E se calhar vai ter que pagar um dote brutal”.
E questiona o comportamento do Governo que, neste caso, é contraditório. “O Governo aprende à nossa custa, nunca à custa deles. O Estado não tem alma nem carteira. Tem a nossa carteira”, salienta Ferraz da Costa.
Também Cristóvão Norte não poupa críticas à atuação do Executivo. “Isto é uma comédia trágica que tem marcado os últimos anos da TAP que é coroada por esta inimaginável privatização da TAP à luz do que foram os ataques vis e infundados que foram dirigidos ao Governo do PSD, cujo único propósito era garantir a subsistência da empresa, sem com isso onerar ad aeternum e os cofres públicos como têm sido penosamente onerados ao longo de décadas”.
O ex-deputado do PSD lembra que o Governo de Passos Coelho privatizou a empresa, estabelecendo um caderno de encargos que tinha como propósito assegurar valores estratégicos para o Estado, poupando, por um lado, o erário público, e por um lado, permitisse que essas orientações estratégicas de uma companhia de bandeira ficassem esplanadas nas obrigações a que o adquirente estava vinculado.
“Depois o PS o que veio fazer foi o maior embuste, a maior encenação de que há memória, porque decidiu readquirir a maioria do capital social, mas fê-lo para causar mera aparência, ou seja, assumiu todos os ónus e encargos resultantes desse ato, mas entregou a prorrogativa de exercer todas as decisões relativamente à orientação estratégica e à dimensão operacional da empresa ao privado”.
De acordo com o autarca, esse retrocesso na gestão da empresa “ainda foi mais alimentado durante a pandemia e por um arraial imparável de declarações que foram feitas ao longo dos anos sobre a TAP, protagonizado por Pedro Nuno Santos e pelo próprio primeiro-ministro. Eles são os maiores algozes da própria política que sempre defenderam para a TAP”, diz ao i.
E vai mais longe: “O que fizeram foi pegar nos princípios deles, enrolaram-nos bem, deitaram-nos no lixo e sacaram-lhes fogo. Não sobra nada daquilo que eles disseram. Mudaram variadíssimas vezes de opinião durante todo este processo” e a somar a isso há, de acordo com o mesmo “um elemento de desprezo por qualquer coisa que se assemelhe a princípios e por outro elemento que também é muito revelador do primeiro-ministro, em particular, que se prende com a total descrença na inteligência das pessoas. O primeiro-ministro trata as pessoas como se fossem burras, ignorantes. Esse é um traço incorrigível da sua personalidade”.
Avanços e recuos A reversão da privatização da TAP foi uma das principais bandeiras do primeiro Governo de António Costa, com a justificação de que a companhia era estratégica para o país e que, por essa razão, devia ser pública. E desde aí, “os portugueses já gastaram mais de 3 mil milhões de euros na companhia aérea”, chegou a acusar o Chega.
Em 2015, António Costa garantiu que a companhia aérea ia voltar a ser pública num debate na Assembleia da República.
Nessa altura, Jerónimo de Sousa denunciava um “saque” na empresa com a entrada de acionistas privados e o primeiro-ministro garantia então que só existia uma saída: “Negociar a aquisição pelo Estado dos 51% do capital” da companhia aérea, o que considerava “vital”.
“O Estado deve manter a maioria do capital da TAP” uma vez que “não é só uma companhia de aviação, é a garantia da independência nacional, da ligação do nosso território descontínuo e as comunidades emigrantes e um instrumento fundamental para economia portuguesa e para a afirmação da plataforma atlântica de Portugal”, disse, acrescentando que “esse é o instrumento que é a TAP e em circunstância alguma o Estado poderá perder a maioria do capital da TAP”.
E foi o que fez. Mas três anos mais tarde, a Parpública, holding do Estado que controla a participação pública no capital da TAP, lançou um alerta no relatório e contas, considerando que, “apesar de deter 50% dos direitos de voto na TAP, SGPS, SA não detém o controlo, mas uma influência significativa”.
Um mês mais tarde, uma auditoria do Tribunal de Contas ao processo de reversão de privatização dizia que o processo “não conduziu ao resultado mais eficiente”, porque “não foi obtido o consenso necessário dos decisores públicos, tendo as sucessivas alterações contratuais agravado as responsabilidades do Estado e aumentado a sua exposição às contingências adversas da empresa”.
Em 2020 assistimos a outra reviravolta. Com a pandemia e com os consequentes prejuízos, a companhia aérea não viu outro destino se não entrar para as mãos do Estado. Em outubro, o Estado tornou-se dono de 72,5% do capital da TAP SGPS, com a concretização da compra dos 22,5% que estavam nas mãos de David Neeleman e da Azul, por via da Atlantic Gateway. E viu-se obrigado a pedir ajuda a Bruxelas que em troca de injeção de capital exigiu um plano de reestruturação.
O discurso volta a mudar no início deste ano. Em janeiro, António Costa, num debate televisivo com o então líder do PSD, Rui Rio, disse disse que a companhia estaria “em condições de, assim que possível, podermos alienar 50% do capital”, acrescentando que, “felizmente, há já outras companhias interessadas em adquirir”.
Já em setembro deste ano, o primeiro-ministro admitia que o Estado poderá perder dinheiro com a privatização da TAP, que António Costa quer que ocorra nos próximos doze meses, havendo a expectativa de que a Lufthansa concorresse.