Médio Oriente. O que esperar?

O forte ataque lançado contra Israel pelo Irão não foi bem-sucedido. Temeu-se o pior, mas os israelitas conseguiram intercetar 99% dos ataques. Netanyahu pode reagir, mais uma vez contra a vontade dos EUA, e um conflito em grande escala é possível, mas não provável.

Na noite do passado sábado, Israel entrou em alerta com o anúncio de que o Irão iria atacar, e a região, já instável e volátil, estava em risco de uma escalada sem precedentes. Foi a primeira vez que o Irão – que atua através dos seus proxies no Líbano, Iraque, Síria e nos territórios palestinianos – atacou diretamente o Estado judaico.

Ao contrário do que por ventura se possa ler e ouvir, os ataques não foram meramente simbólicos (demonstração de força) nem tampouco uma legítima defesa contra o ataque de Israel ao edifício da embaixada iraniana em Damasco. Uma ofensiva que conta com mais de 300 drones e mísseis balísticos, após os líderes iranianos terem prometido uma retaliação forte, carrega mais do que apenas simbolismo. Quanto à legítima defesa, à luz do direito internacional, só pode ser invocada «perante um ataque atual ou iminente», como explicou o professor e especialista em direito internacional Francisco Pereira Coutinho. «Não há legítima defesa preemptiva».

Este ataque iraniano trouxe algo inédito: a Jordânia e a Arábia Saudita, países muçulmanos de orientação sunita, juntaram-se no apoio a Israel, tendo desempenhado um papel fundamental na defesa aérea. Mais uma derrota para o regime iraniano, que, apesar das tendências hegemónicas, está cada vez mais isolado.

(Des)equilíbrio de poder

Para analisar os mais recentes acontecimentos, importa entender as movimentações no xadrez geopolítico da região. O Estado de Israel, desde a sua fundação, tem sido obrigado a lidar com ataques à sua existência por parte dos vizinhos árabes, e, por estranho que possa parecer, no início da década de 70, o Irão, então liderado pelo Xá Mohammad Reza Palavi, era o único país amigável para com Israel.

Nas palavras do então Presidente americano, Richard Nixon, «o Xá era o melhor amigo dos Estados Unidos em toda a área do Golfo Pérsico, e era o único amigo de Israel. O Xá, na guerra de 1973, forneceu petróleo para a nossa frota no Mediterrâneo […] e travou as forças iraquianas, apoiando os curdos contra os iraquianos, para que não se envolvessem na guerra de 73».

Mas em 1979, com a revolução iraniana, o panorama mudou. A monarquia pró-Ocidente caiu e foi fundada a República Islâmica do Irão, controlada por um líder supremo. Assim, o Irão, e ainda que se pudesse pensar que ficaria isolado, tem operado na tentativa de se tornar hegemónico com base na «ordem do caos», como descreveu assertivamente Suzanne Maloney no seu artigo recente para a revista Foreign Affairs.

O regime de Ali Khamenei tem financiado milícias nos países da região – como é o Hamas na Palestina e o Hezbollah no Líbano –, os chamados proxies, com o objetivo de se tornar indiscutivelmente hegemónico.

Os ataques de 7 de outubro carregaram um objetivo subjacente, como disse Henrique Cymerman ao Nascer do SOL no dia 8 de outubro: «Matar os acordos de Abraão (que estabeleceram a paz e as relações diplomáticas entre Israel e os Emirados Árabes Unidos) e dificultar os acordos entre a Arábia Saudita e Israel (mediados pelos Estados Unidos)». Mas, no sábado passado, os sauditas deram uma declaração de intenções bastante evidente, e parece que o estabelecimento de relações diplomáticas com Israel está cada vez mais próximo. Além do fracasso na área militar, o Irão poderá ter cometido também um erro estratégico.

A retaliação iraniana

No passado dia 1, Israel havia bombardeado o edifício da embaixada iraniana em Damasco, destruindo por completo o edifício consular e vitimando mortalmente treze pessoas, entre as quais dois comandantes de topo da Guarda Revolucionária do Irão. Os israelitas atacaram «para prevenir que os nossos inimigos se fortaleçam», alegou Yoav Gallant, ministro da Defesa de Israel. Do Irão, veio a promessa de retaliação na «mesma magnitude e dureza», restava apenas saber quando. Foi na noite de sábado, estendendo-se pela madrugada de domingo.

Israel preparou-se para a defesa, ao contrário do sucedido no 7 de outubro, e conseguiu, em conjunto com os Estados Unidos, Jordânia e Arábia Saudita, intercetar 99% dos ataques iranianos. Um dos grandes responsáveis pelo fracasso do ataque iraniano foi o Iron Dome, ou Cúpula de Ferro, um sistema de defesa antiaérea que interceta e destrói mísseis que se dirijam a áreas maioritariamente populacionais. O sistema que protege os civis israelitas envolve custos significativos e depende também de apoio americano.

Quanto às alegações de que foi apenas um ataque simbólico e de que o Irão não quis causar danos significativos, tendo até alertado para minimizar os estragos, o porta-voz da Casa Branca, John Kirby, foi perentório: «Tudo isto é categoricamente falso. Este ataque falhou porque foi derrotado por Israel, pelos Estados Unidos e por uma coligação de outros parceiros comprometidos com a defesa de Israel». E_acrescentou: «Dada a escala deste ataque, a intenção do Irão era, claramente, causar uma destruição significativa e vítimas. Recebemos mensagens do Irão, e eles receberam mensagens nossas também. Mas não recebemos, nem ninguém recebeu, qualquer mensagem sobre o enquadramento temporal, os alvos ou o tipo de resposta».

A maioria dos líderes ocidentais condenou de forma clara o ataque iraniano, à exceção do Presidente do Governo espanhol, Pedro Sánchez, que também abordou a sua posição quanto ao reconhecimento imediato do Estado da Palestina, talvez pressionado pelos parceiros que sustentam a sua governação, durante a visita do primeiro-ministro português. Luís Montenegro não acompanhou Sánchez na pressão à Europa. Como referiu o professor e investigador Tiago Moreira de Sá na sua conta do X: «A ideia de impor a solução de Dois Estados como um diktat externo é irrealista e pode comprometê-la em definitivo».

Cenários possíveis

Israel está agora perante um dilema estratégico: ou aposta na contenção para evitar a tão temida escalada, ou decide retaliar. Vários órgãos, incluindo o Times of Israel, noticiaram no início da semana que os israelitas já decidiram retaliar, mas ainda não sabem como nem quando. Lembre-se também que não poderá ser invocada a legítima defesa. Por seu lado, os Estados Unidos, que já se demarcaram de uma possível retaliação, vão impor mais sanções ao regime iraniano.

Porém, esta retaliação vai ser o fio condutor de uma escalada que se poderá revelar devastadora. Como avançou o Observador, Ali Bagheri Kani, vice-ministro dos Negócios Estrangeiros e principal negociador nuclear do Irão, afirmou: «Os sionistas devem saber que desta vez não terão 12 dias e a resposta que receberão não será em horas ou dias. Será dada em segundos». Também o porta-voz da Comissão de Segurança Nacional do Parlamento iraniano, segundo a agência Mehr, deixou um aviso: «Estamos prontos para usar armas não utilizadas até agora. Temos planos para todos os cenários».

O Médio Oriente pode estar prestes a assistir a um conflito de proporções desconhecidas e que se pode alastrar ainda mais, algo que não é de modo algum do interesse dos envolvidos nem dos respetivos aliados.

goncalo.nabeiro@nascerdosol.pt