Parlamento. O “estado da nação” e o “estado da oposição”: SNS e leis laborais marcam debate

Desde para-raios amovíveis a bancadas de “propaganda socialista”, assim se discutiu o Estado da Nação.

O debate do Estado da Nação de ontem ficou marcado, entre outras coisas, pela ausência de Rui Rio – líder da oposição – devido à morte de uma familiar próximo. Não obstante, a oposição foi feita – todavia, para Ana Catarina Mendes, não o suficiente, visto que, em jeito de troça, a líder parlamentar socialista disse que o debate, afinal, era sobre o “estado da oposição”.

António Costa abriu o debate com vontade de ir “direto ao tema” e trazendo “cinco prioridades”. A primeira, explica, é “completar o processo de vacinação” face ao contínuo surgimento de novas variantes. Diz que o governo tem “metas fixadas” e espera que entre 14 de agosto e fim de setembro a maior parte da população já esteja vacinada, o que inclui “jovens e crianças” (ver pág. 8). A segunda é “prosseguir o reforço do Sistema Nacional de Saúde (SNS)”.

Para António Costa, a pandemia veio provar a importância do investimento do SNS “iniciado pelo [seu] Governo”, em 2016. O primeiro-ministro acredita que “este investimento não começou nem pode esgotar-se no combate à pandemia”, garantido então que o “PRR vai reforçar os programas de saúde mental e oral” e um conjunto de outras áreas. Em terceiro lugar, a educação: dado que a “suspensão das atividades letivas acentuou as desigualdades e em muito prejudicou os alunos”, o Governo prioriza a “recuperação das aprendizagens”.

Para isso, e de forma a “apoiar os alunos com maiores dificuldades”, o Governo prevê um “aumento do número de professores e de técnicos especializados”, a aposta em “recursos digitais e apetrechamentos das escolas” e o investimento de 900 milhões de euros no “sucesso escolar”. 

Tudo isto para garantir que “esta geração não fique prejudicada nem irremediavelmente marcada pela pandemia da Covid” – palavra de Costa, aplaudida freneticamente pela bancada socialista. Seguiu-se-lhe a prioridade da agenda laboral: que deve ser “digna e com direitos”. Crítico à precariedade, diz que esta “acarreta desproteção social”, afirmando que “todo o trabalho deve ser reconhecido, valorizado e enquadrado com a necessária proteção e dignidade”. Por fim, “pôr em ação a recuperação” do país.

Costa lembrou ontem ter feito “precisamente um ano” que em Bruxelas “se fez um conselho histórico” – no qual, segundo a Bloomberg, Costa esparramou-se no sofá – em que se “assinou um programa sem precedentes e superior ao Plano Marshall”: o Plano de Recuperação e Resiliência. Costa disse ser tempo de “operacionalizá-lo” e lembrou ainda a existência do programa Portugal 2030, que juntamente com o PRR disponibilizará “um total de 40 mil milhões de euros ao serviço da transformação da economia e da nossa sociedade”. De seguida, António Costa entrou num logo discurso de abonação do PRR.

Todos ao ataque ao Governo Da Esquerda à Direita, todos criticaram o Governo. Adão Silva, do PSD, abriu as hostes, dizendo que o Governo está “cansado” e que “não tem mão” para reerguer o país. Considerou que este não é capaz de “fazer bem em tempos de provação” e que, por isso, quando chegarmos aos “tempos de libertação”, também não será.

Disse que o PSD é o “fundador do SNS” – algo que Costa classificou como a “maior trapalhada que alguma vez ouvira no Parlamento” – e criticou a falta de investimento no mesmo, elogiando, contudo, a sua prestação face à pandemia. Apontou depois o dedo à “falta de médicos de família” – afirmando que hoje faltam mais do que em 2015 – e constatou que devia haver mais apoios às empresas: algo que o Governo “não faz apesar de ter meios para tal”.

Logo depois, Ana Catarina Mendes, do PS, saiu em ataque a Adão e Silva, devolvendo-lhe o “cansaço” e acusando-o de “falta de memória”. Demonstrando uma elevada capacidade retórica – para regozijo notório do primeiro-ministro – Ana Catarina Mendes afirmou que todo o país se soube “reinventar” e “resistir”, concluindo então que o “estado não falhou” e que esse mesmo é o “estado da nação”.

Saindo do centrão e virando à esquerda, o Bloco saltou para o debate, através de Catarina Martins, dizendo que não “deveriam perder tempo a debater com a Direita” por mais que seja tentador nela “bater”, devendo o foco estar virado para as “soluções para o país”. Ataca o PS dizendo ser “falso” que o Governo queira mudar as leis laborais, visto que “já teve oportunidade e não o fez” e aproveitou para considerar que o SNS se encontra “exaurido”.

Já Jerónimo de Sousa enveredou pela narrativa clássica, criticando o facto de os “do costume” estarem a “ganhar dinheiro” e assim “perpetuarem os baixos salários”, exigindo o aumento deste para o mínimo de 850 euros. Tal, segundo Jerónimo de Sousa, “condena um milhão de trabalhadores precários”.

Também focado na pobreza e nas desigualdades sociais se manifestou o PEV, que também considerou injusto que as grandes empresas – “como a NOS, SONAE, Jerónimo Martins, EDP, etc.” – beneficiassem do PRR. O PAN, por sua vez, focou-se na crise climática, nos incêndios, nas “péssimas condições de habitabilidade” e no facto de Portugal continuar a “beliscar” a defesa dos direitos humanos, como foi o caso do Russiagate.

À direita, Cecília Meireles debruçou-se sobre o despacho assinado por Eduardo Cabrita que, contra as recomendações da DGS e da PSP, permitiu os festejos do Sporting. Dirigindo-se a António Costa, a deputada quis saber se a assinatura do despacho tinha o seu conhecimento, o que o primeiro-ministro negou.

Já Ventura insistiu na tecla dos ciganos e atirou a Cabrita, dizendo que o primeiro-ministro “foge como um para-raios aos ataques” – o que, devido à impraticabilidade do descrito, provocou risos na Assembleia. Considerou o estado da nação como “lamentável” e perguntou a António Costa se irá ou não pedir desculpa por isso.

Cotrim Figueiredo, por fim, acusou o Governo de criar “narrativas socráticas”, classificando o plenário como uma “bancada de propaganda do Governo e do PS”. “O PS diz que é o campeão do crescimento, mas é, sim, o da estagnação” – tirando o véu a uma das supostas falsas narrativas identificadas pelo liberal.

Encarregado de encerrar o debate esteve Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros. Expôs não ser tempo para “equívoco nas prioridades” ou fomento de “discurso do ódio”. Considerou, sim, ser tempo para levar a cabo o “compromisso do Governo”, ou seja, “construir e aplicar soluções concretas para os problemas dos portugueses”.