Tensão. Poderes pouco separados

A frase ‘à política o que é da política e à justiça o que é da justiça’ nunca esteve tão em causa. Partidos da Oposição censuram pressão dos socialistas sobre agentes da Justiça.

A ‘bomba’ explodiu no dia 7 de novembro com o anúncio de uma série de buscas a membros e ex-membros do Governo, pessoas próximas de António Costa, e detenções, levando à demissão do primeiro-ministro.

Dezasseis dias depois, a procuradora-geral da República (PGR), Lucília Gago, falou aos jornalistas e afastou qualquer responsabilidade na crise política que se instalou no país.

Uma crise que pôs em choque frontal Belém e S. Bento, mas que, face aos desenvolvimentos que entretanto teve, põe também em causa o princípio basilar da separação de poderes e da relação entre a política e a justiça.

Ao Nascer do SOL, o politólogo José Filipe Pinto admite que estamos perante “uma politização clara da justiça” por parte de alguns setores do PS, lembrando o que aconteceu no Brasil com o juiz que levou ao impeachment de Dilma Rousseff e com o juiz Baltasar Garzon em Espanha. “Há aqui uma tentativa de atribuir à Procuradora-Geral da República e ao Ministério Público a responsabilidade por uma crise política que evidentemente não foi espoletada por eles”.

O PSD também dá cartão vermelho a esta ‘nova relação’. Ao Nascer do SOL, a direção do partido mostra-se “intransigente na defesa dos princípios do Estado direito democrático”: “Foi assim sempre. Essa é a nossa matriz e não somos dos que consideramos que o que é ‘da justiça é apenas só da justiça às vezes’”, disse a mesma fonte, referindo que o PSD_encara “com a maior das preocupações a degradação do prestígio das instituições para a qual o Governo tem contribuido” e condena o PS por “criar todos os dias zonas de atrito com instituições judiciais e políticas”.

Também o líder do Chega refere que está a vir ao de cima “o pior espírito do PS”, lembrando “o processo Casa Pia, a tentativa de condicionar a justiça, de manipular e de impor regras e prazos”. “Esta tentativa de colar a justiça ao timing do calendário eleitoral, para nós é intolerável e é um mau serviço ao Estado de Direito e à separação de poderes”, referiu André Ventura, salientando que a ação do PS se torna quase numa “tentativa de condicionar, tornando a justiça um ator político quando a justiça não deve ser um ator político”.

Igualmente crítico é o líder do CDS, para quem o ciclo político já devia ter terminado, não por causa da justiça, mas por outras razões políticas que  já justificariam a queda do Governo. Quanto ao caso em concreto, Nuno Melo acena com o princípio da separação de poderes. “O primeiro-ministro não se demite por causa de um parágrafo no comunicado da Procuradoria. Independentemente de avaliações concretas do processo, o primeiro-ministro demite-se porque é objeto de uma investigação autónoma, em que o chefe de gabinete é detido, há buscas pela primeira vez numa residência oficial, são encontrados molhos de notas, há ministros que são constituídos arguidos, há buscas nos ministérios, há processos-crime que envolvem o Governo e o PS vai ter agora duas mensagens. Uma é que a crise foi criada pela justiça e a outra é não votem à direita por causa da extrema direita”, disse ao Nascer do SOL.

Pressões para acelerar

Também o pedido de aceleração do processo é alvo de censura pelos responsáveis ouvidos pelo nosso jornal. O líder centrista lembra que há o tempo da justiça e o tempo da política. “Não podemos pedir que a justiça tenha o tempo da política. A imagem da justiça é uma senhora com uma venda nos olhos. Significa que é cega, igual para todos: ricos e pobres, políticos, sociedade civil”, afirmou Nuno Melo.

Já José Filipe Pinto defende que é “perfeitamente inconcebível” esta pressa, porque entende que “não há forma alguma, nem que o Ministério Público conseguisse alocar todos o seu efetivo aos processos terminá-los em tempo útil no que diz respeito às eleições”. Mas acrescenta: “É evidente que já se percebeu pelos nomes envolvidos e também pela complexidade dos processos, apesar de o juiz numa primeira análise ter deixado cair alguns dos crimes, que haja um mediatismo e uma pressa na resolução até porque temos eleições à porta e o resultado desses processos poderá penalizar ou beneficiar o PS”.

Por seu lado, o líder do Chega admite que qualquer que seja a decisão antes das eleições “vai ser interpretada como um favor ao Governo ou um ataque ao Governo”.

Em artigo publicado nesta edição (pág. 14), André Ventura considera que “a democracia está em perigo” mas não é por causa do Chega e, sim, “pelo regresso do velho PS, dominador, trauliteiro, dono disto tudo, que está a colocar Portugal e ferro e fogo e, mais uma vez, a atacar as fundações do nosso sistema democrático”.

‘Princípio do fim’

Com o pedido de demissão e após Costa acusar Marcelo de ter criado uma “crise política irresponsável”, a relação entre os dois não vai voltar a ser a mesma, mas não surpreende José Filipe Pinto, que recorda que “o que é habitual é que no primeiro mandato haja uma relação de cordialidade”, mas no segundo “é normal que o Presidente que não tem direito à reeleição ser mais duro e mais critico na análise”.

Também André Ventura reconhece que a situação entre os dois está a ser má para o país e considera que Costa “está a contribuir todos os dias para que a relação fique pior”.

José Filipe Pinto responsabiliza o PM pelo estalar do verniz:  “António Costa constituiu um Executivo em que se rodeou dos seus ‘delfins’, os seus putativos sucessores e fez um Governo em que o critério da amizade prevaleceu sobre o da qualidade e o da competencia”. A partir daí, os “desentendimentos” entre o PR  e o PM começaram e o caso Galamba é o “mais flagrante”. “É evidente o Presidente não pode exonerar um ministro, mas ‘demitiu-o’ na praça pública dizendo que não tinha condições, mas Costa, contra o seu partido, contra o Presidente e contra a opinião da maioria dos portugueses, resolveu mantê-lo. Marcelo disse que ia estar atento e foi quando percebemos que o Governo estava a prazo. Era o princípio do fim”, resume.